Opinião
- 15 de janeiro de 2021
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Conferências globais de Missões sob uma perspectiva histórica
Por Bertil Ekström
Em 2010, escrevi um artigo de mesmo título (cujo conteúdo, quase que em sua totalidade, está republicado a seguir) para a Connections Magazine, publicação da Comissão de Missões da World Evangelical Alliance (WEA) [Aliança Evangélica Mundial]. Foi um ano histórico, no qual quatro importantes congressos mundiais de Missões aconteceram em diferentes cidades do mundo: Tóquio, Boston, Edimburgo e Cidade do Cabo. Participei dos dois últimos citados.
Em 2010, escrevi um artigo de mesmo título (cujo conteúdo, quase que em sua totalidade, está republicado a seguir) para a Connections Magazine, publicação da Comissão de Missões da World Evangelical Alliance (WEA) [Aliança Evangélica Mundial]. Foi um ano histórico, no qual quatro importantes congressos mundiais de Missões aconteceram em diferentes cidades do mundo: Tóquio, Boston, Edimburgo e Cidade do Cabo. Participei dos dois últimos citados.
De lá para cá, além do Clade V (Congresso Latino Americano de Evangelização, na Cota Rica, 2012) e do Encontro de Líderes Jovens promovido pelo Movimento de Lausanne (Jacarta, 2016), cito a 10ª Assembleia do World Council of Churches [Conselho Mundial de Igrejas] (Coreia do Sul, 2013) e a Assembleia Geral da WEA (Jacarta, 2019) como alguns dos eventos importantes, apesar de os dois últimos terem um cunho mais administrativo.
Passados 10 anos desde as conferências de 2010, e diante do novo ambiente digital que se descortinou com a pandemia da Covid-19, é tempo de refazer as seguintes perguntas desconfortáveis:
- Quão importantes são as conferências missionárias para o avanço do Reino de Deus?
- Esses eventos (presenciais) são um investimento bom e justificável de tempo e recursos?
- Aqueles que participam dessas conferências globais são verdadeiros representantes do cristianismo mundial?
- Em que medida os crentes locais são afetados por essas reuniões internacionais?
Essas e muitas outras perguntas poderiam ser levantadas, e algumas delas são questões muito relevantes. Em um mundo competitivo, com uma forte influência corporativa empreendedora entre igrejas e organizações missionárias, os eventos (agora on-line!) parecem fazer parte de uma estratégia de marketing. Ao mesmo tempo, muitos de nós valorizamos a oportunidade de conhecer pessoas e, independentemente do programa, aproveitamos a reunião para nos conectar e reconectar a novos e velhos amigos (afinal, somos seres relacionais, à imagem de nosso Criador). Terá sido essa, talvez, a maior contribuição das conferências missionárias em 2010?
Conferências que tratam de questões missiológicas não são novidade. Durante a história da igreja cristã, desde os primeiros concílios ecumênicos até os dias atuais, os líderes se reuniram para discutir e decidir sobre basicamente tudo – desde uma compreensão teológica da Bíblia até boas práticas para o comportamento cristão e estratégias de evangelização e missão. Não há dúvida de que alguns desses encontros produziram impacto permanente no cristianismo e, em alguns casos, até na sociedade e na história humana. Todavia, muitas conferências simplesmente foram esquecidas, e não tiveram nenhuma influência duradoura.
Neste breve artigo, será impossível mencionar todas as principais conferências missionárias organizadas pelos cristãos ao longo da história, e seria uma tolice crer que seria possível analisá-las. A minha intenção não é, portanto, a de escrever a história – outros podem fazer isso –, mas sim destacar alguns aspectos de algumas conferências inovadoras que promoveram o redirecionamento de visão, particularmente aquelas relacionadas às comemorações de 2010.
Minhas reflexões, baseadas em minhas participações (como mencionei, estive nas conferências de Edimburgo e da Cidade do Cabo) e nos relatos de outras pessoas são, obviamente, subjetivas. Também fui convidado a participar da conferência de Tóquio, mas o orçamento da Comissão de Missões da WEA (à época, eu presidia essa comissão) cobria apenas duas participações. Procurei destacar os pontos fortes e fracos como os vejo, sabendo que outros têm perspectivas diferentes e, talvez, melhores percepções sobre algumas das conferências. Minha intenção não é diminuir o valor das conferências, mas levantar algumas questões que podem nos ajudar a melhorar o uso dos encontros globais.
Edimburgo 1910
As conferências missionárias em 2010 celebraram o centenário da conferência de Edimburgo; cada uma delas recriou alguns dos aspectos do evento de 1910. A conferência original foi o clímax de uma série de eventos iniciados em 1854, quando duas conferências significativas foram realizadas – uma em Londres, organizada pela recém-formada Aliança Evangélica (1846), e outra em Nova York, organizada sob a liderança de Alexander Duff.[1]
Três outras conferências preparatórias importantes foram realizadas antes de 1910: Liverpool, 1860; Londres, 1888; e Nova York, 1900. De acordo com Gustav Warneck, a conferência de 1888 em Londres foi a mais significativa em termos de solidificação da cooperação internacional entre as organizações missionárias. A conferência em Nova York foi a maior, com mais de 175 mil participantes. Contou com a presença de gigantes missionários daquela época – Bispo Thoburn, Hudson Taylor, Timothy Richard, John Paton, John Mott, Robert Speer, dentre outros. Gairdner comenta sobre esses eventos:
Conferências gerais semelhantes [à de Edimburgo, 1910] (…) abriram precedentes para se seguir qualquer uma dessas duas linhas – ou que deveriam ser deliberativas e consultivas, ou que deveriam ser projetadas principalmente para se trazer o assunto de missões de uma forma surpreendente perante o público que, nesse caso, significava pouco mais do que o público na parte do mundo na qual as conferências deveriam ser realizadas. No primeiro caso, teria o caráter de uma deliberação, no segundo, de uma demonstração [testemunho].[2]
No entanto, os organizadores de Edimburgo 1910 desejavam que o evento fosse uma conferência verdadeiramente global – com foco não tanto na teologia da missão, mas na estratégia da missão. Eles pressupunham que já existia um acordo sobre os fundamentos bíblicos básicos para missões.[3] Eles também foram fortemente influenciados pela mentalidade de otimismo e triunfalismo que dominou os cristãos europeus e norte-americanos antes da Primeira Guerra Mundial. Havia a urgência de se espalhar a mensagem cristã a todas as regiões não alcançadas do mundo e a crença de que era possível se fazer isso durante a sua geração.
Foi levantada a questão sobre a conferência ter sido realmente representativa ou não. Stanley diz:
… a conferência [não foi] verdadeiramente ecumênica no sentido de ser geograficamente representativa na composição da igreja mundial em 1910 pela simples razão de que os congressistas representavam não igrejas ou denominações, mas sociedades missionárias estrangeiras protestantes e anglicanas, e essas sociedades operavam estritamente com base em sua receita anual. Consequentemente, os grandes batalhões dos movimentos missionários anglo-americanos, a maioria deles missões denominacionais, dominaram o campo. Assim, dos 1.215 representantes oficiais, 509 eram britânicos, 491 norte-americanos, 169 originários da Europa continental, 27 procediam das colônias brancas da África do Sul e Australásia e apenas 19 não eram do mundo ocidental ou “majoritário” (18 deles da Ásia).[4]
No entanto, o movimento ecumênico em particular se beneficiou do evento de 1910. O Comitê de Continuação provavelmente fez o que a conferência em si não poderia ter feito: incluir alguma representação das igrejas mais novas do Sul Global, e ser muito mais inclusivo em termos de engajamento de líderes de outras correntes do cristianismo e crentes de outras culturas.[5]
Anderson nos lembra que:
Três movimentos importantes emanaram do trabalho do Comitê de Continuação de Edimburgo 1910. Em primeiro lugar, foi a organização do International Missionary Council (IMC) [Conselho Missionário Internacional] em 1921. Ele patrocinou conferências missionárias significativas em Jerusalém 1918, Madras 1938, Whitby 1947, Willingen 1952 e Gana 1958 antes de se tornar um departamento do Conselho Mundial de Igrejas em 1961. Os outros dois foram o Life and Work Movement [Movimento de Vida e Trabalho] (Estocolmo 1925) e Faith and Order Movement [Movimento de Fé e Ordem] (Lausanne 1917).[6]
Muito mais poderia ser dito sobre a representação do cristianismo mundial naquele ponto, particularmente se toda a comunidade cristã fosse considerada. Durante o século 20, o evangelicalismo cresceu na América Latina, África e Ásia, e com Edimburgo sendo principalmente uma conferência protestante/ evangélica, era natural que poucos líderes nacionais desses continentes pudessem comparecer. Curiosamente, no entanto, os poucos participantes não ocidentais que compareceram não foram mencionados nos relatórios oficiais, como o delegado brasileiro Álvaro Reis, o único representante latino-americano.[7]
Surpreendentemente, embora nenhum latino-americano tenha sido mencionado como estando presente, os congressistas deliberaram a respeito de se o continente devia ser considerado já evangelizado, sem a necessidade de novos investimentos missionários. Sem a participação de lideranças latino-americanas, os delegados determinaram que o continente já havia sido evangelizado. Outros haviam decidido em seu nome; a voz latina não foi ouvida.
Seis anos depois, os líderes latino-americanos se reuniram no Panamá (Panamá 1916) para analisar eles próprios a situação. Eles concluíram de forma diferente da conferência de Edimburgo; os líderes latino-americanos consideraram que o seu continente era ainda um campo missionário. O encontro do Panamá em 1916 foi seguido por duas outras conferências – Uruguai 1925 e Cuba 1929 –, e ambas reforçaram a mesma conclusão.
Deliberação, demonstração e tomada de decisão
Novamente, levantamos a questão do propósito das conferências missionárias. Deveriam as conferências de missões globais ser organizadas para deliberação, demonstração (testemunho) ou tomada de decisão?
Pessoalmente, acredito que as conferências internacionais são boas para deliberações, mas não para qualquer processo de tomada de decisão, e sim para recomendar áreas prioritárias que podem orientar os planos estratégicos das organizações que as pessoas representam. Uma conferência só pode falar por aqueles que estão presentes, e deve levar em conta o status desses participantes, ou seja, se eles têm como atribuição a representatividade oficial de suas organizações. O caráter voluntário e independente das organizações missionárias e estruturas denominacionais/ eclesiásticas torna impossível impor quaisquer decisões que possam ser solenemente incluídas em uma declaração final. Ao mesmo tempo, não devemos subestimar a importância de pessoas de diferentes origens eclesiásticas e tradições para discutir questões relacionadas ao avanço do Reino de Deus e às implicações de ser igreja em diferentes períodos históricos. Um bom exemplo da fecundidade de tal processo é o Pacto de Lausanne que, além da própria conferência de 1974, produziu um grande impacto no pensamento missiológico desde então.
A demonstração (testemunho) também tem sido um aspecto importante das conferências globais. Não tenho certeza se elas impressionam o Diabo ou os defensores de outras religiões e, menos ainda, aqueles que são completamente secularizados e indiferentes a qualquer tipo de manifestação religiosa. Talvez sejamos nós, cristãos, quem precisemos dessas conferências – para enfatizar valores importantes como unidade e cooperação, e para reforçar a realidade de que pertencemos a um grupo crescente de irmãos cristãos ao redor do globo.
Outro resultado positivo de uma conferência global de missões é o processo saudável de reavaliação do papel e da influência de missões em relação ao crescimento da igreja e o impacto do desenvolvimento do cristianismo em todo o mundo. Um critério interessante para se analisar as conferências na história é verificar quem convocou o encontro e quem dominou o programa. Há poucas dúvidas sobre o que aconteceu em Edimburgo 1910. A questão é se as conferências globais de 2010 alcançaram algo diferente.
Lausanne 1974 e Manila 1989
Os acontecimentos pós-1910 levantaram preocupações, especialmente entre líderes em círculos evangélicos. Em 1966, os evangélicos se reuniram em Wheaton para considerar uma nova conferência mundial com foco na evangelização global. Mais tarde, no mesmo ano, uma conferência sobre evangelismo foi organizada em Berlim para preparar um evento maior: Lausanne 1974.
Lembro-me de ter em minhas mãos o formulário de inscrição para a Conferência de Lausanne de 1974, mas, como estudante universitário, não conseguia imaginar a importância do evento e, portanto, não compareci. Ouvindo mais tarde o testemunho de amigos que foram para Lausanne, entendi que algo significativo havia acontecido.
A conferência Lausanne 1974 foi certamente uma das reuniões de evangélicos mais influentes na história da igreja. Representantes de mais de 150 países se juntaram em Lausanne, Suíça, respondendo a uma iniciativa lançada por Billy Graham para reunir evangélicos em torno do tema da evangelização mundial. Havia a necessidade de reagir aos acontecimentos dentro do Conselho Mundial de Igrejas, e mostrar que os cristãos evangélicos podiam ser unidos e trabalhar para uma compreensão holística do evangelho.
O principal resultado de Lausanne 1974 foi o Pacto de Lausanne, que permeou a maior parte do pensamento missiológico evangélico nas últimas décadas. Embora grande parte da iniciativa tenha vindo novamente do Norte Global, a participação crucial, porém não celebrada, de Samuel Escobar e René Padilla, da América Latina, e de Festo Kivengere, da África, deu uma nova amplitude às deliberações e ao documento final. A abordagem holística da tarefa missional da igreja e a inclusão de todo o corpo global de Cristo resultou em um novo senso de propriedade para as conclusões.
Precisamos, pelo menos, mencionar Manila 1989. O número de países representados nessa conferência aumentou para 170, e o Manifesto de Manila reforçou a abordagem holística do evangelho e do mundo que o Pacto de Lausanne havia homologado. Novos componentes incluíram a inserção de números estatísticos e desafios concretos em prol dos chamados povos não alcançados (PNAs), uma influência direta do emergente AD 2000 and Beyond Movement.
Seul 1995
O Congresso Global sobre Evangelização Mundial (GCOWE ’95), realizado em 1995 em Seul, foi organizado pelo AD 2000 and Beyond Movement. Cerca de 4.500 pessoas de todo o mundo se reuniram, [e os esforços] concentraram-se principalmente em grupos de povos não alcançados: o objetivo era concluir a tarefa missionária antes do ano 2000. O sonho, neutralizado por crises políticas no Oriente Médio, era celebrar uma conferência verdadeiramente global em Jerusalém em um evento no ano 2000 com pelo menos um cristão de cada grupo étnico (à época, o número estimado era de 12 mil) mais 3 mil conferencistas de todo o mundo. Foi um sonho fantástico, apenas comparável às cenas conhecidas do livro do Apocalipse. Não há dúvida que o ano 2000 d.C. foi um fator motivador importante para muitos movimentos missionários ao levar a sério o desafio da chamada Janela 10/40 e dos PNAs.
Infelizmente, a exagerada ênfase nas estatísticas e nos resultados mensuráveis forçou o movimento a criar um mecanismo de reducionismo, de modo que, em vez de a organização se alegrar com os grupos de pessoas que de fato haviam sido alcançados, os grupos que ainda precisavam ser evangelizados foram recalculados, e os números, drasticamente reduzidos a algumas centenas. No início de 2001, a direção fechou o movimento. No entanto, o legado deixado pelo AD 2000 and Beyond Movement, cujo ápice foi em 1995, foi seu foco na cooperação estratégica para alcançar aqueles que ainda não ouviram sobre o evangelho. Pelo menos dois movimentos importantes surgiram como resultado do AD 2000 – o Movement for African National Initiatives (MANI) [Movimento das Iniciativas Nacionais Africanas] e o Ethne to Ethne.
Conferências de Missões em 2010
Como as conferências de 2010 se relacionam com os eventos de Missões desde 1910? Qual das quatro principais (Tóquio, Edimburgo, Cidade do Cabo ou Boston) melhor representou o espírito de Edimburgo 1910? Pessoalmente, acredito que uma combinação da principal característica de cada uma delas corresponde às intenções e motivações que caracterizaram 1910.
- Tóquio 2010 enfatizou fortemente o término da tarefa missionária dentro de sua geração, e encorajou estratégias ousadas para evangelizar os grupos étnicos ainda não alcançados.
- Edimburgo 2010 foi uma celebração da diversidade das tradições cristãs, enfatizando a necessidade de respeito e unidade entre os cristãos.
- Cidade do Cabo 2010 concretizou algo do sonho de ser o encontro mais representativo da história, com pessoas de 195 nações.
- Boston 2010 carregou a tradição de reunir estudantes (foco na geração mais jovem), e salientou o papel da igreja na transformação da sociedade.
Edimburgo 2010 reuniu um número menor de participantes em comparação com Tóquio e Cidade do Cabo. Um dos pontos fortes dessa conferência foi o estudo de nove tópicos (e as discussões baseadas nesses estudos). Estive envolvido no tema “Espiritualidade Missionária e Discipulado Autêntico”, e conduzi algumas das sessões juntamente com o Arcebispo Católico de Glasgow. Embora o documento final da conferência, Common Call [Chamada Comum], seja bastante frágil e inócuo, a partir dessa conferência foi escrita a Edinburgh Centenary Series [Série do Centenário de Edimburgo], publicada pela Regnum Books (editora ligada ao Oxford Centre for Mission Studies [Centro de Estudos Missionários de Oxford]. Com 35 volumes, ela abrange um vasto leque de tópicos missiológicos. A força de Edimburgo 2010 foi certamente a amplitude da participação de diferentes tradições cristãs. Mas isso resultou também em um foco pouco claro na evangelização mundial, muito diferente do que foi visto no evento de 1910.
Cidade do Cabo 2010 foi o Terceiro Congresso Internacional de Evangelização Mundial, teoricamente em cooperação com a World Evangelical Alliance (WEA) [Aliança Evangélica Mundial]. A WEA estava envolvida em parte do planejamento inicial da conferência e no processo de seleção dos participantes, principalmente por meio de suas alianças regionais e nacionais. No entanto, o programa e as apresentações foram totalmente coordenados e administrados pela liderança de Lausanne. E foi, claro, a conferência de Lausanne e não a da WEA. Muitas coisas boas podem ser ditas sobre a conferência da Cidade do Cabo. A parafernália técnica era singular e impressionante, criando uma atmosfera de entusiasmo e criatividade. Os estudos bíblicos em Efésios, conduzidos por teólogos de seis regiões diferentes, deram oportunidade de refletir junto com pessoas de outras culturas sobre o plano de Deus para a igreja. As sessões de diálogo e seminários da tarde ofereceram um “bufê” diversificado e rico, além da possibilidade de discussões mais focadas. Encontrar irmãos e irmãs de tantos países e culturas diferentes foi uma antecipação do que há de vir. As apresentações plenárias de Patrick Fung (Singapura) e David Ruiz (Guatemala) em parceria, no último dia da conferência, foram certamente duas das melhores e mais relevantes contribuições. O clímax para mim foi o culto da comunhão na última noite, um antegozo do céu.
A minha avaliação pessoal da Cidade do Cabo 2010 também contém vários aspectos críticos, e escolhi mencionar dois deles. Em primeiro lugar, todo o programa foi muito ocidental, e a oportunidade única de apresentar o que é a igreja global foi perdida. A mensagem “nas entrelinhas” era a mesma que já ouvira muitas vezes: os problemas estão no Sul Global, com exceção do secularismo na Europa, e as soluções vêm de países específicos do Norte Global. A noite latino-americana foi um desastre, apresentando um continente irreconhecível a qualquer latino-americano. Embora a liderança da conferência tenha se desculpado no dia seguinte, especialmente por alguns vídeos que foram exibidos, isso demonstrou a dificuldade que nós, no Norte Global, temos em levar a sério a igreja majoritária mundial (em inglês, majority world church). Em segundo lugar, para mim pessoalmente, a manhã sobre “prioridades para a evangelização mundial” foi uma das maiores decepções, especialmente por causa da apresentação ultrapassada e extremamente reducionista dos chamados grupos de povos não alcançados. A imprecisão das informações e a insistência para que os participantes adotassem PNAs criaram suspeitas sobre o material apresentado e uma desconfortável atmosfera de intimidação.
Não há dúvida de que a contribuição mais importante da conferência foi o Compromisso da Cidade do Cabo (CCC). Acredito que o documento pode ter a mesma dignidade do Pacto de Lausanne devido à excelente coordenação de Chris Wright e à boa representação internacional do grupo editorial. A segunda parte do CCC trata de questões destacadas pela conferência, mas com uma mensagem subjacente diferente. Aqui você também pode ler uma versão resumida do CCC.
Movimento ou instituição?
Como trabalhei para instituições internacionais que, de alguma forma, surgiram de movimentos de unidade e cooperação cristã, estou ciente do perigo de se limitar ou até mesmo de se matar um movimento ao institucionalizá-lo. Talvez algumas das conferências globais tenham mostrado a necessidade de se lançar (ou até mesmo de se relançar) novos movimentos quando os processos burocráticos tomaram conta dos antigos. Paralelamente aos preparativos do Movimento de Lausanne para o Congresso Internacional de Evangelização Mundial em Manila (1989), o Movimento AD 2000 and Beyond fora inaugurado com base na preocupação de que o Movimento de Lausanne tivesse perdido seu foco em alcançar os não evangelizados. A liderança do AD 2000 veio principalmente dos países enviadores mais novos, embora boa parte dos recursos financeiros tenha vindo do Norte Global. No Brasil, nós, como evangélicos, tivemos a estranha sensação de que a nossa missiologia era fortemente baseada no Pacto de Lausanne, contudo a nossa estratégia missionária buscava soluções no AD 2000 and Beyond Movement. O principal risco, a meu ver, surge quando a propriedade de um movimento é reduzida a algumas pessoas da mesma cultura ou formação eclesiástica. Automaticamente isso exclui muitos outros, e o impacto é consideravelmente mais limitado.
Existe futuro para as conferências globais?
A pergunta-chave é se as conferências globais têm futuro ou não. A pandemia de Covid-19 transpôs barreiras em relação ao uso de tecnologias para reunir pessoas de todo o mundo. Some-se a isso o cuidado com a criação, um dos tópicos do Compromisso da Cidade do Cabo que, a meu ver, mais avançaram na agenda da igreja global. Descolamentos geográficos geram impacto ambiental, é fato. Ainda assim, acredito que continuaremos a organizar eventos internacionais porque gostamos de coisas grandes e acredito fortemente que precisamos demonstrar o nosso potencial e tamanho como cristãos. Não sou contra reuniões globais.
No entanto, se vamos continuar a reunir pessoas de todo o mundo (ainda de que forma virtual ou híbrida) com a intenção de facilitar o diálogo e a parceria, creio que os seguintes princípios são importantes:
- Deve haver oportunidade para a participação de todos os segmentos da igreja, geográfica, cultural e eclesiasticamente.
- Ninguém falará em nome dos outros, pelo contrário, será providenciado o espaço para que todos apresentarem o seu contexto específico.
- A realidade de o inglês ser o “idioma global” não deve limitar a participação de pessoas de países onde esse idioma não é empregado. E isso inclui palestrantes plenários. Todos devem poder contar com tradução simultânea.
- O programa não poderá ser determinado e controlado por aqueles procedentes do seleto número de países possuidores de recursos financeiros para investir em um evento.
- Deve-se permitir a abertura para discussões e considerações de diferentes opiniões e perspectivas, sabendo que ninguém possui o completo entendimento da verdade da revelação de Deus nas Escrituras.
- Deve-se buscar um bom equilíbrio na representação de grupos de gênero e idade, com foco especial no engajamento das gerações mais jovens.
- Esses eventos devem lidar com questões relevantes presentes na agenda de toda a igreja.
O princípio mais importante, entretanto, deverá ser o respeito profundo e coerente pelo que Deus está fazendo ao redor do mundo em relação aos movimentos missionários emergentes e igrejas em crescimento. Os eventos e iniciativas como as do Movement for African National Initiatives (MANI) e do COMIBAM Internacional (que reúne cristãos da América Latina, Portugal e Espanha), por exemplo, são demonstrações claras da força da igreja mundial. O resto do mundo faz bem em considerar seriamente a importância de ouvir o que Deus está dizendo por meio do Sul Global.
Conclusão
Essa combinação de fatos históricos e reflexões pessoais certamente não constitui numa avaliação completa e finalizada sobre as conferências missionárias evangélicas. Há muito mais a se dizer, e está mais do que claro que nenhuma conferência singular será perfeita: estamos em um aprendizado constante.
Dez anos após as conferências de 2010, no entanto, como respondemos às seguintes perguntas:
- Quão importantes foram essas conferências para o avanço do Reino de Deus?
- Quem eram os donos da agenda dessas reuniões?
- As organizações missionárias e as igrejas em todo o mundo seguem as recomendações apresentadas em Tóquio ou na Cidade do Cabo?
- As relações entre as diferentes tradições da igreja realmente melhoraram após Edimburgo?
- Boston deu um novo impulso à geração mais jovem?
- Os enormes investimentos em viagens e nos eventos foram convertidos em mais pessoas evangelizadas e discipuladas?
• Dr. Bertil Ekström é um sueco brasileiro. Nasceu na Suécia e cresceu no Brasil, onde seus pais eram missionários. Após ter estudado na Suécia e já casado, retornou ao Brasil em 1980 para atuar com desenvolvimento de liderança e ensino teológico. Desde 1986, esteve envolvido com movimentos missionários brasileiros e latino-americanos – como a Associação de Missões Transculturais Brasileiras (AMTB) e o COMIBAM Internacional – por vários anos. De 2006 até o início de 2020, foi o Diretor Executivo da Comissão de Missões da World Evangelical Alliance (WEA).
> Este artigo foi originalmente publicado no site do Centro de Reflexão Missiológica Martureo. Reproduzido com permissão.
NOTAS
[1] Herbert Kane, Understanding Christian Missions (Grand Rapids, Ml: Baker, 1985), 175.
[1] Herbert Kane, Understanding Christian Missions (Grand Rapids, Ml: Baker, 1985), 175.
[2] W.H.T. Gairnder, Edinburgh 1910 – An Account and lnterpretation of the World Missionary Conference (Edinburgh and London: Oliphant, Anderson e Ferrier, 1910), 13.
[3] Jan-Martin Berentsen, Tormod Engelsviken e Knud Jorgensen (eds.), Missiologi i Dag [Missiology Today] (Oslo, Norway: Universitetsforlaget, 1994), 138.
[4] Brian Stanley, The World Missionary Conference, Edinburgh 1910 (Cambridge, UK: Eerdmans, 2009), 12.
[5] Paul Pierson, “World Missionary Conferences in Dyrness” em William and Veli-Matti Karkkainen (eds.), Global Dictionary of Theology (Downers Grove, lL: lVP Academic, 2008), 562-563.
[6] Justice Anderson, “World Missionary Conference (Edinburgh 1910)” em Moreau, Scott (ed.), Evangelical Dictionary of World Missions (Grand Rapids, Ml: Baker Books, 2000), 1029.
[7] Luiz Longuini Neto, O Novo Rosto da Missão [The New Face of Mission] (Viçosa, Brasil: Ultimato, 2002), 86.
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