Opinião
- 06 de novembro de 2013
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Corrupção, protestos e o espaço público
Jovens das igrejas protestantes ecumênicas estiveram na organização das marchas que tomaram as metrópoles brasileiras no meio do ano, e levaram mais de um milhão de brasileiros às ruas e avenidas para protestar contra o Estado irresponsável, a corrupção política, o abuso do sistema econômico parasitário e atrelado às políticas governamentais. A sociedade autoritária reprovou-os.
Conheço alguns dos jovens que estiveram nas manifestações de junho de 2013. E as vielas, ruas, avenidas da cidade, reclamam os seus direitos, hoje, da mesma maneira. O que é chocante, impactante, nas manifestações pacíficas no meio do ano (2013), por direitos políticos e cidadania crítica, também ocupando assembleias legislativas estaduais e municipais? O enfoque invertido sobre os reais problemas das urbes e do país, que políticos escamoteiam, enquanto se perpetuam nos cargos públicos, motivam os manifestantes. A geração que imita as oligarquias tradicionais, autoritárias, mereceu a rejeição da juventude, dos maduros e dos velhos. E ela trouxe às ruas e avenidas o protesto, à revelia do Estado -- sem pedir licença à religião -, porque os espaços públicos são privatizados sistematicamente, câmaras vigiam quem busca o direito, a liberdade e a justiça.
São espaços em direção e funções de interesses políticos, comerciais e de consumo, neste momento. Até o lazer é privatizado. Descobriram os jovens, porém, que esse espaço deve ser público, gratuito, coletivo e democrático. Foi nele que ocorreu o “plebiscito espontâneo” da sociedade oprimida por políticas públicas que se entregaram à ganância e ao consumismo irresponsável. Homens e mulheres deram o aviso. Querem gozar do espaço público livremente, viver, divertir-se, amar e sonhar sem ter que pagar aos que tomaram e privatizaram seu lugar natural.
Muitos dos manifestantes apontam superficialmente, de modo abstrato, a culpa dos governantes, sem atinar para as raízes e as causas dos desvios democráticos, como a generalização da pobreza sem assistência habitacional, escolar, hospitalar; transporte público a custos desproporcionais aos ganhos dos trabalhadores, enquanto o Estado camufla sua incompetência para gerenciar empresas a serviço da ganância, inclusive instituições financeiras e seus lucros exorbitantes, porquanto escorcham a população. Acreditariam os manifestantes na responsabilidade implícita do seu voto nesses governantes?
Acreditariam que, ao votar, inclusive, deve-se exigir uma atuação parlamentar pela erradicação da pobreza extrema, da fome e das epidemias cíclicas; exigir educação completa da alfabetização à universidade; exigir cuidados com o meio ambiente degradado? A maioria da população capixaba, como exemplo, não sabe para que serve a Assembleia Legislativa. Pesquisa do Instituto Futura apontou que 54,2% dos eleitores desconhecem a utilidade da instituição, fundada em 1835, e também chamada, curiosamente, de Casa do Povo.
Mesmo sem conhecer as funções da instituição, 51,2% disseram que ela não as cumpre; apenas 7% dos pesquisados sabem para o que servem os legislativos1. Mas poderiam ser conscientes de que toda a população de Marrocos equivale à população brasileira submersa na miséria; que 600 municípios brasileiros, nos 13 bolsões permanentes de pobreza extrema, são necessitados de água potável, esgotos, escola em mínima qualidade, saúde pública, e que é por meio do voto que se pode corrigir tudo isso. E demonstrar consciência da abrangência dos direitos cidadãos da população total ou da coletividade.
É nesse espaço, também, que se expõem as raízes e as causas dos desvios do poder público desfocado, ignorante de suas funções cidadãs: a generalização da pobreza sem assistência habitacional, escolar, hospitalar; transporte a custos desproporcionais, enquanto o Estado camufla sua incompetência para gerenciar e controlar empresas privadas que o servem, devorando ou desumanizando o cotidiano das pessoas comuns. Inclusive instituições financeiras, bancos e seus lucros exorbitantes, independentes e livres de controle, porquanto escorcham a população com ajuda governamental.
Lembro-me da fábula do imperador chinês. Ele era impossibilitado de dormir no palácio construído sobre um rochedo porque o mar, quebrando-se em vagalhões ruidosos contra o penhasco, incomodava o governante e seus hóspedes. S.M. decide então baixar um decreto proibindo as ondas de baterem contra as pedras. É isso que a sociedade autoritária, amante do fascismo histórico, pretende dos governantes nesses dias de manifestação coletiva?
A sociedade civil é o mundo tomado por males reais, coletivos, tão concretos quanto os de ordem econômico-social, expostos no cotidiano da violência urbana, camuflados no falso repúdio e vergonha do grupo autoritário insensível à essência imunda e maligna da miséria, mas que reclama por sua tranquilidade, porque não quer ser incomodado em seu conforto.
Como sociedade -- o país ocupa um lugar mundial entre as nações onde a corrupção faz parte do cotidiano cidadão desde o camelô, o guarda de trânsito, ao chefe do legislativo --, o Brasil está na 69ª posição entre os países mais corruptos, crescendo assim no ranking mundial.
Na América Latina, os brasileiros ficam atrás apenas dos chilenos e uruguaios - estes no 20º lugar, segundo a Transparência Internacional. Deve-se protestar, exigindo dos governantes o combate abstrato da corrupção? "Corruptio optimi pessima est". A expressão latina consegue sintetizar uma grande verdade: “a corrupção dos melhores é a pior que existe”. Eles existem, mas devem ser cobrados, do contrário irão mais cedo ou mais tarde para a vala tradicional onde transitam com desenvoltura juízes, empresários e políticos inimputáveis (do ponto de vista do senso comum).2
Notas:
1. A Gazeta, 04/11/2013.
2. Este artigo foi retirado e editado pelo autor a partir do texto de apresentação do livro "Pedagogia da Ganância".
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Corrupção – do Éden ao jeitinho brasileiro
Vendo as cidades do os olhos de Deus
Cristianismo e política – teoria bíblica e prática histórica (Robinson Cavalcanti)
Conheço alguns dos jovens que estiveram nas manifestações de junho de 2013. E as vielas, ruas, avenidas da cidade, reclamam os seus direitos, hoje, da mesma maneira. O que é chocante, impactante, nas manifestações pacíficas no meio do ano (2013), por direitos políticos e cidadania crítica, também ocupando assembleias legislativas estaduais e municipais? O enfoque invertido sobre os reais problemas das urbes e do país, que políticos escamoteiam, enquanto se perpetuam nos cargos públicos, motivam os manifestantes. A geração que imita as oligarquias tradicionais, autoritárias, mereceu a rejeição da juventude, dos maduros e dos velhos. E ela trouxe às ruas e avenidas o protesto, à revelia do Estado -- sem pedir licença à religião -, porque os espaços públicos são privatizados sistematicamente, câmaras vigiam quem busca o direito, a liberdade e a justiça.
São espaços em direção e funções de interesses políticos, comerciais e de consumo, neste momento. Até o lazer é privatizado. Descobriram os jovens, porém, que esse espaço deve ser público, gratuito, coletivo e democrático. Foi nele que ocorreu o “plebiscito espontâneo” da sociedade oprimida por políticas públicas que se entregaram à ganância e ao consumismo irresponsável. Homens e mulheres deram o aviso. Querem gozar do espaço público livremente, viver, divertir-se, amar e sonhar sem ter que pagar aos que tomaram e privatizaram seu lugar natural.
Muitos dos manifestantes apontam superficialmente, de modo abstrato, a culpa dos governantes, sem atinar para as raízes e as causas dos desvios democráticos, como a generalização da pobreza sem assistência habitacional, escolar, hospitalar; transporte público a custos desproporcionais aos ganhos dos trabalhadores, enquanto o Estado camufla sua incompetência para gerenciar empresas a serviço da ganância, inclusive instituições financeiras e seus lucros exorbitantes, porquanto escorcham a população. Acreditariam os manifestantes na responsabilidade implícita do seu voto nesses governantes?
Acreditariam que, ao votar, inclusive, deve-se exigir uma atuação parlamentar pela erradicação da pobreza extrema, da fome e das epidemias cíclicas; exigir educação completa da alfabetização à universidade; exigir cuidados com o meio ambiente degradado? A maioria da população capixaba, como exemplo, não sabe para que serve a Assembleia Legislativa. Pesquisa do Instituto Futura apontou que 54,2% dos eleitores desconhecem a utilidade da instituição, fundada em 1835, e também chamada, curiosamente, de Casa do Povo.
Mesmo sem conhecer as funções da instituição, 51,2% disseram que ela não as cumpre; apenas 7% dos pesquisados sabem para o que servem os legislativos1. Mas poderiam ser conscientes de que toda a população de Marrocos equivale à população brasileira submersa na miséria; que 600 municípios brasileiros, nos 13 bolsões permanentes de pobreza extrema, são necessitados de água potável, esgotos, escola em mínima qualidade, saúde pública, e que é por meio do voto que se pode corrigir tudo isso. E demonstrar consciência da abrangência dos direitos cidadãos da população total ou da coletividade.
É nesse espaço, também, que se expõem as raízes e as causas dos desvios do poder público desfocado, ignorante de suas funções cidadãs: a generalização da pobreza sem assistência habitacional, escolar, hospitalar; transporte a custos desproporcionais, enquanto o Estado camufla sua incompetência para gerenciar e controlar empresas privadas que o servem, devorando ou desumanizando o cotidiano das pessoas comuns. Inclusive instituições financeiras, bancos e seus lucros exorbitantes, independentes e livres de controle, porquanto escorcham a população com ajuda governamental.
Lembro-me da fábula do imperador chinês. Ele era impossibilitado de dormir no palácio construído sobre um rochedo porque o mar, quebrando-se em vagalhões ruidosos contra o penhasco, incomodava o governante e seus hóspedes. S.M. decide então baixar um decreto proibindo as ondas de baterem contra as pedras. É isso que a sociedade autoritária, amante do fascismo histórico, pretende dos governantes nesses dias de manifestação coletiva?
A sociedade civil é o mundo tomado por males reais, coletivos, tão concretos quanto os de ordem econômico-social, expostos no cotidiano da violência urbana, camuflados no falso repúdio e vergonha do grupo autoritário insensível à essência imunda e maligna da miséria, mas que reclama por sua tranquilidade, porque não quer ser incomodado em seu conforto.
Como sociedade -- o país ocupa um lugar mundial entre as nações onde a corrupção faz parte do cotidiano cidadão desde o camelô, o guarda de trânsito, ao chefe do legislativo --, o Brasil está na 69ª posição entre os países mais corruptos, crescendo assim no ranking mundial.
Na América Latina, os brasileiros ficam atrás apenas dos chilenos e uruguaios - estes no 20º lugar, segundo a Transparência Internacional. Deve-se protestar, exigindo dos governantes o combate abstrato da corrupção? "Corruptio optimi pessima est". A expressão latina consegue sintetizar uma grande verdade: “a corrupção dos melhores é a pior que existe”. Eles existem, mas devem ser cobrados, do contrário irão mais cedo ou mais tarde para a vala tradicional onde transitam com desenvoltura juízes, empresários e políticos inimputáveis (do ponto de vista do senso comum).2
Notas:
1. A Gazeta, 04/11/2013.
2. Este artigo foi retirado e editado pelo autor a partir do texto de apresentação do livro "Pedagogia da Ganância".
Leia mais
Corrupção – do Éden ao jeitinho brasileiro
Vendo as cidades do os olhos de Deus
Cristianismo e política – teoria bíblica e prática histórica (Robinson Cavalcanti)
É pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e autor de livros como “Pedagogia da Ganância" (2013) e "O Dragão que Habita em Nós” (2010).
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