Prateleira
- 30 de novembro de 2010
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Como é possível sobreviver num campo de concentração?
Na próxima semana estará disponível online o conteúdo da edição novembro-dezembro da revista Ultimato. Mas Prateleira adianta agora, na íntegra, uma das matérias de capa dessa edição: “Como é possível sobreviver num campo de concentração?”. Boa leitura!
“Como é possível acomodar, em cada uma das três camas de tábua de um triliche, nove prisioneiros deitados de lado, um atrás do outro? (Qualquer metrô transporta, no horário de pico, no máximo 9,8 pessoas em pé por metro quadrado.)
Como é possível manter o organismo vivo com 300 gramas de pão e um litro de sopa por dia durante meses a fio?
Como é possível realizar trabalhos braçais ao relento, sem luvas e agasalhos apropriados, se o termômetro marca 20 graus abaixo de zero? Como é possível não explodir de raiva ao ver o capataz com luvas grossas e casaco de couro forrado de peles?
Como é possível ficar mais de trinta meses sem escrever e receber cartas?
Como é possível conviver, em barracos superlotados, com pessoas até então estranhas, de vários países da Europa, com idiomas e comportamentos diferentes e com profissões e níveis diversos? (Certa ocasião havia 1.100 prisioneiros numa cobertura que comportava, no máximo, duzentas pessoas.)
Como é possível suportar “a mais inconcebível falta de higiene” por causa do acúmulo de gente e da ausência ou escassez de vasos sanitários apropriados?
Como é possível continuar vivo apesar da saudade de pessoas, coisas e acontecimentos, dentro de um cercado de arame farpado, com fios de alta tensão, torres de vigia e holofotes acesos a noite inteira?
Como é possível não se desesperar por completo se, do lado de fora, em dois barracões, estão quatro grandes câmaras de gás venenoso e se quase todo o dia se vê a fumaça que sai da chaminé do forno crematório levando consigo as cinzas dos que ontem estavam no mesmo barracão?
Como é possível lidar com a sensação de estar andando atrás de seu próprio cadáver, de ser um cadáver vivo, de ser uma partícula numa massa de carne humana cercada por todos os lados?
Como é possível não ceder à tentação do suicídio, não satisfazer a vontade de “ir para o fio” (agarrar-se à cerca elétrica para morrer)?
Como é possível sujeitar-se à morosidade do tempo se, num campo de concentração, “um dia demora uma semana”?
Como é possível não perder a identidade própria depois de ser despojado de todos os documentos, de todos os bens e até de nome e sobrenome em troca de um mero e comprido número?
Como é possível não perder a autoestima sem ver o próprio rosto no espelho durante dois anos e meio?
O austríaco Viktor Emil Frankl, nascido em Viena cinco anos depois do século 19 e morto na mesma cidade três anos antes do século 21, conseguiu passar por cima de todos esses impossíveis. Antes de ser levado para o campo de concentração de Theresienstadt em setembro de 1942, Frankl, aos 37 anos, já tinha um doutorado em medicina e era um conhecido e respeitado neurologista e psiquiatra. Depois de passar por outros campos de concentração, inclusive Auschwitz, e ser libertado pelo exército americano em abril de 1945, Frankl tornou-se chefe do Departamento de Neurologia do Hospital Policlínico de Viena e doutorou-se em filosofia. Valendo-se de sua própria experiência, fundou a logoterapia, muitas vezes chamada de “terceira escola vienense de psicoterapia” (depois da psicanálise de Freud e da psicologia individual de Adler).
Em seu mais famoso livro (“Em Busca de Sentido”, com mais de 9 milhões de exemplares vendidos), Viktor Frankl explica a razão de sua sobrevivência: “Não há dúvida de que o amor-próprio, quando ancorado em áreas mais profundas, espirituais, não pode ser abalado por uma situação de tremendo sofrimento”.
Foi por isso que ele escreveu também o não menos famoso “A Presença Ignorada de Deus”.”
“Como é possível acomodar, em cada uma das três camas de tábua de um triliche, nove prisioneiros deitados de lado, um atrás do outro? (Qualquer metrô transporta, no horário de pico, no máximo 9,8 pessoas em pé por metro quadrado.)
Como é possível manter o organismo vivo com 300 gramas de pão e um litro de sopa por dia durante meses a fio?
Como é possível realizar trabalhos braçais ao relento, sem luvas e agasalhos apropriados, se o termômetro marca 20 graus abaixo de zero? Como é possível não explodir de raiva ao ver o capataz com luvas grossas e casaco de couro forrado de peles?
Como é possível ficar mais de trinta meses sem escrever e receber cartas?
Como é possível conviver, em barracos superlotados, com pessoas até então estranhas, de vários países da Europa, com idiomas e comportamentos diferentes e com profissões e níveis diversos? (Certa ocasião havia 1.100 prisioneiros numa cobertura que comportava, no máximo, duzentas pessoas.)
Como é possível suportar “a mais inconcebível falta de higiene” por causa do acúmulo de gente e da ausência ou escassez de vasos sanitários apropriados?
Como é possível continuar vivo apesar da saudade de pessoas, coisas e acontecimentos, dentro de um cercado de arame farpado, com fios de alta tensão, torres de vigia e holofotes acesos a noite inteira?
Como é possível não se desesperar por completo se, do lado de fora, em dois barracões, estão quatro grandes câmaras de gás venenoso e se quase todo o dia se vê a fumaça que sai da chaminé do forno crematório levando consigo as cinzas dos que ontem estavam no mesmo barracão?
Como é possível lidar com a sensação de estar andando atrás de seu próprio cadáver, de ser um cadáver vivo, de ser uma partícula numa massa de carne humana cercada por todos os lados?
Como é possível não ceder à tentação do suicídio, não satisfazer a vontade de “ir para o fio” (agarrar-se à cerca elétrica para morrer)?
Como é possível sujeitar-se à morosidade do tempo se, num campo de concentração, “um dia demora uma semana”?
Como é possível não perder a identidade própria depois de ser despojado de todos os documentos, de todos os bens e até de nome e sobrenome em troca de um mero e comprido número?
Como é possível não perder a autoestima sem ver o próprio rosto no espelho durante dois anos e meio?
O austríaco Viktor Emil Frankl, nascido em Viena cinco anos depois do século 19 e morto na mesma cidade três anos antes do século 21, conseguiu passar por cima de todos esses impossíveis. Antes de ser levado para o campo de concentração de Theresienstadt em setembro de 1942, Frankl, aos 37 anos, já tinha um doutorado em medicina e era um conhecido e respeitado neurologista e psiquiatra. Depois de passar por outros campos de concentração, inclusive Auschwitz, e ser libertado pelo exército americano em abril de 1945, Frankl tornou-se chefe do Departamento de Neurologia do Hospital Policlínico de Viena e doutorou-se em filosofia. Valendo-se de sua própria experiência, fundou a logoterapia, muitas vezes chamada de “terceira escola vienense de psicoterapia” (depois da psicanálise de Freud e da psicologia individual de Adler).
Em seu mais famoso livro (“Em Busca de Sentido”, com mais de 9 milhões de exemplares vendidos), Viktor Frankl explica a razão de sua sobrevivência: “Não há dúvida de que o amor-próprio, quando ancorado em áreas mais profundas, espirituais, não pode ser abalado por uma situação de tremendo sofrimento”.
Foi por isso que ele escreveu também o não menos famoso “A Presença Ignorada de Deus”.”
Elben Magalhães Lenz César foi o fundador da Editora Ultimato e redator da revista Ultimato até a sua morte, em outubro de 2016. Fundador do Centro Evangélico de Missões e pastor emérito da Igreja Presbiteriana de Viçosa (IPV), é autor de, entre outros, Por Que (Sempre) Faço o Que Não Quero?, Refeições Diárias com Jesus, Mochila nas Costas e Diário na Mão, Para (Melhor) Enfrentar o Sofrimento, Conversas com Lutero, Refeições Diárias com os Profetas Menores, A Pessoa Mais Importante do Mundo, História da Evangelização do Brasil e Práticas Devocionais. Foi casado por sessenta anos com Djanira Momesso César, com quem teve cinco filhas, dez netos e quatro bisnetos.
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