Opinião
- 08 de fevereiro de 2024
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C. S. Lewis e a identidade cristã
Para C. S. Lewis a solução para as consequências letais do individualismo solitário e do coletivismo ideológico massificante é a vida cristã
Por Rosifran Macedo
Um tema muito debatido atualmente é a identidade. Por um lado, encontramos uma ênfase no individualismo com o discurso que cada um deve navegar no mar das ideias predominantes e criar sua própria identidade a partir de si mesmo. Neste sentido uma corrente define que nossos sentimentos constituem o nosso verdadeiro “self” e para ser “autêntico” é necessário sempre expressá-los.
Por outro lado, há os que defendem que a identidade individual está sempre ligada à comunidade1 , sendo atualmente a comunidade digital uma das maiores influenciadoras na construção da identidade. Vivendo numa sociedade tão polarizada, com polos antagônicos, somos forçados a definir nossa identidade nos identificando, obrigatoriamente, com um deles. Não há muito espaço para um pensamento independente dos opostos predominantes e somos forçados a “nos posicionarmos” entre os dois extremos. Se questionarmos a veracidade dos extremos nos encontraremos no calabouço dos discriminados sendo alvo de tiros dos dois lados.
Para C. S. Lewis a solução para as consequências letais do individualismo solitário e do coletivismo ideológico massificante é a vida cristã. “O cristão não é chamado ao individualismo, mas para ser membro do Corpo Místico. Uma consideração das diferenças entre o coletivismo secular e o Corpo Místico é, portanto, o primeiro passo para compreender como o Cristianismo, sem ser individualista, pode ainda contrariar o coletivismo.” 2
Segundo Lewis, a palavra “membro” é um termo de origem cristã que, na sociedade, foi esvaziado do seu significado bíblico. O uso atual de “membro de uma classe ou de um clube” se refere a unidades iguais dentro de um grupo, e é quase o oposto do significado paulino, que tem a ideia de “órgão”, partes “essencialmente diferentes e complementares entre si” que difere tanto na estrutura quanto na função. As diferenças reforçam a individualidade e geram a verdadeira unidade orgânica.
A sociedade na qual adentramos através do batismo não é uma coletividade, mas sim um Corpo, no qual o Cabeça é tão diferente dos seus membros que eles não partilham nenhuma qualidade com “Ele” exceto por analogia. Como criaturas somos “unidos” ao Criador, como mortais ao imortal, como pecadores redimidos ao Redentor impecável. A vida que derivamos da nossa união com Ele deve ser o fator dominante no nosso cotidiano e é, de fato, o que estabelece a nossa verdadeira “identidade”. Como disse Jesus:
“Eu sou a videira, vós, os ramos. Quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer” (Jo.15.5).
Lewis afirma: “O sacrifício da privacidade egoísta que diariamente nos é exigido, é diariamente recompensado cem vezes mais no verdadeiro crescimento da personalidade que a vida do Corpo encoraja. A obediência é o caminho para a liberdade, a humildade o caminho para o prazer, a unidade o caminho para a personalidade.” 3
A vida cristã defende a nossa identidade pessoal do coletivismo não por isolamento, mas ao nos dar, no corpo místico, um status de órgão, o qual é cósmico, eterno e partilha da imortalidade do Cabeça. Mas Lewis enfatiza que esta conquista gloriosa não nos é concedida como a “indivíduos em si,” mas sim porque a partilhamos com o Vencedor. E ela só é alcançada através da renúncia diária do “self” natural. Assim o cristianismo resolve a antítese entre o individualismo e o coletivismo, com uma personalidade eterna e inextinguível: “Por um lado, ele se opõe implacavelmente ao nosso individualismo natural; por outro lado, devolve àqueles que abandonam o individualismo a posse eterna do seu próprio ser pessoal, até mesmo dos seus corpos”.4
Lewis defende a ideia de que a “identidade pessoal” não é um ponto do qual iniciamos e que iremos desenvolvê-la de dentro para fora. A individualidade inicial é “apenas uma paródia, uma sombra desta”. A verdadeira identidade nos vai sendo dada ao assumirmos diariamente na vida da Igreja o lugar na “estrutura do cosmos eterno para o qual fomos desenhados”. Somos como um bloco de mármore sendo lapidados, ou como o metal sendo moldado, mas mesmo agora já temos uma noção do formato que estamos sendo trabalhados. O nosso valor individual e nossa identidade não estão em nós, mas os recebemos pela união em Cristo. Não adianta tentar ficar procurando um lugar no Templo Vivo que seja adequado às nossas características. Só teremos nossa verdadeira identidade quando formos moldados para ocupar o lugar preparado para nós, já há muito tempo. “Seremos pessoas verdadeiras, eternas e realmente divinas somente no Céu, assim como somos, mesmo agora, corpos coloridos somente quando estamos na luz” 5. Então, nos tornaremos a coluna no templo de Deus, descrita em Apocalipse 3.12:
“Farei do vencedor uma coluna no templo do meu Deus, de onde jamais sairá. Escreverei nele o Nome do meu Deus e... igualmente escreverei nele o meu novo Nome”.
E assim, “como órgãos do Corpo de Cristo, como pedras e pilares no Templo, temos a certeza da nossa identidade eterna e viveremos para nos lembrarmos das galáxias como um conto antigo.”
Notas
1. Timothy Keller, God’s Wisdom for Navigating Life, p.95.
2. C. S. Lewis, The Weight of Glory, p.163.
3. Ibid, p.167.
4. Ibid, p.172.
5. Ibid, p.174.
REVISTA ULTIMATO | DOENÇAS QUE FAZEM SOFRER TAMBÉM OS QUE CREEM
Todas as pessoas – também os que creem – correm o risco de adoecer mentalmente. Há multidões na igreja lutando com problemas de saúde mental. Felizmente, há esperança e ajuda: profissionais da saúde, recursos terapêuticos e medicamentos. Os cristãos podem contar ainda com a ajuda extraordinária de seu Deus. E a igreja deve proporcionar um espaço seguro para estes.
É disso que trata a matéria de capa da edição 405 da revista Ultimato. Para assinar, clique aqui.
Saiba mais:
» Surpreendido pela Alegria, C. S. Lewis
» Até que Tenhamos Rostos – A releitura de um mito, C. S. Lewis
» C. S. Lewis e o mito de que o novo é sempre melhor, por Rosifran Macedo
Por Rosifran Macedo
Um tema muito debatido atualmente é a identidade. Por um lado, encontramos uma ênfase no individualismo com o discurso que cada um deve navegar no mar das ideias predominantes e criar sua própria identidade a partir de si mesmo. Neste sentido uma corrente define que nossos sentimentos constituem o nosso verdadeiro “self” e para ser “autêntico” é necessário sempre expressá-los.
Por outro lado, há os que defendem que a identidade individual está sempre ligada à comunidade1 , sendo atualmente a comunidade digital uma das maiores influenciadoras na construção da identidade. Vivendo numa sociedade tão polarizada, com polos antagônicos, somos forçados a definir nossa identidade nos identificando, obrigatoriamente, com um deles. Não há muito espaço para um pensamento independente dos opostos predominantes e somos forçados a “nos posicionarmos” entre os dois extremos. Se questionarmos a veracidade dos extremos nos encontraremos no calabouço dos discriminados sendo alvo de tiros dos dois lados.
Para C. S. Lewis a solução para as consequências letais do individualismo solitário e do coletivismo ideológico massificante é a vida cristã. “O cristão não é chamado ao individualismo, mas para ser membro do Corpo Místico. Uma consideração das diferenças entre o coletivismo secular e o Corpo Místico é, portanto, o primeiro passo para compreender como o Cristianismo, sem ser individualista, pode ainda contrariar o coletivismo.” 2
Segundo Lewis, a palavra “membro” é um termo de origem cristã que, na sociedade, foi esvaziado do seu significado bíblico. O uso atual de “membro de uma classe ou de um clube” se refere a unidades iguais dentro de um grupo, e é quase o oposto do significado paulino, que tem a ideia de “órgão”, partes “essencialmente diferentes e complementares entre si” que difere tanto na estrutura quanto na função. As diferenças reforçam a individualidade e geram a verdadeira unidade orgânica.
A sociedade na qual adentramos através do batismo não é uma coletividade, mas sim um Corpo, no qual o Cabeça é tão diferente dos seus membros que eles não partilham nenhuma qualidade com “Ele” exceto por analogia. Como criaturas somos “unidos” ao Criador, como mortais ao imortal, como pecadores redimidos ao Redentor impecável. A vida que derivamos da nossa união com Ele deve ser o fator dominante no nosso cotidiano e é, de fato, o que estabelece a nossa verdadeira “identidade”. Como disse Jesus:
“Eu sou a videira, vós, os ramos. Quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer” (Jo.15.5).
Lewis afirma: “O sacrifício da privacidade egoísta que diariamente nos é exigido, é diariamente recompensado cem vezes mais no verdadeiro crescimento da personalidade que a vida do Corpo encoraja. A obediência é o caminho para a liberdade, a humildade o caminho para o prazer, a unidade o caminho para a personalidade.” 3
A vida cristã defende a nossa identidade pessoal do coletivismo não por isolamento, mas ao nos dar, no corpo místico, um status de órgão, o qual é cósmico, eterno e partilha da imortalidade do Cabeça. Mas Lewis enfatiza que esta conquista gloriosa não nos é concedida como a “indivíduos em si,” mas sim porque a partilhamos com o Vencedor. E ela só é alcançada através da renúncia diária do “self” natural. Assim o cristianismo resolve a antítese entre o individualismo e o coletivismo, com uma personalidade eterna e inextinguível: “Por um lado, ele se opõe implacavelmente ao nosso individualismo natural; por outro lado, devolve àqueles que abandonam o individualismo a posse eterna do seu próprio ser pessoal, até mesmo dos seus corpos”.4
Lewis defende a ideia de que a “identidade pessoal” não é um ponto do qual iniciamos e que iremos desenvolvê-la de dentro para fora. A individualidade inicial é “apenas uma paródia, uma sombra desta”. A verdadeira identidade nos vai sendo dada ao assumirmos diariamente na vida da Igreja o lugar na “estrutura do cosmos eterno para o qual fomos desenhados”. Somos como um bloco de mármore sendo lapidados, ou como o metal sendo moldado, mas mesmo agora já temos uma noção do formato que estamos sendo trabalhados. O nosso valor individual e nossa identidade não estão em nós, mas os recebemos pela união em Cristo. Não adianta tentar ficar procurando um lugar no Templo Vivo que seja adequado às nossas características. Só teremos nossa verdadeira identidade quando formos moldados para ocupar o lugar preparado para nós, já há muito tempo. “Seremos pessoas verdadeiras, eternas e realmente divinas somente no Céu, assim como somos, mesmo agora, corpos coloridos somente quando estamos na luz” 5. Então, nos tornaremos a coluna no templo de Deus, descrita em Apocalipse 3.12:
“Farei do vencedor uma coluna no templo do meu Deus, de onde jamais sairá. Escreverei nele o Nome do meu Deus e... igualmente escreverei nele o meu novo Nome”.
E assim, “como órgãos do Corpo de Cristo, como pedras e pilares no Templo, temos a certeza da nossa identidade eterna e viveremos para nos lembrarmos das galáxias como um conto antigo.”
Notas
1. Timothy Keller, God’s Wisdom for Navigating Life, p.95.
2. C. S. Lewis, The Weight of Glory, p.163.
3. Ibid, p.167.
4. Ibid, p.172.
5. Ibid, p.174.
- Rosifran Macedo é pastor presbiteriano, mestre em Novo Testamento pelo Biblical Theological Seminary (EUA). É missionário da Missão AMEM/WEC Brasil, onde foi diretor geral por nove anos. Atualmente, dedica-se, junto com sua esposa Alicia Macedo, em projetos de cuidado integral de missionários.
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Todas as pessoas – também os que creem – correm o risco de adoecer mentalmente. Há multidões na igreja lutando com problemas de saúde mental. Felizmente, há esperança e ajuda: profissionais da saúde, recursos terapêuticos e medicamentos. Os cristãos podem contar ainda com a ajuda extraordinária de seu Deus. E a igreja deve proporcionar um espaço seguro para estes.
É disso que trata a matéria de capa da edição 405 da revista Ultimato. Para assinar, clique aqui.
Saiba mais:
» Surpreendido pela Alegria, C. S. Lewis
» Até que Tenhamos Rostos – A releitura de um mito, C. S. Lewis
» C. S. Lewis e o mito de que o novo é sempre melhor, por Rosifran Macedo
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