Opinião
- 26 de agosto de 2019
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Casamento, investimento e contrato
Por Jonathan Simões Freitas
Em certo sentido, casamento é um investimento.
Mais especificamente, uma fusão. Ambas as partes unem seus diversos tipos de dons, talentos e recursos, e os concentram em uma visão compartilhada. Obviamente, há a expectativa de obtenção de várias formas de retorno, especialmente no longo prazo. Como o horizonte de tempo é amplo e a caminhada inevitavelmente incerta, riscos são inerentes. Na essência, trata-se, de fato, de uma aposta. Alternativas existem e, ao serem fechadas, representam custos de oportunidade. Mesmo após escolher casar-se, um casal se vê diante de uma nova série de opções de vida, como numa complexa árvore de decisões. A existência de perdas e ganhos é constante; objetivos, restrições e parâmetros de referência são alterados no decorrer do processo. O que é visto como custo ou benefício também vai mudando. Os vértices dançam em um espaço de infinitas dimensões; não há algoritmo pré-estabelecido para percorrê-los. Regras têm de ser aprendidas; condições de contorno, alargadas; domínios, restringidos. O equilíbrio é dinâmico e a situação ótima só é encontrada quando os dois se veem no mesmo time.
Mas casamento é mais do que um investimento.
Na visão bíblica, casamento é graça de Deus; e “graça” é dom. Não uma recompensa devida, mas um presente imerecido. Não um retorno sobre o seu investimento, mas um investimento divino em você, a despeito da sua capacidade de Lhe dar retorno. Não uma honra ao mérito, mas uma dádiva que, pela generosidade, constrange. Não uma decisão da qual orgulhar-se, mas uma concessão pela qual agradecer.
Sendo o casamento essencialmente uma graça, você só o experimentará plenamente se recebê-lo como um presente. É só olhando para o alto e dizendo “graças” que você se encontrará na posição necessária para vê-lo corretamente. É só na abertura para o Eterno que você achará a chave para desdobrar essa nova história que se inicia no tempo. É só ao descobrir-se como um filho amado e perdoado por Deus que você estará em condições de não manter o registro das dívidas de sua esposa, mas de perdoar suas ofensas. Afinal, ninguém pode dar o que não recebeu. Somente ao receber o casamento como uma dádiva graciosa de Deus você estará apto para enxergá-lo, não como um fluxo de caixa, mas como um fluxo de amor, de Deus para a sua mulher, canalizado por você. Em qualquer outro caso, o casamento fica, literalmente, sem graça, pois a sua essência é perdida.
***
Em certo sentido, casamento é um contrato.
Há duas partes constituindo uma sociedade. Cada qual recebe novos direitos e deveres mútuos. Estipulações são estabelecidas a fim de conservar o acordo. Cláusulas delimitam condições para o bom andamento da relação de confiança proposta. A palavra de fidelidade dita e escrita atesta o compromisso. Testemunhas confirmam o ato e a ele se atrelam. Assinaturas dão fé quanto à promessa e cada novo dia tem de ser rubricado pelo casal. A autenticidade dos envolvidos é a base para a validação da união. O sangue derramado no leito consuma o ato conjugal. Sendo consumado nesse nível, há data e local de início, mas, quanto ao término, apenas a morte é autorizada a ocasionar. Qualquer outra intercorrência permanece dentro do foro íntimo do casal, devendo ser dirimida na comarca do amor prometido. Essa é a jurisprudência dos anéis trocados.
Mas casamento é mais do que um contrato.
Na visão bíblica, casamento é aliança; e “aliança” é um pacto. Não um instrumento para prevenir uma atitude oportunista por uma das partes, mas uma oportunidade em si, para ambos. Não um mediador da desconfiança entre os envolvidos, mas uma promessa de simétrica transparência, sin cera. Não uma ameaça do ônus que seria imposto no caso de quebra das regulamentações, mas a desistência do cálculo. Não uma parceria sob certas condições, mas um voto incondicional.
Sendo o casamento essencialmente uma aliança, você só o experimentará plenamente se recebê-lo como tal. É só se expondo à apresentação da História como o desenrolar da aliança de Deus com a sua criação que você perceberá a alegria escondida no chamado a refletir esse grande Casamento em nossas relações. É só ao abrir os olhos para o que significou o sacrifício de Jesus na cruz que você estará apta para apreender a dimensão de um pacto de sangue, como é o casamento. É só ao perceber-se convidada para uma aliança eterna com Deus, por meio de Jesus, que você estará em condições de vivenciar, não a lei matrimonial, mas o princípio que primeiro a inspirou. Afinal, como eu já disse, ninguém pode dar o que não recebeu. Somente ao receber o casamento como um sinal do tipo de relação que Deus deseja ter com os seus é que você estará apta para não ficar aprisionada à lógica de direitos e deveres, mas para lançar-se em aliança com o seu marido. Em qualquer outro caso, o casamento fica, literalmente, reduzido a partes, pois perde a indissolubilidade da união que o motiva.
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Que vocês vivam o casamento a três, definindo o relacionamento de vocês em relação a um relacionamento com Deus. Que, assim, abram-se as portas do mistério do matrimônio, o qual não podem experimentar os que o reduzem a somente um ímpeto emotivo ou um cálculo racional. Que vocês o vivenciem como uma expressão de fé, a partir da qual emoções e razões, investimentos e contratos, tornam-se graça e aliança.
São os meus votos.
Com amor.
[Carta escrita para um casal de amigos noivos: ele, engenheiro de produção; ela, advogada. Publicação feita originalmente no Medium. Uma versão resumida foi publicada na edição 365 da revista Ultimato.]
• Jonathan Simões Freitas é casado com Thalita e pai de Manuela. Gerencia a Associação Brasileira de Cristãos na Ciência (ABC²) e dá aulas no L’Abri Brasil.
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