Opinião
- 24 de dezembro de 2020
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Celebração
Por Vanessa Belmonte
Qual é o papel das disciplinas espirituais na formação espiritual?
Ao falar de “disciplinas” estamos nos referindo a atividades realizadas ou escolhidas de maneira consciente, com o propósito de nos capacitar para aquilo que não conseguimos fazer por esforço direto. As disciplinas
espirituais são atividades desse tipo, especialmente relevantes para o crescimento na vida espiritual.
Se por exemplo, como acontece com a maioria das pessoas, descubro que sou incapaz por esforço direto de “abençoar os que me amaldiçoam”, de “orar sem cessar”, de abandonar a ira ou de não olhar com cobiça ou lascívia, então é minha responsabilidade encontrar uma forma de me treinar (sempre sob a graça e a orientação divina) de modo a ser capaz de fazer aquilo que não consigo simplesmente tentando no momento da necessidade.
“Vigiem e orem para que você não cedam à tentação”, foi o excelente conselho de Jesus a seus amigos exaustos, a fim de ajudar seu espírito disposto na luta contra a fraqueza de suas capacidades naturais (a carne) (Mateus 26:41). “Relembre continuamente os termos deste Livro da Lei. Medite nele dia e noite, para ter certeza de cumprir tudo que nele está escrito. Então você prosperará e terá sucesso em tudo que fizer” (Josué 1:8). Esses versículos incorporam a sabedoria das Escrituras de que precisamos tomar certas medidas para receber a assistência espiritual necessária e de que, em geral, essa assistência não será imposta ou infundida em nós enquanto permanecemos passivos.
A solitude e o silêncio, o jejum e a simplicidade, o estudo e a adoração, o serviço e a submissão — e outras práticas que cumprem os mesmos propósitos (não existe uma lista completa) — são, portanto, partes essenciais de qualquer programa confiável de formação espiritual. Devem constituir uma parcela considerável de nossa vida privada e de nossas relações com outros do corpo de Cristo. Essas atividades não nos proporcionam mérito, mas nos permitem receber de Deus aquilo que não seria concedido se permanecêssemos passivos. Não são retidão, mas sim, sabedoria.[1]
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A Disciplina Espiritual da Celebração
Agostinho disse que o cristão deveria ser um aleluia da cabeça aos pés!
Vemos que o anjo em Lucas 2:10 anunciou: “estou lhes trazendo boas novas de grande alegria, que são para todo o povo”. Jesus entrou no mundo com intenso júbilo e deixou sua alegria como herança para os discípulos: “tenho lhes dito essas palavras para que a minha alegria esteja em vocês e a alegria de vocês seja completa” em João 15:11.
As verdades do Evangelho e da nova vida que já vivemos hoje, devido à ressurreição de Jesus, nos oferecem muitos motivos de alegria — e um fundamento sólido da realidade. Porém, devido à forma com que vivemos nossos dias em meio à correria do trabalho, pressão por resultados e por fazer a vida dar certo, tendemos a experimentar a tristeza, a ansiedade e o cansaço — nos esquecemos do que realmente importa.
Segundo Richard Foster, a base da celebração é formada pela liberdade em relação à ansiedade e à preocupação. Pelo fato de sabermos que Deus se importa conosco, podemos lançar sobre ele todas as nossas preocupações. Além disso, também experimentamos sua bondade através de tudo o que ele nos dá todos os dias.[2]
Por isso, a celebração é o centro de todas as disciplinas espirituais. Sem um espírito alegre e confiante, as disciplinas ficam embotadas, transformam-se em ferramentas que exalam morte nas mãos dos fariseus modernos. Cada disciplina deve ser caracterizada pela alegria despreocupada e por um senso de ação de graças. A celebração traz alegria para a vida e a alegria nos fortalece.[2]
A alegria faz parte do fruto do Espírito, conforme Galatas 5:22. É como se a alegria fosse o motor que mantém tudo funcionando. Sem a celebração alegre infundindo-se nas outras disciplinas, mais cedo ou tarde, iremos abandoná-las.[2]
Dallas Willard considera que, embora ignorada e mal entendida, a celebração é uma das mais importantes disciplinas de engajamento. Se baseia na grandeza de Deus conforme revelada em sua bondade para conosco. Nós nos engajamos na celebração quando nos alegramos em nós mesmos, em nossa vida e no nosso mundo, em conjunto com nossa fé e confiança na grandeza, beleza e bondade de Deus.[3]
Assim, podemos dizer que a celebração é uma disciplina porque exige um ato de vontade e um esforço persistente para enxergar a vida como fundamentada no Amor. É o resultado de optarmos intencionalmente por uma forma de viver e de pensar que envolve dois aspectos.
O primeiro aspecto refere-se a confiar todas as nossas preocupações a Deus e não andarmos ansiosos por causa delas. Envolve a entrega do controle e a confiança na bondade de Deus. Quando confiamos em Deus, ficamos livres para receber o que ele nos dá com ações de graças e para depender inteiramente dele.
O segundo aspecto envolve nos concentrarmos em tudo que seja verdadeiro, nobre, correto, puro, amável e de boa fama, conforme Filipenses 4:8. A decisão de voltar a mente para as coisas mais elevadas da vida, ao invés dos problemas e frustrações, é um ato de vontade que influencia o jeito que enxergamos nossa vida. O natural é ficarmos remoendo os pensamentos destrutivos, imaginando cenários pessimistas, relembrando as discussões e respondendo mentalmente a diálogos imaginados. Se concentrar apenas no que está acontecendo e no que foi dito exige esforço. Responder a isso com o bem e não com o mal, também exige esforço.
Por isso, uma fé sadia é construída e mantida com a celebração da grandeza e bondade de Deus para conosco, mesmo em meio a sofrimentos. Pois confiamos nossas preocupações a ele e recebemos suas dádivas constantes, com ações de graças. Nos concentramos no bem que sustenta a realidade e se revela a nós, ao invés de nos concentrarmos no mal que sofremos e praticamos. Praticamos a confiança em Deus e a concentração em sua bondade através da disciplina da celebração.
E como celebramos? A celebração é uma disciplina comunitária que se manifesta através da música e dança, do riso e do testemunho das coisas que o Senhor tem feito por nós, da comida e dos amigos ao redor da mesa, da criatividade e da imaginação, das festas e datas especiais.
A celebração feita de coração torna nossas privações e tristezas pequenas; e nós encontramos nela grande força para fazer a vontade de nosso Deus, porque sua bondade se torna real para nós. Ela aponta para a realidade que sustenta o universo e nos faz dançar em segurança, enchendo cada canto do coração com alegria e nos dando coragem para enfrentar o mal, porque a alegria do Senhor é a nossa força.
Filipenses 4:4–9 diz: “Alegrem-se sempre no Senhor. Repito: alegrem-se! Que todos vejam que vocês são amáveis em tudo que fazem. Lembrem-se de que o Senhor virá em breve. Não vivam preocupados com coisa alguma; em vez disso, orem a Deus pedindo aquilo de que precisam e agradecendo-lhe por tudo que ele já fez. Então vocês experimentarão a paz de Deus, que excede todo entendimento e que guardará seu coração e sua mente em Cristo Jesus. Por fim, irmãos, concentrem-se em tudo que é verdadeiro, tudo que é nobre, tudo que é correto, tudo que é puro, tudo que é amável e tudo que é admirável. Pensem no que é excelente e digno de louvor. Continuem a praticar tudo que aprenderam e receberam de mim, tudo que ouviram de mim e me viram fazer. Então o Deus da paz estará com vocês.”
O amor é o alicerce da vida espiritual e a alegria é o elemento-chave da vida em Cristo. Alegria não é prazer, uma simples sensação, mas uma percepção profunda e constante de bem-estar. A alegria descansa na esperança da bondade de Deus. A alegria irá gerar em nós sentimentos positivos que irão tomar o lugar da amargura e da raiva, da ansiedade e do medo, mudando hábitos distorcidos de pensamento e sentimento.[4]
Oremos
Pai bondoso, abre nossos olhos para ver e desperta nosso ser para perceber a verdade que sustenta a realidade: que o seu amor dura para sempre, suas misericórdias não tem fim e grande é a sua fidelidade. Ajuda-nos a descansar nossos fardos preocupados e a despertar a alegria adormecida pelos problemas e pressões da vida. Que possamos praticar a disciplina da celebração enquanto caminhamos por vales escuros, como vislumbres da alegria que Cristo nos deixou e que um dia será perfeita. Amém.
Referências:
1. Dallas Willard. A Grande Omissão. São Paulo: Mundo Cristão, 2008. Essa pergunta está na página 108. (os itálicos estão no texto original)
2. Richard Foster. Celebração da disciplina. São Paulo: Editora Vida, 2007.
3. Dallas Willard. O Espírito das Disciplinas. Editora Habacuc, 2003.
4. Dallas Willard. A Grande Omissão. São Paulo: Mundo Cristão, 2008, p. 120–121.
• Vanessa Belmonte, pesquisadora e palestrante na área de hospitalidade e vida cristã, é coordenadora dos cursos on-line da ABC2, worker do L’Abri Brasil e membro da Igreja Esperança, em Belo Horizonte, MG.
>> Conheça o livro Práticas Devocionais, de Elben César
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