Opinião
- 24 de maio de 2013
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Corrupção: aspectos sociais, bíblicos e teológicos
No Brasil, até um tempo atrás, corrupção era vista como coisa normal; não havia tanta tensão sobre o assunto. Alguns aceitavam, de forma pragmática, o suborno sendo visto como um pouco mais do que “um jeito diferente de fazer negócios”. Outros apenas faziam “vista grossa”.
Existe, é verdade, essa cultura do “jeitinho”, da malandragem como parte da maneira de ser brasileiro, quase que uma exaltação dessa habilidade da nossa gente de encontrar formas “criativas” para resolver problemas. A corrupção, como ela se manifesta em nosso país, entra também por meio dessa validação cultural e quase que institucionaliza a sua prática.
Com o desenvolvimento econômico do país, a indignação contra a corrupção, de alguma forma, se dilui. Alexandro Salas, diretor para as Américas da Transparência Internacional, diz o seguinte:
"Quando um país começa a ter uma economia mais sólida, é mais fácil ver um cidadão comum perdoando atos corruptos, porque ele não faz um vínculo direto de como a corrupção o afeta. Se agora ele tem um bom trabalho, um carro e se o ministro rouba, ele fica irritado, claro, mas acha que isso não o atinge diretamente."
No ranking de Percepção da Corrupção da ONG em 2012, o Brasil ocupou a 69ª posição, entre 176 países. Já no que lista o grau de proprinas pagas, o país ficou no 14º lugar - foram 28 países analisados.
O Promotor de Justiça, Jairo da Cruz Moreira, aponta os dez atos de corrupção mais presente no dia-a-dia do cidadão comum:
- Não dar nota fiscal;
- Não declarar Imposto de Renda;
- Tentar subornar o guarda para evitar multas;
- Falsificar carteirinha de estudante;
- Dar/aceitar troco errado;
- Roubar assinatura de TV a cabo;
- Furar fila;
- Comprar produtos falsificados;
- No trabalho, bater ponto pelo colega;
- Falsificar assinaturas.
"Aceitar essas pequenas corrupções legitima aceitar grandes corrupções", afirma o promotor. "Seguindo esse raciocínio, seria algo como um menino que hoje não vê problema em colar na prova ser mais propenso a, mais para frente, subornar um guarda sem achar que isso é corrupção."
Em seu livro “Dando um Jeito no Jeitinho”, Lourenço Stelio Rega apresenta o que ele chama de ciclo vicioso da corrupção que se inicia no descaso das autoridades que leva o povo a sentir-se no direito de transgredir a norma e, por conseguinte, dar um “jeito”, pagando suborno para não ser punido. O pagamento de suborno a uma autoridade pública reestimula a corrupção, gerando impunidade e fechando, assim, o círculo.
O antropólogo Roberto DaMatta defende que essa prática sistêmica é uma forte razão pela qual o brasileiro é complacente com a corrupção na política, por exemplo. Nas palavras dele, “uma sociedade de rabo preso não pode ser uma sociedade de protesto”.
O ex-secretário geral das Nações Unidas (ONU), Kofi Annan, certa vez disse:
“A corrupção é uma praga insidiosa que tem um largo espectro de efeitos corrosivos nas sociedades. Ela sabota a democracia e o texto da lei, leva a violações dos direitos humanos, distorce os mercados, corrói a qualidade de vida e facilita o crime organizado, terrorismo e outras ameaças ao florescimento da segurança da humanidade. A corrupção fere o pobre desproporcionalmente através dos desvios de fundos que deveriam ir para o desenvolvimento, compromete a habilidade do governo em prover serviços básicos, alimenta a desigualdade e a injustiça, além de desencorajar a ajuda e o investimento externo. Corrupção é o elemento chave no mau desempenho das economias e o principal obstáculo ao desenvolvimento e ao combate à pobreza”.
Chico Buarque homenageia o malandro às avessas, aquele que tem família, que trabalha, que deixou a criminalidade. Penso que essa poesia retrata bem a mudança na maneira de enxergar a questão da corrupção no contexto brasileiro, apontando que há algo problemático com essa “ética do jeitinho”.
Homenagem ao Malandro (Chico Buarque)
“Eu fui fazer um samba em homenagem
à nata da malandragem, que conheço de outros carnavais.
Eu fui à Lapa e perdi a viagem,
que aquela tal malandragem não existe mais.
Agora já não é normal, o que dá de malandro
regular profissional, malandro com o aparato de malandro oficial,
malandro candidato a malandro federal,
malandro com retrato na coluna social;
malandro com contrato, com gravata e capital, que nunca se dá mal.
Mas o malandro para valer, não espalha,
aposentou a navalha, tem mulher e filho e tralha e tal.
Dizem as más línguas que ele até trabalha,
Mora lá longe chacoalha, no trem da central”.
De que corrupção nós estamos falando?
A Bíblia trata do tema da corrupção da raça humana e do plano redentor de Deus, do Gênesis ao Apocalipse; a corrupção “lato sensu” (o pecado, de uma forma geral), que se desdobra em corrupções “strito sensu” (manifestações específicas da rebelião humana). Nosso foco é na corrupção como ferramenta de opressão econômica, afronta ao pobre; a negação do acesso do outro aos direitos básicos pela malversação de dinheiro público, pagamentos de propinas, superfaturamentos, etc…
Bryan R. Evans, da ONG Tearfund, em sua livro “O custo da corrupção”, circunscreve o entendimento de corrupção à fraude, apropriação indébita e suborno que podem ocorrer através do abuso de poder, formação de cartel ou negócios escusos/nebulosos. Além disso, ele categoriza a corrupção em três tipos: a incidental, a sistemática e a sistêmica. O fato é que “corrupção” andará sempre de mãos dadas com a pobreza e, por esse motivo, ela é uma questão de ordem moral e de direitos humanos.
Vejamos alguns efeitos práticos da corrupção: o alto custo do acesso aos serviços de saúde e educação; padrões de saúde e segurança públicas precárias, riscos ambientais, violação dos direitos humanos, precariedade do acesso à justiça. Além das mulheres e das crianças, os portadores de deficiência, pessoas com vírus HIV, idosos e os refugiados estão entre os que mais sofrem as consequências da corrupção.
O que a Bíblia tem a dizer sobre o assunto?
Ao refletirmos nas Escrituras, o que se espera que seja a práxis da igreja de Cristo? “E criou Deus o homem à Sua imagem: à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou” (Gn 1.27). “E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom; e foi a tarde e a manhã, o dia sexto” (Gn 1.31).
A desobediência da criatura humana abre as portas para toda a cultura de violência e morte que vai descaracterizar a imagem de Deus no homem. “A terra, porém, estava corrompida diante de Deus, e cheia de violência. Viu Deus a terra, e eis que estava corrompida; porque toda a carne havia corrompido o seu caminho sobre a terra” (Gn 6.11-12).
A corrupção, como a conhecemos, é talvez a violência em sua forma mais cruel. Não é possível dissociarmos a ideia de corrupção daquilo que entendemos como violência contra a dignidade humana, seja pela promoção da precarização dos serviços públicos, pela facilitação do crime ou pelo incentivo ao aumento da miséria.
A corrupção aflige a terra desde a Queda. Não é surpresa, portanto, que muitos a vejam como algo normal, inevitável; um mal necessário na condução dos negócios e a forma como o rico e o poderoso levam sempre vantagem sobre o pobre e o fraco. Porém as Escrituras deixam claro que a corrupção é uma injustiça e, mais do que isso, elas requerem um posicionamento contra a corrupção.
O relato de corrupção, propina ou suborno mais conhecido da história está na Bíblia. Foram as 30 moedas de prata dadas pelos sacerdotes judeus a Judas Iscariotes para que ele os levassem até o Jardim do Getsemani, onde Jesus e os discípulos passavam a noite. Lá Judas mostrou a eles através do beijo da traição quem era Jesus. Judas era ganancioso e o dinheiro significava para ele, muito mais do que lealdade ou amor. Ele foi motivado por ganância e ganho pessoal. Quando ele se deu conta do mal feito e das consequências da sua traição, jogou as moedas no pátio do templo e cometeu suicídio (Mt 26 e 27; Mc 14; Lc 22).
Corrupção em forma de propina ou suborno é condenada ao longo de toda a Escritura Sagrada. Samuel foi o primeiro dos profetas do Antigo Testamento e um grande líder em Israel. Porém, mais tarde em sua vida, em sua casa, ele acusou os seus filhos de não andarem em seus caminhos. Foram avarentos, aceitaram subornos, torceram a lei (1 Sm 8.3). A distorção da justiça é uma das piores consequências do suborno porque permite que o rico explore o pobre. Na despedida que Samuel fez junto ao seu povo na coroação do rei Saul, ele perguntou: “…diga-me de quem recebi suborno e com ele encobri meus olhos, e eu vo-lo restituirei?” (1 Sm 12.3). Ele teve uma vida exemplar e a multidão não hesitou em responder: “em nada nos defraudaste, nem nos oprimiste, nem recebeste coisa alguma da mão de ninguém” (1 Sm 12.4).
Davi, rei de Israel, fez uma pergunta retórica no Salmo 24: “Quem subirá ao monte do Senhor ou quem estará no seu lugar santo? Aquele que é limpo de mãos e puro de coração. Que não entrega a sua alma à vaidade e nem jura enganosamente." No Salmo 26, porém, ele apresenta o homem que tem a mão direita cheia de subornos em contraste com o outro homem do Salmo 15.5 que “não empresta o seu dinheiro visando lucro e nem aceita suborno contra o inocente”.
O profeta Isaías elogia “…aquele cuja mão não aceita suborno.” (Is 33.15). E o profeta Amós denuncia “vocês oprimem o justo, recebem suborno e impedem que se faça justiça ao pobre nos tribunais” (Amós 5.12).
Escrevendo sobre a Bíblia e a corrupção, Hermes C. Fernandes apresenta textos bíblicos categorizados em modos distintos de fraude financeira nas esferas pública e privada, mostrando a corrupção como algo inaceitável diante de Deus:
- Advertência contra a corrupção no funcionalismo público: Lc 3.12-13.
- Advertência contra a corrupção policial: Lc 3.14.
- Advertência contra a corrupção no Poder Judiciário: Dt 16.19-20; Ex 23.8; Pv 17.23; Is 5.22,23; Sl 82.2-5a; Lv 19.15.
- Independência entre os poderes: Mq 7.2-3.
- Advertência contra a corrupção no Poder Executivo: Is 1.23; Pv 29.4; Pv 16.12.
- Advertência acerca dos assessores corruptos: Pv 25.5.
- Advertência contra a corrupção no Poder Legislativo: Is 10.1-4
- Advertência contra a corrupção e a ganância no meio empresarial: Ez 22.12-13a; Pv 16.8; Pv 22.16.
- Advertência contra juros absurdos praticados pelo Sistema Financeiro: Pv 28.8; Ez 18.5,7-9; Ex 22.25; Sl 112.4-5,9.
- Advertência acerca dos Direitos trabalhistas: Jó 31.13-14; Ml 3.5; Cl 4.1; Lv 19.13.
- Advertência contra lucros desonestos: Os 12.7; Dt 25.13-16; Pv 11.1; Pv 16.11; Mq 6.11; Lv 19.35-36.
No primeiro século depois de Cristo, o apóstolo Paulo se recusou a pagar suborno ao governador romano Félix. O governador admitiu que Paulo não havia feito nada de errado, mas ainda assim o manteve na prisão porque “esperava que Paulo oferecesse a ele algum dinheiro” (At 24.26). Esse tempo na prisão poderia ser gasto em visitas e encorajamento às igrejas que Paulo havia fundado, ou (quem sabe) fazendo a tão sonhada viagem missionária à Espanha. Nenhuma “justificativa” para o suborno poderia ser maior do que essa que o apóstolo teve, mas ele se recusou a aceitá-lo. Essas passagens nos mostram que, tanto no Antigo como no Novo Testamentos, o suborno é entendido como um pecado contra Deus. Uma perversão da justiça que permite com que o rico explore o pobre - e dentre os pobres, mulheres e crianças são os que mais sofrem. Abusos de poder que só satisfazem a ganância.
A corrupção não é apenas moralmente errada. Ela mina o desenvolvimento econômico, distorce a lisura na tomada de decisões e destrói a coesão social.
A corrupção mata! A corrupção é desonra a Deus e, por isso, é a antítese do amor ao próximo.
No episódio de Caim e Abel, em Gênesis 4, vemos Caim buscando “comprar” o reconhecimento do Senhor; e para tanto, Caim decide tirar a vida do seu irmão. O Senhor Deus questiona a Caim sobre o paradeiro de seu irmão. Caim responde com uma pergunta que tenta justificar a sua independência arrogante: “Acaso sou eu o guardador do meu irmão?” (v 9). Somos, ou deveríamos ser, os guardadores do nosso próximo; promotores de conciliações, construtores de pontes e não agentes de violência e morte. Como vimos no texto de Gn 6 “… a terra estava corrompida aos olhos de Deus e cheia de violência”.
Sendo discípulo de Jesus contra a corrupção
Considerando que a corrupção, na perspectiva que está sendo descrita, é um dos maiores, senão o maior, ato de violência direta ou indireta do homem contra o seu semelhante e contra a criação, o que, então, um discípulo de Jesus pode fazer? Que contribuição a igreja pode dar na luta contra a corrupção? Considerando que toda lei de Deus converge em Cristo, atraindo-nos pelo amor e conclamando-nos ao amor a Deus e ao próximo (Mt 22.36-38), aquele que é a expressão perfeita da vontade do Pai para o homem, nos aponta o caminho a seguir:
1. Jesus nos apresenta o modelo da não-violência
Na noite em que foi preso, quando um soldado veio na direção de Jesus, o Mestre advertiu Pedro que já estava pronto para reagir: “Ponha a espada de volta…o que vive pela espada, morrerá por ela” (Mt 26.52). Diante de Pilatos, Jesus também faz uma declaração que sugere um caminho alternativo na relação com os poderes temporais: “Respondeu Jesus: O meu reino não é deste mundo; se o meu reino fosse deste mundo, pelejariam os meus servos, para que eu não fosse entregue aos judeus; mas agora o meu reino não é daqui” (Jo 18.36). Os valores do reino de Deus são distintos; subvertem a lógica dos reis. O poder dos discípulos de Jesus é poder para ser e para servir, e não para revidar com a mesma moeda. O modelo de combate do cristão não passa pela reprodução da violência, mas sim por um comprometimento com a paz e com o amor, por meio de ações de serviço.
2. Jesus apresenta a fonte da violência
“E, chamando outra vez a multidão, disse-lhes: Ouvi-me vós, todos, e compreendei. Nada há, fora do homem, que, entrando nele, o possa contaminar; mas o que sai dele isso é que contamina o homem. Porque do interior do coração dos homens saem os maus pensamentos, os adultérios, as prostituições, os homicídios, os furtos, a avareza, as maldades, o engano, a dissolução, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura. Todos estes males procedem de dentro e contaminam o homem” ( Mc 7.14-23).
Ainda que a violência em forma de corrupção possa ser manifestada através de sistemas, esquemas e estratagemas, sabemos que a fonte será sempre o coração corrupto do homem. E é muito bom entendermos isso porque nos ajuda a colocar as coisas em perspectiva e a compreendermos pelo menos duas coisas: 1) que, potencialmente, todos nós estamos sujeitos aos descaminhos e precisamos ser cuidadosos em como vivemos a vida; 2) que a corrupção é uma questão de decisão pessoal, e não o fruto de um sistema sem rosto. Cada escolha, uma responsabilidade.
3. Jesus nos encoraja a enfrentarmos a violência com bravura
Jesus ensinou que o mundo é um lugar perigoso de se viver. Mas ele desafiou seus seguidores a não terem medo. “Não temam aqueles que matam o corpo mas não podem matar a alma.” (Mt 10.28). Ele também disse: “Eu lhes disse essas coisas para que em mim vocês tenham paz. Neste mundo vocês terão aflições; contudo, tenham ânimo! Eu venci o mundo” (Jo 16.33). “Tenham ânimo!”. Numa das traduções desse texto para o inglês, encontramos a expressão “sejam bravos!”. Que tipo de bravura é essa que Jesus pede dos seus seguidores?
4. Jesus exige de nós uma resposta à violência
Penso que é no Sermão do Monte que vamos encontrar aquilo que Jesus deseja que seus discípulos façam em relação à corrupção, e a qualquer forma de violência. As palavras do Mestre tratam dos desafios da vida real. É quando ele diz: “Felizes os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus” (Mt 5.9). Fazer a paz dá trabalho, trabalho duro, trabalho frustrante, muitas vezes inconveniente. Felizes aqueles que gastam as suas vidas a serviço da reconciliação e da “shalom”.
Em seu livro “Discipulado”, o teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer disse:"Os seguidores de Jesus foram chamados para a paz. Quando ele os chamou, eles encontraram sua paz, porque ele é a sua paz… Mas a eles foi dito que deveriam não apenas ter paz, mas fazer a paz".
John Stott, em seu comentário do Sermão do Monte, diz: “Agora pacificação é uma obra divina. Por paz entenda-se reconciliação, e Deus é o autor de toda paz e reconciliação”.
Pacificadores, portanto, são construtores de pontes num mundo de relações corrompidas. Pacificadores agem em nome de Jesus, na base dos valores do reino de Deus, promovendo diálogos para a reconciliação. Pacificadores enfrentam a corrupção de forma pacífica, inteligente e criativa, tendo sempre a justiça do Reino como referência para a “shalom”. Pacificadores vão às ruas e clamam pela paz; articulam-se com outros grupos que tenham interesse comum para fazerem trabalho conjunto; promovem campanhas; mobilizam igrejas na ação contra o mal em forma de violência e corrupção. Pacificadores acompanham as decisões políticas e buscam incidência pública objetivando a implementação de mecanismos de controle social e transparência. Pacificadores dão voz aos sem-voz. Pacificadores buscam diálogos possíveis e quando não é possível, falam sozinhos. Pacificadores são o sal que preserva o mundo da corrupção do mal. Pacificadores são a luz que traz às claras aquilo que se esconde na escuridão. Pacificadores bem-aventurados; que têm fome e sede da justiça de Deus.
Corrupção é uma questão de caráter
Não se garante transformação de caráter através de controle social e transparência na administração pública. Por outro lado, não é possível haver administração pública eficiente sem o envolvimento de pessoas de caráter nos processos de acompanhamento da governança. Há, portanto, dois níveis de ação da igreja nesse terreno:
O primeiro é o de fazer um chamado à própria igreja a um posicionamento ético que identifique os frutos de justiça produzidos pela ação do Espírito Santo na vida daqueles que se dizem participantes da nova criação. Ou seja, precisamos admitir que a igreja pode ser parte do problema da nação. Uma instituição corrompida e corruptora não tem o que dizer em matéria de ética na governança pública. O outro nível de ação nos move na direção de uma maior incidência pública para a garantia do cumprimento das leis, ou a criação de novas leis, que contribuam para a construção de um ambiente social onde se garanta um mínimo de justiça e paz. Aqui cito Carlos Queiroz para argumentar em favor de um engajamento da igreja nas questões de justiça e paz no mundo dos homens:
“A justiça de Deus é bem maior que o conceito de justiça do ser humano. É baseada em valores como mansidão, sensibilidade, misericórdia e amor. Mas isso não quer dizer que a justiça de Deus é menor do que o mínimo exigido pela justiça humana, como o direito à habitação, alimentação, saúde, educação, lazer, liberdade de exercer a vocação humana.”
“Uma igreja socialmente responsável se utilizará dos instrumentos democráticos para que a sua espiritualidade em missão tenha incidência nas políticas públicas, nos direitos do cidadão e nos testemunhos de boas obras e prática da justiça.”
Deus quer vida; a corrupção destrói a vida.
Deus quer justiça; a corrupção oprime o pobre roubando-lhe os direitos.
Deus quer riqueza honesta; a corrupção cria obstáculos ao desempenho econômico.
Deus quer comunidade; a corrupção destrói a confiança e a segurança.
Deus quer dignidade; a corrupção destrói a dignidade e a credibilidade.
Deus quer paz; a corrupção fortalece a violência e os instrumentos de guerra.
A luta contra a corrupção, portanto, faz todo o sentido para aqueles que dizem conhecer o Deus incorruptível e almejam viver para servi-lo, refletindo na vida o seu caráter santo. A revelação de Deus na Sua Palavra nos confronta, nos transforma e nos move à missão. A missão se dá no solo real de um mundo corrompido e fraturado. A missão nos aponta o caminho em direção ao solitário, ao pobre e ao oprimido.
Sempre que a igreja busca se envolver na justa causa contra a corrupção estará respondendo a Deus de forma diferente de Caim: “Eu sei, sim, onde está o meu irmão, porque sou responsável por ele. Sua vida me diz respeito. Como posso servi-lo?”.
Nota: artigo publicado originalmente no site da Aliança Evangélica.
_______
Daniel de Almeida e Souza Júnior, pastor batista, é missionário da SEPAL e trabalha com o Núcleo de Ação Urbana, em Macaé (RJ). É assessor de Missões Urbanas da Aliança Cristã Evangélica Brasileira.
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Vitória sobre a corrupção
Existe, é verdade, essa cultura do “jeitinho”, da malandragem como parte da maneira de ser brasileiro, quase que uma exaltação dessa habilidade da nossa gente de encontrar formas “criativas” para resolver problemas. A corrupção, como ela se manifesta em nosso país, entra também por meio dessa validação cultural e quase que institucionaliza a sua prática.
Com o desenvolvimento econômico do país, a indignação contra a corrupção, de alguma forma, se dilui. Alexandro Salas, diretor para as Américas da Transparência Internacional, diz o seguinte:
"Quando um país começa a ter uma economia mais sólida, é mais fácil ver um cidadão comum perdoando atos corruptos, porque ele não faz um vínculo direto de como a corrupção o afeta. Se agora ele tem um bom trabalho, um carro e se o ministro rouba, ele fica irritado, claro, mas acha que isso não o atinge diretamente."
No ranking de Percepção da Corrupção da ONG em 2012, o Brasil ocupou a 69ª posição, entre 176 países. Já no que lista o grau de proprinas pagas, o país ficou no 14º lugar - foram 28 países analisados.
O Promotor de Justiça, Jairo da Cruz Moreira, aponta os dez atos de corrupção mais presente no dia-a-dia do cidadão comum:
- Não dar nota fiscal;
- Não declarar Imposto de Renda;
- Tentar subornar o guarda para evitar multas;
- Falsificar carteirinha de estudante;
- Dar/aceitar troco errado;
- Roubar assinatura de TV a cabo;
- Furar fila;
- Comprar produtos falsificados;
- No trabalho, bater ponto pelo colega;
- Falsificar assinaturas.
"Aceitar essas pequenas corrupções legitima aceitar grandes corrupções", afirma o promotor. "Seguindo esse raciocínio, seria algo como um menino que hoje não vê problema em colar na prova ser mais propenso a, mais para frente, subornar um guarda sem achar que isso é corrupção."
Em seu livro “Dando um Jeito no Jeitinho”, Lourenço Stelio Rega apresenta o que ele chama de ciclo vicioso da corrupção que se inicia no descaso das autoridades que leva o povo a sentir-se no direito de transgredir a norma e, por conseguinte, dar um “jeito”, pagando suborno para não ser punido. O pagamento de suborno a uma autoridade pública reestimula a corrupção, gerando impunidade e fechando, assim, o círculo.
O antropólogo Roberto DaMatta defende que essa prática sistêmica é uma forte razão pela qual o brasileiro é complacente com a corrupção na política, por exemplo. Nas palavras dele, “uma sociedade de rabo preso não pode ser uma sociedade de protesto”.
O ex-secretário geral das Nações Unidas (ONU), Kofi Annan, certa vez disse:
“A corrupção é uma praga insidiosa que tem um largo espectro de efeitos corrosivos nas sociedades. Ela sabota a democracia e o texto da lei, leva a violações dos direitos humanos, distorce os mercados, corrói a qualidade de vida e facilita o crime organizado, terrorismo e outras ameaças ao florescimento da segurança da humanidade. A corrupção fere o pobre desproporcionalmente através dos desvios de fundos que deveriam ir para o desenvolvimento, compromete a habilidade do governo em prover serviços básicos, alimenta a desigualdade e a injustiça, além de desencorajar a ajuda e o investimento externo. Corrupção é o elemento chave no mau desempenho das economias e o principal obstáculo ao desenvolvimento e ao combate à pobreza”.
Chico Buarque homenageia o malandro às avessas, aquele que tem família, que trabalha, que deixou a criminalidade. Penso que essa poesia retrata bem a mudança na maneira de enxergar a questão da corrupção no contexto brasileiro, apontando que há algo problemático com essa “ética do jeitinho”.
Homenagem ao Malandro (Chico Buarque)
“Eu fui fazer um samba em homenagem
à nata da malandragem, que conheço de outros carnavais.
Eu fui à Lapa e perdi a viagem,
que aquela tal malandragem não existe mais.
Agora já não é normal, o que dá de malandro
regular profissional, malandro com o aparato de malandro oficial,
malandro candidato a malandro federal,
malandro com retrato na coluna social;
malandro com contrato, com gravata e capital, que nunca se dá mal.
Mas o malandro para valer, não espalha,
aposentou a navalha, tem mulher e filho e tralha e tal.
Dizem as más línguas que ele até trabalha,
Mora lá longe chacoalha, no trem da central”.
De que corrupção nós estamos falando?
A Bíblia trata do tema da corrupção da raça humana e do plano redentor de Deus, do Gênesis ao Apocalipse; a corrupção “lato sensu” (o pecado, de uma forma geral), que se desdobra em corrupções “strito sensu” (manifestações específicas da rebelião humana). Nosso foco é na corrupção como ferramenta de opressão econômica, afronta ao pobre; a negação do acesso do outro aos direitos básicos pela malversação de dinheiro público, pagamentos de propinas, superfaturamentos, etc…
Bryan R. Evans, da ONG Tearfund, em sua livro “O custo da corrupção”, circunscreve o entendimento de corrupção à fraude, apropriação indébita e suborno que podem ocorrer através do abuso de poder, formação de cartel ou negócios escusos/nebulosos. Além disso, ele categoriza a corrupção em três tipos: a incidental, a sistemática e a sistêmica. O fato é que “corrupção” andará sempre de mãos dadas com a pobreza e, por esse motivo, ela é uma questão de ordem moral e de direitos humanos.
Vejamos alguns efeitos práticos da corrupção: o alto custo do acesso aos serviços de saúde e educação; padrões de saúde e segurança públicas precárias, riscos ambientais, violação dos direitos humanos, precariedade do acesso à justiça. Além das mulheres e das crianças, os portadores de deficiência, pessoas com vírus HIV, idosos e os refugiados estão entre os que mais sofrem as consequências da corrupção.
O que a Bíblia tem a dizer sobre o assunto?
Ao refletirmos nas Escrituras, o que se espera que seja a práxis da igreja de Cristo? “E criou Deus o homem à Sua imagem: à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou” (Gn 1.27). “E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom; e foi a tarde e a manhã, o dia sexto” (Gn 1.31).
A desobediência da criatura humana abre as portas para toda a cultura de violência e morte que vai descaracterizar a imagem de Deus no homem. “A terra, porém, estava corrompida diante de Deus, e cheia de violência. Viu Deus a terra, e eis que estava corrompida; porque toda a carne havia corrompido o seu caminho sobre a terra” (Gn 6.11-12).
A corrupção, como a conhecemos, é talvez a violência em sua forma mais cruel. Não é possível dissociarmos a ideia de corrupção daquilo que entendemos como violência contra a dignidade humana, seja pela promoção da precarização dos serviços públicos, pela facilitação do crime ou pelo incentivo ao aumento da miséria.
A corrupção aflige a terra desde a Queda. Não é surpresa, portanto, que muitos a vejam como algo normal, inevitável; um mal necessário na condução dos negócios e a forma como o rico e o poderoso levam sempre vantagem sobre o pobre e o fraco. Porém as Escrituras deixam claro que a corrupção é uma injustiça e, mais do que isso, elas requerem um posicionamento contra a corrupção.
O relato de corrupção, propina ou suborno mais conhecido da história está na Bíblia. Foram as 30 moedas de prata dadas pelos sacerdotes judeus a Judas Iscariotes para que ele os levassem até o Jardim do Getsemani, onde Jesus e os discípulos passavam a noite. Lá Judas mostrou a eles através do beijo da traição quem era Jesus. Judas era ganancioso e o dinheiro significava para ele, muito mais do que lealdade ou amor. Ele foi motivado por ganância e ganho pessoal. Quando ele se deu conta do mal feito e das consequências da sua traição, jogou as moedas no pátio do templo e cometeu suicídio (Mt 26 e 27; Mc 14; Lc 22).
Corrupção em forma de propina ou suborno é condenada ao longo de toda a Escritura Sagrada. Samuel foi o primeiro dos profetas do Antigo Testamento e um grande líder em Israel. Porém, mais tarde em sua vida, em sua casa, ele acusou os seus filhos de não andarem em seus caminhos. Foram avarentos, aceitaram subornos, torceram a lei (1 Sm 8.3). A distorção da justiça é uma das piores consequências do suborno porque permite que o rico explore o pobre. Na despedida que Samuel fez junto ao seu povo na coroação do rei Saul, ele perguntou: “…diga-me de quem recebi suborno e com ele encobri meus olhos, e eu vo-lo restituirei?” (1 Sm 12.3). Ele teve uma vida exemplar e a multidão não hesitou em responder: “em nada nos defraudaste, nem nos oprimiste, nem recebeste coisa alguma da mão de ninguém” (1 Sm 12.4).
Davi, rei de Israel, fez uma pergunta retórica no Salmo 24: “Quem subirá ao monte do Senhor ou quem estará no seu lugar santo? Aquele que é limpo de mãos e puro de coração. Que não entrega a sua alma à vaidade e nem jura enganosamente." No Salmo 26, porém, ele apresenta o homem que tem a mão direita cheia de subornos em contraste com o outro homem do Salmo 15.5 que “não empresta o seu dinheiro visando lucro e nem aceita suborno contra o inocente”.
O profeta Isaías elogia “…aquele cuja mão não aceita suborno.” (Is 33.15). E o profeta Amós denuncia “vocês oprimem o justo, recebem suborno e impedem que se faça justiça ao pobre nos tribunais” (Amós 5.12).
Escrevendo sobre a Bíblia e a corrupção, Hermes C. Fernandes apresenta textos bíblicos categorizados em modos distintos de fraude financeira nas esferas pública e privada, mostrando a corrupção como algo inaceitável diante de Deus:
- Advertência contra a corrupção no funcionalismo público: Lc 3.12-13.
- Advertência contra a corrupção policial: Lc 3.14.
- Advertência contra a corrupção no Poder Judiciário: Dt 16.19-20; Ex 23.8; Pv 17.23; Is 5.22,23; Sl 82.2-5a; Lv 19.15.
- Independência entre os poderes: Mq 7.2-3.
- Advertência contra a corrupção no Poder Executivo: Is 1.23; Pv 29.4; Pv 16.12.
- Advertência acerca dos assessores corruptos: Pv 25.5.
- Advertência contra a corrupção no Poder Legislativo: Is 10.1-4
- Advertência contra a corrupção e a ganância no meio empresarial: Ez 22.12-13a; Pv 16.8; Pv 22.16.
- Advertência contra juros absurdos praticados pelo Sistema Financeiro: Pv 28.8; Ez 18.5,7-9; Ex 22.25; Sl 112.4-5,9.
- Advertência acerca dos Direitos trabalhistas: Jó 31.13-14; Ml 3.5; Cl 4.1; Lv 19.13.
- Advertência contra lucros desonestos: Os 12.7; Dt 25.13-16; Pv 11.1; Pv 16.11; Mq 6.11; Lv 19.35-36.
No primeiro século depois de Cristo, o apóstolo Paulo se recusou a pagar suborno ao governador romano Félix. O governador admitiu que Paulo não havia feito nada de errado, mas ainda assim o manteve na prisão porque “esperava que Paulo oferecesse a ele algum dinheiro” (At 24.26). Esse tempo na prisão poderia ser gasto em visitas e encorajamento às igrejas que Paulo havia fundado, ou (quem sabe) fazendo a tão sonhada viagem missionária à Espanha. Nenhuma “justificativa” para o suborno poderia ser maior do que essa que o apóstolo teve, mas ele se recusou a aceitá-lo. Essas passagens nos mostram que, tanto no Antigo como no Novo Testamentos, o suborno é entendido como um pecado contra Deus. Uma perversão da justiça que permite com que o rico explore o pobre - e dentre os pobres, mulheres e crianças são os que mais sofrem. Abusos de poder que só satisfazem a ganância.
A corrupção não é apenas moralmente errada. Ela mina o desenvolvimento econômico, distorce a lisura na tomada de decisões e destrói a coesão social.
A corrupção mata! A corrupção é desonra a Deus e, por isso, é a antítese do amor ao próximo.
No episódio de Caim e Abel, em Gênesis 4, vemos Caim buscando “comprar” o reconhecimento do Senhor; e para tanto, Caim decide tirar a vida do seu irmão. O Senhor Deus questiona a Caim sobre o paradeiro de seu irmão. Caim responde com uma pergunta que tenta justificar a sua independência arrogante: “Acaso sou eu o guardador do meu irmão?” (v 9). Somos, ou deveríamos ser, os guardadores do nosso próximo; promotores de conciliações, construtores de pontes e não agentes de violência e morte. Como vimos no texto de Gn 6 “… a terra estava corrompida aos olhos de Deus e cheia de violência”.
Sendo discípulo de Jesus contra a corrupção
Considerando que a corrupção, na perspectiva que está sendo descrita, é um dos maiores, senão o maior, ato de violência direta ou indireta do homem contra o seu semelhante e contra a criação, o que, então, um discípulo de Jesus pode fazer? Que contribuição a igreja pode dar na luta contra a corrupção? Considerando que toda lei de Deus converge em Cristo, atraindo-nos pelo amor e conclamando-nos ao amor a Deus e ao próximo (Mt 22.36-38), aquele que é a expressão perfeita da vontade do Pai para o homem, nos aponta o caminho a seguir:
1. Jesus nos apresenta o modelo da não-violência
Na noite em que foi preso, quando um soldado veio na direção de Jesus, o Mestre advertiu Pedro que já estava pronto para reagir: “Ponha a espada de volta…o que vive pela espada, morrerá por ela” (Mt 26.52). Diante de Pilatos, Jesus também faz uma declaração que sugere um caminho alternativo na relação com os poderes temporais: “Respondeu Jesus: O meu reino não é deste mundo; se o meu reino fosse deste mundo, pelejariam os meus servos, para que eu não fosse entregue aos judeus; mas agora o meu reino não é daqui” (Jo 18.36). Os valores do reino de Deus são distintos; subvertem a lógica dos reis. O poder dos discípulos de Jesus é poder para ser e para servir, e não para revidar com a mesma moeda. O modelo de combate do cristão não passa pela reprodução da violência, mas sim por um comprometimento com a paz e com o amor, por meio de ações de serviço.
2. Jesus apresenta a fonte da violência
“E, chamando outra vez a multidão, disse-lhes: Ouvi-me vós, todos, e compreendei. Nada há, fora do homem, que, entrando nele, o possa contaminar; mas o que sai dele isso é que contamina o homem. Porque do interior do coração dos homens saem os maus pensamentos, os adultérios, as prostituições, os homicídios, os furtos, a avareza, as maldades, o engano, a dissolução, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura. Todos estes males procedem de dentro e contaminam o homem” ( Mc 7.14-23).
Ainda que a violência em forma de corrupção possa ser manifestada através de sistemas, esquemas e estratagemas, sabemos que a fonte será sempre o coração corrupto do homem. E é muito bom entendermos isso porque nos ajuda a colocar as coisas em perspectiva e a compreendermos pelo menos duas coisas: 1) que, potencialmente, todos nós estamos sujeitos aos descaminhos e precisamos ser cuidadosos em como vivemos a vida; 2) que a corrupção é uma questão de decisão pessoal, e não o fruto de um sistema sem rosto. Cada escolha, uma responsabilidade.
3. Jesus nos encoraja a enfrentarmos a violência com bravura
Jesus ensinou que o mundo é um lugar perigoso de se viver. Mas ele desafiou seus seguidores a não terem medo. “Não temam aqueles que matam o corpo mas não podem matar a alma.” (Mt 10.28). Ele também disse: “Eu lhes disse essas coisas para que em mim vocês tenham paz. Neste mundo vocês terão aflições; contudo, tenham ânimo! Eu venci o mundo” (Jo 16.33). “Tenham ânimo!”. Numa das traduções desse texto para o inglês, encontramos a expressão “sejam bravos!”. Que tipo de bravura é essa que Jesus pede dos seus seguidores?
4. Jesus exige de nós uma resposta à violência
Penso que é no Sermão do Monte que vamos encontrar aquilo que Jesus deseja que seus discípulos façam em relação à corrupção, e a qualquer forma de violência. As palavras do Mestre tratam dos desafios da vida real. É quando ele diz: “Felizes os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus” (Mt 5.9). Fazer a paz dá trabalho, trabalho duro, trabalho frustrante, muitas vezes inconveniente. Felizes aqueles que gastam as suas vidas a serviço da reconciliação e da “shalom”.
Em seu livro “Discipulado”, o teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer disse:"Os seguidores de Jesus foram chamados para a paz. Quando ele os chamou, eles encontraram sua paz, porque ele é a sua paz… Mas a eles foi dito que deveriam não apenas ter paz, mas fazer a paz".
John Stott, em seu comentário do Sermão do Monte, diz: “Agora pacificação é uma obra divina. Por paz entenda-se reconciliação, e Deus é o autor de toda paz e reconciliação”.
Pacificadores, portanto, são construtores de pontes num mundo de relações corrompidas. Pacificadores agem em nome de Jesus, na base dos valores do reino de Deus, promovendo diálogos para a reconciliação. Pacificadores enfrentam a corrupção de forma pacífica, inteligente e criativa, tendo sempre a justiça do Reino como referência para a “shalom”. Pacificadores vão às ruas e clamam pela paz; articulam-se com outros grupos que tenham interesse comum para fazerem trabalho conjunto; promovem campanhas; mobilizam igrejas na ação contra o mal em forma de violência e corrupção. Pacificadores acompanham as decisões políticas e buscam incidência pública objetivando a implementação de mecanismos de controle social e transparência. Pacificadores dão voz aos sem-voz. Pacificadores buscam diálogos possíveis e quando não é possível, falam sozinhos. Pacificadores são o sal que preserva o mundo da corrupção do mal. Pacificadores são a luz que traz às claras aquilo que se esconde na escuridão. Pacificadores bem-aventurados; que têm fome e sede da justiça de Deus.
Corrupção é uma questão de caráter
Não se garante transformação de caráter através de controle social e transparência na administração pública. Por outro lado, não é possível haver administração pública eficiente sem o envolvimento de pessoas de caráter nos processos de acompanhamento da governança. Há, portanto, dois níveis de ação da igreja nesse terreno:
O primeiro é o de fazer um chamado à própria igreja a um posicionamento ético que identifique os frutos de justiça produzidos pela ação do Espírito Santo na vida daqueles que se dizem participantes da nova criação. Ou seja, precisamos admitir que a igreja pode ser parte do problema da nação. Uma instituição corrompida e corruptora não tem o que dizer em matéria de ética na governança pública. O outro nível de ação nos move na direção de uma maior incidência pública para a garantia do cumprimento das leis, ou a criação de novas leis, que contribuam para a construção de um ambiente social onde se garanta um mínimo de justiça e paz. Aqui cito Carlos Queiroz para argumentar em favor de um engajamento da igreja nas questões de justiça e paz no mundo dos homens:
“A justiça de Deus é bem maior que o conceito de justiça do ser humano. É baseada em valores como mansidão, sensibilidade, misericórdia e amor. Mas isso não quer dizer que a justiça de Deus é menor do que o mínimo exigido pela justiça humana, como o direito à habitação, alimentação, saúde, educação, lazer, liberdade de exercer a vocação humana.”
“Uma igreja socialmente responsável se utilizará dos instrumentos democráticos para que a sua espiritualidade em missão tenha incidência nas políticas públicas, nos direitos do cidadão e nos testemunhos de boas obras e prática da justiça.”
Deus quer vida; a corrupção destrói a vida.
Deus quer justiça; a corrupção oprime o pobre roubando-lhe os direitos.
Deus quer riqueza honesta; a corrupção cria obstáculos ao desempenho econômico.
Deus quer comunidade; a corrupção destrói a confiança e a segurança.
Deus quer dignidade; a corrupção destrói a dignidade e a credibilidade.
Deus quer paz; a corrupção fortalece a violência e os instrumentos de guerra.
A luta contra a corrupção, portanto, faz todo o sentido para aqueles que dizem conhecer o Deus incorruptível e almejam viver para servi-lo, refletindo na vida o seu caráter santo. A revelação de Deus na Sua Palavra nos confronta, nos transforma e nos move à missão. A missão se dá no solo real de um mundo corrompido e fraturado. A missão nos aponta o caminho em direção ao solitário, ao pobre e ao oprimido.
Sempre que a igreja busca se envolver na justa causa contra a corrupção estará respondendo a Deus de forma diferente de Caim: “Eu sei, sim, onde está o meu irmão, porque sou responsável por ele. Sua vida me diz respeito. Como posso servi-lo?”.
Nota: artigo publicado originalmente no site da Aliança Evangélica.
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Daniel de Almeida e Souza Júnior, pastor batista, é missionário da SEPAL e trabalha com o Núcleo de Ação Urbana, em Macaé (RJ). É assessor de Missões Urbanas da Aliança Cristã Evangélica Brasileira.
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- 24 de maio de 2013
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