Opinião
- 11 de fevereiro de 2016
- Visualizações: 4327
- comente!
- +A
- -A
- compartilhar
Compulsão: o que é e como encontrar ajuda
Nós somos sempre desejantes. Sendo seres de necessidades, carentes, nos movemos por instintos, desejos e anseios. Buscamos satisfação, alívio, prazer; e também realização, reconhecimento e transcendência. Contudo, a trajetória de cada um pode conduzir a atalhos e descaminhos perigosos.
A sociedade atual erigiu o desejo como senhor supremo. Recebemos estímulos vindos de diferentes fontes, quase sempre com o mesmo conteúdo: “se você quer, você pode!”. Visto como desafio, a assertiva pode ajudar em muito a pessoas inferiorizadas e a grupos minoritários. Porém, tal “empoderamento” também leva a consequências desastrosas. Ele facilmente passa a ser tomado no sentido moral: “se você quer, vá em frente, não aceite qualquer limitação ao seu desejo, seja ela de ordem individual ou coletiva (leis, tradições, família, religião)”. Nesse caso, não se atenta para o fato de que muitas das nossas inclinações são prejudiciais e até destrutivas a nós mesmos, aos nossos próximos e à própria sociedade. Desconhece-se a advertência milenar: “O seu desejo será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo” (Gn 4.7).
Compulsões são comportamentos repetitivos que se sobrepõem à vontade individual, exigindo cada vez mais tempo e recursos, passando a dominar os interesses da pessoa. Entregues à ditadura do desejo, muitos ficam privados da sua liberdade, comprometendo outras áreas da vida. Situações, oportunidades e recursos habituais da vida cotidiana podem encobrir riscos que escravizam a muitos. 1 2 3 4 5
Aqui vão algumas das compulsões mais encontradas em nosso tempo:
- Dependência de substâncias, tais como drogas lícitas e ilícitas;
- Apego a jogos, desde os tradicionais jogos de azar (roleta, carteado, loterias, jogo do bicho) como também apostas e caça níqueis;
- Busca excessiva de sexo e consumo de pornografia, estimulados pelo aparente “anonimato” da Internet, redes sociais e telefones;
- Atração pela Internet e pelos jogos eletrônicos, envolvendo jovens e adultos;
- Fixação a smartfones e afins, causando pânico quando “desconectados” (Nomofobia);
- Consumo indisciplinado de alimentos, com ou sem medidas drásticas para “eliminar calorias”;
- Compras e gastos desordenados e desnecessários;
- Mentiras e furtos repetidos, como forma de prazer.
As próprias pessoas tendem a não admitir qualquer apego excessivo ou dependência às condições acima. Os pais, cônjuges, educadores, amigos e líderes religiosos, além dos profissionais e autoridades, têm diante de si o desafio de conscientizar tais pessoas e viabilizar canais de ajuda e tratamento. Isso se faz cada vez mais necessário.
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, em sua 5ª Edição, apresenta indicadores que servem de alerta quanto a possível dependência em algumas das áreas citadas.6 Eles são:
- Falha em cumprir as obrigações do cotidiano, em decorrência do uso ou prática;
- Uso perigo, expondo-se a situações de risco para si e/ou para outros (risco social ou legal);
- Problemas sociais e interpessoais relacionados (com familiares, amigos, vizinhos...);
- Uso em “doses” cada vez maiores para obter o grau de satisfação desejado;
- Reações intensas na impossibilidade do consumo ou da prática;
- Persistência, após esforços malsucedidos de diminuir ou abolir a prática;
- Desrespeitar seguidamente os próprios limites impostos para o uso ou prática;
- Negligenciar atividades importantes, bem como princípios e valores pessoais;
- Grande volume de tempo e recursos gastos em atividades relacionadas à prática;
- Problemas psicológicos e físicos aparecendo em decorrência;
- Desejo incontrolável e urgente para o uso ou prática.
Esforços individuais de superação tendem a surtir poucos resultados. Somos seres gregários e, portanto, adoecemos em sociedade e podemos nos reabilitar igualmente com a colaboração de outras pessoas. Assim, indicamos aqui alguns canais de apoio e tratamento, sugerindo que nenhum deles seja negligenciado:
- Tomada de consciência individual, dando ouvidos às advertências de familiares e amigos;
- Admissão franca da situação de vulnerabilidade, dispondo-se a buscar ajuda;
- Psicoterapia, com profissional de boa formação, se possível com experiência na área;
- Realização de exames médicos e uso de medicações próprias, se houver comprometimento físico e/ou psiquiátrico (falha no controle dos impulsos, presença de algum transtorno mental...);
- Ajuda de profissionais específicos, se for o caso (nutricionista, psicopedagogo, sexólogo, contabilista...);
- Recurso a grupos de iguais (Alcoólicos Anônimos, Narcóticos Anônimos, Jogadores Compulsivos, Comedores Compulsivos, Compradores Compulsivos...);
- Orientação espiritual cristã (a Bíblia de Estudo Despertar, da Sociedade Bíblica do Brasil, oferece excelente programa de reabilitação espiritual).
– O Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo oferece programas específicos que muito podem ajudar: Ambulatório de Jogo Patológico e Outros Transtornos do Impulso (AMJO), Programa de Orientação a Pais de Adolescentes Dependentes de Internet (PROPADI). Acesse o site: www.ipqhc.org.br
Mais do que acreditar em si mesmo e nos recursos disponíveis ao redor, vale muito crer que Deus está envolvido em toda busca sincera de cura e libertação. O Seu poder e a Sua misericórdia sempre estão ao nosso alcance. Como já foi dito, a aparente “des-graça” humana, na verdade, é uma oportunidade para a graça de Deus se manifestar. 7
Notas:
1. Abreu CN et al. Dependência da Internet e jogos eletrônicos. Rev. Bras. Psiquiatr. 2008; 30(2): 156-67.
2. Weinstock J et al. Ludomania: avaliação transcultural do jogo de azar e seu tratamento. Rev. Bras. Psiquiatr. 2008; 30 (Supl I): 03-10.
3. Grant JE, Odlaug BL. Cleptomania: características clínicas e tratamento. Rev. Bras. Psiquiatr. 2008; 30 (Supl I): 11-15.
4. Tavares H et al. Compras compulsivas: uma revisão e um relato de caso. Rev. Bras. Psiquiatr. 2008; 30 (Supl I): 16-23.
5. Yang YBS et al. Substância branca pré-frontal em mentirosos patológicos. Br. J. Psychiatry 2005; 187: 320-5.
6. American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM 5, 5ª Ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
7. Ellens JH. Graça de Deus e saúde humana. Brasília: Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos/São Leopoldo: Ed. Sinodal, 1982.
• Uriel Heckert é médico psiquiatra, mestre em Filosofia pela UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), doutor em Psiquiatria pela USP (Universidade de São Paulo) e membro pleno do Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC).
Leia também
A descoberta da compulsão (revista Ultimato 352)
Internetholics
Por que (sempre) faço o que não quero?
Imagem: JeongGuHyeok / Pixabay
A sociedade atual erigiu o desejo como senhor supremo. Recebemos estímulos vindos de diferentes fontes, quase sempre com o mesmo conteúdo: “se você quer, você pode!”. Visto como desafio, a assertiva pode ajudar em muito a pessoas inferiorizadas e a grupos minoritários. Porém, tal “empoderamento” também leva a consequências desastrosas. Ele facilmente passa a ser tomado no sentido moral: “se você quer, vá em frente, não aceite qualquer limitação ao seu desejo, seja ela de ordem individual ou coletiva (leis, tradições, família, religião)”. Nesse caso, não se atenta para o fato de que muitas das nossas inclinações são prejudiciais e até destrutivas a nós mesmos, aos nossos próximos e à própria sociedade. Desconhece-se a advertência milenar: “O seu desejo será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo” (Gn 4.7).
Compulsões são comportamentos repetitivos que se sobrepõem à vontade individual, exigindo cada vez mais tempo e recursos, passando a dominar os interesses da pessoa. Entregues à ditadura do desejo, muitos ficam privados da sua liberdade, comprometendo outras áreas da vida. Situações, oportunidades e recursos habituais da vida cotidiana podem encobrir riscos que escravizam a muitos. 1 2 3 4 5
Aqui vão algumas das compulsões mais encontradas em nosso tempo:
- Dependência de substâncias, tais como drogas lícitas e ilícitas;
- Apego a jogos, desde os tradicionais jogos de azar (roleta, carteado, loterias, jogo do bicho) como também apostas e caça níqueis;
- Busca excessiva de sexo e consumo de pornografia, estimulados pelo aparente “anonimato” da Internet, redes sociais e telefones;
- Atração pela Internet e pelos jogos eletrônicos, envolvendo jovens e adultos;
- Fixação a smartfones e afins, causando pânico quando “desconectados” (Nomofobia);
- Consumo indisciplinado de alimentos, com ou sem medidas drásticas para “eliminar calorias”;
- Compras e gastos desordenados e desnecessários;
- Mentiras e furtos repetidos, como forma de prazer.
As próprias pessoas tendem a não admitir qualquer apego excessivo ou dependência às condições acima. Os pais, cônjuges, educadores, amigos e líderes religiosos, além dos profissionais e autoridades, têm diante de si o desafio de conscientizar tais pessoas e viabilizar canais de ajuda e tratamento. Isso se faz cada vez mais necessário.
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, em sua 5ª Edição, apresenta indicadores que servem de alerta quanto a possível dependência em algumas das áreas citadas.6 Eles são:
- Falha em cumprir as obrigações do cotidiano, em decorrência do uso ou prática;
- Uso perigo, expondo-se a situações de risco para si e/ou para outros (risco social ou legal);
- Problemas sociais e interpessoais relacionados (com familiares, amigos, vizinhos...);
- Uso em “doses” cada vez maiores para obter o grau de satisfação desejado;
- Reações intensas na impossibilidade do consumo ou da prática;
- Persistência, após esforços malsucedidos de diminuir ou abolir a prática;
- Desrespeitar seguidamente os próprios limites impostos para o uso ou prática;
- Negligenciar atividades importantes, bem como princípios e valores pessoais;
- Grande volume de tempo e recursos gastos em atividades relacionadas à prática;
- Problemas psicológicos e físicos aparecendo em decorrência;
- Desejo incontrolável e urgente para o uso ou prática.
Esforços individuais de superação tendem a surtir poucos resultados. Somos seres gregários e, portanto, adoecemos em sociedade e podemos nos reabilitar igualmente com a colaboração de outras pessoas. Assim, indicamos aqui alguns canais de apoio e tratamento, sugerindo que nenhum deles seja negligenciado:
- Tomada de consciência individual, dando ouvidos às advertências de familiares e amigos;
- Admissão franca da situação de vulnerabilidade, dispondo-se a buscar ajuda;
- Psicoterapia, com profissional de boa formação, se possível com experiência na área;
- Realização de exames médicos e uso de medicações próprias, se houver comprometimento físico e/ou psiquiátrico (falha no controle dos impulsos, presença de algum transtorno mental...);
- Ajuda de profissionais específicos, se for o caso (nutricionista, psicopedagogo, sexólogo, contabilista...);
- Recurso a grupos de iguais (Alcoólicos Anônimos, Narcóticos Anônimos, Jogadores Compulsivos, Comedores Compulsivos, Compradores Compulsivos...);
- Orientação espiritual cristã (a Bíblia de Estudo Despertar, da Sociedade Bíblica do Brasil, oferece excelente programa de reabilitação espiritual).
– O Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo oferece programas específicos que muito podem ajudar: Ambulatório de Jogo Patológico e Outros Transtornos do Impulso (AMJO), Programa de Orientação a Pais de Adolescentes Dependentes de Internet (PROPADI). Acesse o site: www.ipqhc.org.br
Mais do que acreditar em si mesmo e nos recursos disponíveis ao redor, vale muito crer que Deus está envolvido em toda busca sincera de cura e libertação. O Seu poder e a Sua misericórdia sempre estão ao nosso alcance. Como já foi dito, a aparente “des-graça” humana, na verdade, é uma oportunidade para a graça de Deus se manifestar. 7
Notas:
1. Abreu CN et al. Dependência da Internet e jogos eletrônicos. Rev. Bras. Psiquiatr. 2008; 30(2): 156-67.
2. Weinstock J et al. Ludomania: avaliação transcultural do jogo de azar e seu tratamento. Rev. Bras. Psiquiatr. 2008; 30 (Supl I): 03-10.
3. Grant JE, Odlaug BL. Cleptomania: características clínicas e tratamento. Rev. Bras. Psiquiatr. 2008; 30 (Supl I): 11-15.
4. Tavares H et al. Compras compulsivas: uma revisão e um relato de caso. Rev. Bras. Psiquiatr. 2008; 30 (Supl I): 16-23.
5. Yang YBS et al. Substância branca pré-frontal em mentirosos patológicos. Br. J. Psychiatry 2005; 187: 320-5.
6. American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM 5, 5ª Ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
7. Ellens JH. Graça de Deus e saúde humana. Brasília: Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos/São Leopoldo: Ed. Sinodal, 1982.
• Uriel Heckert é médico psiquiatra, mestre em Filosofia pela UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), doutor em Psiquiatria pela USP (Universidade de São Paulo) e membro pleno do Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC).
Leia também
A descoberta da compulsão (revista Ultimato 352)
Internetholics
Por que (sempre) faço o que não quero?
Imagem: JeongGuHyeok / Pixabay
- 11 de fevereiro de 2016
- Visualizações: 4327
- comente!
- +A
- -A
- compartilhar
QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI.
Ultimato quer falar com você.
A cada dia, mais de dez mil usuários navegam pelo Portal Ultimato. Leem e compartilham gratuitamente dezenas de blogs e hotsites, além do acervo digital da revista Ultimato, centenas de estudos bíblicos, devocionais diárias de autores como John Stott, Eugene Peterson, C. S. Lewis, entre outros, além de artigos, notícias e serviços que são atualizados diariamente nas diferentes plataformas e redes sociais.
PARA CONTINUAR, precisamos do seu apoio. Compartilhe conosco um cafezinho.
Leia mais em Opinião
Opinião do leitor
Para comentar é necessário estar logado no site. Clique aqui para fazer o login ou o seu cadastro.
Ainda não há comentários sobre este texto. Seja o primeiro a comentar!
Escreva um artigo em resposta
Para escrever uma resposta é necessário estar cadastrado no site. Clique aqui para fazer o login ou seu cadastro.
Ainda não há artigos publicados na seção "Palavra do leitor" em resposta a este texto.
- + vendidos
- + vistos
Revista Ultimato
Oramos para que Deus faça aquilo que so Deus pode fazer.
Ricardo Barbosa