Opinião
- 14 de setembro de 2022
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CPPC, um caso de amor
Este artigo foi resgatado e publicado pelo grupo à frente do projeto Legado & Louvor.
Por Ageu Heringer Lisboa e Uriel Heckert
Por Ageu Heringer Lisboa e Uriel Heckert
O Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos surgiu no contexto evangélico da década de 1970. Havia em nosso meio forte influência da chamada missão integral, que enfatiza a expressão contextualizada da fé cristã, envolvida e comprometida com a vida em todas as suas expressões.
O ponto alto de tal movimento foi o Congresso Internacional de Evangelização Mundial, realizado em Lausanne, Suíça, no ano de 19741. Tal evento reuniu as principais lideranças evangélicas de todo o mundo e, ao seu final, deixou um documento precioso conhecido como Pacto de Lausanne, que alcançou ampla repercussão.
A maioria dos nossos fundadores militava no âmbito da Aliança Bíblica Universitária, que reúne estudantes e profissionais universitários para o aprofundamento da fé e testemunho cristão. Logo surgiu a convocação para o Congresso Missionário, que reuniu muita gente jovem e entusiasmada em Curitiba, em janeiro de 19762. Ali aconteceram palestras e exposições bíblicas memoráveis que forjaram lideranças expressivas; e também seminários que discutiam e aprofundavam os temas para segmentos profissionais específicos.
Nós fomos os convidados para organizar e dirigir o seminário destinado a estudantes e profissionais envolvidos com o campo psi. Um grupo de 40 participantes reuniu-se durante três tardes consecutivas, dentre os quais alguns são bem conhecidos: Carlos Lachler, Gláucia Pereira de Medeiros, Guilherme Falcão, Margareth Brepohl, entre outros.
Saímos de Curitiba determinados a seguir adiante. Continuar juntos, aprofundar a comunhão e as discussões, agregar outros igualmente interessados, esses eram nossos objetivos iniciais. A visão apontava para a necessidade de afirmar a fé cristã nos meios universitários, de destacar a riqueza resultante da intersecção das ciências psicológicas com a fé cristã, de servir as comunidades cristãs e a sociedade com o melhor do nosso conhecimento.
A notícia logo se espalhou e surgiram muitos que se identificavam com a proposta. Foi assim que já no ano seguinte aconteceu o I Encontro Nacional de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos. Ali em Belo Horizonte estiveram vários dos nossos pioneiros, dando prosseguimento a seqüência de eventos que chega até hoje.
O nome escolhido para nos identificar tem seu propósito. Não se pretendia algo pesado, rigidamente institucionalizado. Corpo pareceu uma boa expressão, apontando para um organismo vivo, articulado, dependendo da participação de cada membro, naquele espírito descrito na I Carta aos Coríntios, capítulo 12. Decisões que Deus tem confirmado com suas bênçãos.
Algumas ênfases tem permeado nosso trabalho. Elas servem como alicerce para novas contribuições que chegam pela presença sempre renovada de pessoas jovens e cada vez melhor qualificadas. Aqui destacaremos linhas mestras que marcam o embasamento científico e o entendimento teológico que têm sustentado a atuação do Corpo.
Visão psicoteológica
Nós entendemos que tanto as ciências do campo psi como a boa teologia bíblica devem ser respeitadas como áreas de estudo e aplicação prática igualmente válidas. Seguindo o pensamento da Reforma Protestante, não vemos nenhuma contradição inerente entre elas e não aceitamos nenhuma submissão de um saber ao outro. Entendemos que toda verdade provem do mesmo Deus, cabendo a nós elucida-la com fidelidade e trabalho persistente. As objeções porventura existentes podem e devem ser esclarecidas com diálogo e colaboração de cada parte.
Visão psicoteológica
Nós entendemos que tanto as ciências do campo psi como a boa teologia bíblica devem ser respeitadas como áreas de estudo e aplicação prática igualmente válidas. Seguindo o pensamento da Reforma Protestante, não vemos nenhuma contradição inerente entre elas e não aceitamos nenhuma submissão de um saber ao outro. Entendemos que toda verdade provem do mesmo Deus, cabendo a nós elucida-la com fidelidade e trabalho persistente. As objeções porventura existentes podem e devem ser esclarecidas com diálogo e colaboração de cada parte.
Além do mais, os dois campos do conhecimento apresentam importantes pontos de convergência que permitem articulações significativas. Eles são complementares e não excludentes e tem muito a se beneficiar com os “insights” e a experiência da outra área. De tal forma, enfatizamos a busca do aprofundamento científico em paralelo com a busca de vivencias significativas e enriquecedoras, tanto psíquicas como espirituais.
Entendendo assim, preferimos falar em intersecção de domínios do saber, destacando aqueles pontos de cooperação mutua que são significativos e que podem contribuir para ações em benefício das pessoas e comunidades. Falar de integração entre a psicologia e fé cristã parece-nos menos adequado. Consequentemente, não nos move a pretensão de construir uma psicologia cristã, nem incentivamos uma psicologização dos conteúdos da fé.
Usamos com freqüência o termo psicoteologia para definir tal entendimento. Ele nos chegou através das contribuições do Dr. J. Harold Ellens, secretário executivo da Christian Association for Psychological Studies, que conhecemos ao nos visitar na década de 19803. Na verdade, não se trata de uma nova disciplina científica, mas sim de uma maneira de pensar e de entender o fenômeno humano. Ele se nos apresenta bem adequado, articulando os conhecimentos das duas áreas que nos desafiam.
Assim, buscamos repensar a Psicologia sob a luz das contribuições da fé cristã. Ao mesmo tempo, procuramos repensar a teologia e a experiência cristã numa perspectiva do conhecimento psicológico. Isso oferece oportunidades únicas, sobretudo quando buscamos esclarecer a antropologia que subjaz aos nossos conceitos; e também na construção da ética que baliza as nossas práticas.
Teologia da graça
Ela é a mensagem central da revelação de Deus através da Bíblia. Sua culminância está na pessoa de Jesus Cristo, que é a própria encarnação da atitude graciosa do Pai para conosco. Mais do que uma disposição afetiva de Deus, ela se expressa em iniciativas concretas que nos garantem o Seu perdão e a Sua misericórdia.
Graça, favor que nos vem incondicionalmente, muito além de qualquer merecimento. Novidade maior, algo surpreendente, que só o Evangelho nos proporciona. Que rompe com o registro universal da culpa e consequente busca de purgação e expectativa de punição. Que nos aponta para a possibilidade de superação da justiça retributiva, a qual estamos tão afeitos.
O que descobrimos na Bíblia é que Deus não nos abandona a própria sorte, mesmo quando deliberadamente nos afastamos dEle. A condição humana, marcada pela universalidade do pecado, apresenta-se como oportunidade para que Ele aja graciosamente. O ônus da culpa é assumido pelo próprio Deus e expurgado definitivamente através do sacrifício de Jesus Cristo na cruz. Cabe a nós, então, apropriarmo-nos do perdão amplo e irrestrito que daí nos advém4.
Tal entendimento é tão surpreendente que precisa ser sempre lembrado. Ele difere de tudo que somos capazes de produzir, mesmo com o melhor da capacidade humana. Por isso mesmo, voltamos sempre atrás e recaímos neuroticamente no fulcro da culpa e condenação.
Tem sido assim conosco. Podemos dizer que a história do CPPC é marcada pela redescoberta da teologia da graça. A leitura constante dos textos bíblicos é nossa principal fonte de inspiração. Além disso, alguns autores nos servem de referência, entre os quais o Dr. Paul Tournier5.
Tem sido assim conosco. Podemos dizer que a história do CPPC é marcada pela redescoberta da teologia da graça. A leitura constante dos textos bíblicos é nossa principal fonte de inspiração. Além disso, alguns autores nos servem de referência, entre os quais o Dr. Paul Tournier5.
Logo percebemos que não é toda expressão religiosa que propicia saúde, mesmo entre aquelas de inspiração cristã. Muitas nem mesmo autorizam a intervenção terapêutica humana, menosprezando o mandato de Deus para que façamos ciência, desenvolvamos recursos e atuemos junto as pessoas e comunidades, em Seu nome. De tal forma que o entendimento do conceito bíblico da graça de Deus logo mostrou-se radical e de suma importância para a atuação dos profissionais cristãos. Mais recentemente, as próprias pesquisas empíricas no campo da religiosidade e espiritualidade tem confirmado a adequação da direção que tomamos6.
Valorização da família
Valorizamos a família como instituição basilar para o desenvolvimento das habilidades físicas, psicológicas, sociais e espirituais do ser humano. Ela se mostra indispensável para a sustentação da vida e promoção da integridade pessoal e coletiva.
Valorização da família
Valorizamos a família como instituição basilar para o desenvolvimento das habilidades físicas, psicológicas, sociais e espirituais do ser humano. Ela se mostra indispensável para a sustentação da vida e promoção da integridade pessoal e coletiva.
Tal entendimento nos vem do campo científico, onde encontramos vasta bibliografia, não só no campo da psicologia, mas também da antropologia, da sociologia, da pedagogia, do direito, da ética e de outras ciências. O acúmulo de dados aponta para a importância insubstituível do núcleo familiar na formação da personalidade individual, bem como da consolidação das sociedades humanas.
Como cristãos, ainda mais valorizamos a família, por entendermos que ela faz parte dos propósitos de Deus. Desde o Gênesis, encontramos o Criador em diálogo com o casal humano, tratando-o em igualdade, estimulando a vida em intimidade e propondo-lhe uma missão. A partir daí, todo o relato bíblico aponta a família como parte central na aliança que Deus estabelece conosco.
Não desconhecemos que várias correntes psicológicas contribuíram para um questionamento em princípio saudável da instituição familiar. Novos arranjos e experiências inovadoras mostraram-se necessários e trazem benéficos. Não há por que cristalizar padrões culturais específicos. Mas entendemos que tais inovações não devem comprometer a natureza e a missão central que a família expressa na sociedade.
Assim entendendo, temas pertinentes têm ocupado constantemente nossa reflexão: relacionamentos, afetividade, sexualidade, drogadição, violência e outros. Uma boa produção bibliográfica tem surgido entre nós, deixando contribuição significativa7, 8, 9, 10.
Igreja, comunidade terapêutica
Reconhecemos a igreja cristã como instituição de inspiração divina, que dá seguimento ao ministério terreno de Jesus Cristo. Ela pretende ser anúncio da mensagem libertadora do Evangelho, enquanto sinaliza a nova ordem pretendida por Deus e que será completa no Reino de Seu Filho. Assim, tem sempre diante de si o desafio de ser espaço inigualável de acolhimento, oferecendo recursos para restauração e cura das feridas da alma, com mensagem e práticas capazes de doar sentido e apontar a eternidade.
Ela foi construída pelas mãos dos apóstolos e primeiros discípulos, e tem sido conduzida pelo Espírito Santo a cumprir sua missão. Necessita, portanto, receber a contribuição de todos numa experiência de mutualidade e cooperação. Temos como tarefa trabalhar para que sejam comunidades saudáveis e de impacto terapêutico em todo o meio social.
Tal ideal, por certo, nem sempre se concretiza. As comunidades cristãs sofrem das imperfeições inerentes a atual condição humana e repercutem muitos dos males organizacionais que afetam os agrupamentos sociais. Por isso mesmo, muito podem beneficiar-se com a contribuição de profissionais cristãos capacitados e comprometidos com seus objetivos.
Claro está que não nos atemos a esta ou aquela denominação cristã. Entendemos igreja como organismo vivo, corpo de Cristo, povo de Deus, composto por todos aqueles que professam a fé em Jesus Cristo, tendo-o como Senhor e Salvador, mesmo distantes geográfica e culturalmente. Queremos expressar em nosso meio tal diversidade, com respeito e compreensão mútuos, aprendendo uns com os outros numa disposição amorosa.
De todo modo, enfatizamos o envolvimento de cada estudante e profissional em comunidades locais. É no contato direto com a complexidade dos agrupamentos humanos que somos desafiados e crescemos na fé, podendo oferecer nossos dons e conhecimentos para o serviço ao outro.
Muitos de nós tem trazido contribuições preciosas para o desenvolvimento da igreja cristã. Coube ao psicólogo argentino Daniel Schipani oferecer o mote que nos norteia e desafia: Igreja, comunidade terapêutica11. Buscando a concretização de tal proposta, temos investido no preparo de líderes, atuando em parceria com seminários e instituições de formação. A assistência a pastores, missionários e suas famílias tem merecido atenção.
Não nos passam despercebidos os equívocos e extravagâncias cometidos em nome de Deus. Entendemos que apontar tais falhas e admitir suas conseqüências nefastas também contribuem para a promoção da saúde e para iniciativas terapêuticas dentro das instituições humanas12.
Conclusão
São inúmeras as possibilidades de intervenção pessoal e grupal para os profissionais cristãos, tendo sempre em vista o testemunho cristão, a promoção humana e o desenvolvimento social.
O CPPC tem se empenhado em oferecer um espaço de interlocução, troca de experiências, desafiando-nos mutuamente a uma ação consciente e transformadora. Que toda mudança comece sempre por nós mesmos e atinja nossas famílias, nossas igrejas, nossas organizações profissionais, sociais e políticas. Que toda a sociedade brasileira seja impactada pela mensagem de Jesus Cristo e desafiada a um compromisso com Ele.
- Ageu Heringer Lisboa, psicólogo, mestre em Ciências da Religião, membro fundador e ex-presidente do CPPC.
- Uriel Heckert , psiquiatra, doutor em Psiquiatria, membro fundador e ex-presidente do CPPC.
Apresentado como Curso Pré-Congresso do CPPC.
Publicado na revista Psicoteologia, 21(44), 1º sem/2009.
Bibliografia
1. BREPOHL D, GRELLERT M (Org.). A Missão da Igreja no mundo de hoje. São Paulo/Belo Horizonte: ABU Ed./Visão Mundial, 1982.
2. STEUERNAGEL V (Org.). Caminhando contra o vento: a comunidade peregrina em missão. São Paulo: ABU Ed., 1978.
3. ELLENS JH. Psicoteologia: aspectos básicos. São Leopoldo: Ed. Sinodal, 1986.
4. __________ Graça de Deus e saúde humana. São Leopoldo: Ed. Sinodal, 1982.
5. TOURNIER P. Culpa e graça: uma análise do sentimento de culpa e o ensino do Evangelho. São Paulo: ABU Ed., 1985.
6. LARSON DB, PATTISON EM, BRAZER DG, OMRAN AR, KAPLAN BH. Systematic analysis of research on religious variables in four major psychiatric journals, 1978-1982. American Journal of Psychiatry, 1986; 143 (3): 329-334.
7. MALDONADO JE (Org.). Fundamentos bíblico-teológicos do casamento e da família. Viçosa, MG: Ed. Ultimato, 1996.
8. LISBOA AH. Sexo: desnudamento e mistério. Viçosa, MG: Ed. Ultimato, 2001.
9. CARVALHO, ER. Quando o vínculo se rompe. Viçosa, MG: Ed. Ultimato, 2000.
10. GRYBOWSKI, CT. Como livrar-se de um mau casamento. Viçosa, MG: Ed. Ultimato, _____.
11. SCHIPANI, DS. Pueblo de Dios, comunidad sanadora. III Consulta Internacional da Fraternidade Teológica Latino-Americana. Itaici, SP, 26/02 a 05/05/1977 (apost.).
12. KEPLER K. Neuroses eclesiásticas e o Evangelho para crentes. São Paulo: Arte Ed., 2009.
13. Hernández, Carlos José. La reflexión Filosófica-Teológica y el ejercício clínico como actividades complementrarias en la práctica psiquiátrica. Misiones: Editorial Universitária de Misiones, Argentina, 2008.
14. León, Jorge. Psicologia pastoral para todos os cristãos. León, Jorge. Psicologia Pastoral Para Todos Los Cristianos. Miami: Editorial Caribe, 1986.
15. Tournier, Paul. Técnica Psicoanalitica y fé religiosa. Buenos Aires, Editorial La Aurora, 1969.
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