Opinião
- 02 de abril de 2014
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Bonanza, Hercule Poirot e Literatura: desigrejando
O saudoso reverendo Antônio Elias, pastor fundador da Igreja Presbiteriana Betânia em Niterói, uma das mais influentes da IPB fluminense, segundo relato de familiares, costumava fechar seus exaustivos fins de semana pastorais assistindo a filmes e mais filmes de "bang-bang" no videocassete: a série Bonanza, James West, clássicos de western à italiana de Sergio Leone, estrelado por Clint Eastwood e bambas do gênero que marcou época. Lembram de títulos como "Por um punhado de dólares" (1964), "O dólar furado" (1965), "Era uma vez no oeste" (1968)? Seu argumento para um gosto televisivo e cinéfilo, no mínimo inusitado para alguém conhecido pelo zelo e dedicação diária à vida de oração, evangelização, aconselhamento espiritual, plantação de inúmeras igrejas-filhas, mentoria de novos líderes e pregação poderosa das Escrituras Sagradas: um pastor precisa "desigrejar". Dar (diária e semanalmente) um tempo, pensar outras coisas fora do esquema "gabinete-reuniões-planejamento-exegese-púlpito-visitação". Sua sanidade, integridade e família agradecem.
Eugene Peterson, outro ministro presbiteriano que me influencia e desconcerta, inspira e perturba, conta em entrevistas, artigos e em sua autobiografia ministerial, "Memórias de um pastor" (Mundo Cristão) que costumava “recarregar as baterias gastas em longas horas de trabalho no gabinete pastoral” - dedicando-se ao estudo da Bíblia com seriedade, aprofundando-se na ascese da oração sem pressa, transformadora, dando (e recebendo) direcionamento espiritual aos seus paroquianos da igreja que fundou e pastoreou por 29 anos, implementando programas e gerenciando comissões - com a leitura constante de romances policiais . Isso mesmo, histórias de detetive, assassinatos e intrincados tramas em torno de insuspeitos criminosos! O inspetor Hercule Poirot, personagem de muitas obras de Agatha Christie, por exemplo, ajuda a ... "desigrejar" ! Creio que nós, pastores de hoje, devíamos que acolher de bom grado esse conselho : "desigrejai-vos", um pouco, ó amados! Eu faço isso com a música, culinária e, especialmente, a Grande Literatura. Mas o que ouvir? O que ler?
Despretensiosamente, deixarei a primeira pergunta quanto a um repertório “desigrejante “para outro artigo, dado à vastidão apaixonante das possibilidades de exploração pelas vias da Graça Comum (eita doutrina desprezada, minha gente !) . O que ler? O próprio Peterson desenvolveu o conceito da Leitura Espiritual a partir da idéia e prática Monástica da Lectio Divina, um tipo de leitura da Palavra de Deus que envolve mais o coração devoto e piedoso do que a cabeça racional e exegética. É ler para deixar-se tocar pelo Espírito. Basicamente. Ler com os afetos. Ler para amar – não apenas para preparar (necessários) Sermões e Estudos Bíblicos de domingo. Mas, propõe o erudito mais contemplativo que conheci na vida, Peterson: “Leitura Espiritual é muito mais uma questão do COMO, não tanto do QUE lemos.” Nos autores canônicos (se me permitem) da nossa Literatura, eu diria Guimarães Rosa ! Graciliano Ramos! Adélia Prado! Paulo Mendes Campos! (desses dois últimos, especialmente a poesia , grandiosa). Leiam os nossos clássicos, colegas de púlpito! Permitam que sua imaginação pastoral seja amparada pela força da ironia e conhecimento psicológico de Machado de Assis! Sejam contagiados pelo respeito pela palavra de Vieira, Euclides da Cunha e tantos outros. Sejam despertos do sono das frases ocas, (mal) feitas , vícios homiléticos, muletas retóricas - e quanto menor o argumento, por exemplo, tanto maior é o volume de voz usado - pelo transbordamento metafórico de Cecília Meireles, Manoel de Barros, Carlos Drummond de Andrade. Paulo Apóstolo, no seu sermão célebre no Areópago, demonstrou conhecer (e bem) os poetas gregos importantes. E você, caro pastor/pregador , cuja paróquia é a Atenas pós-moderna dos nossos dias midiáticos, obcecados com diversão e dispersão, tão profundos como um pires ?
...
Mas não apenas os clássicos da literatura brasileira e de língua portuguesa. Aliás, diz Ítalo Calvino, “clássico é todo texto que tem algo a dizer a cada nova geração. Penso , obviamente, nos clássicos/básicos da teologia cristã: os escritos patrísticos fundamentais - base substancial do pensamento cristão, Agostinho e suas Confissões , Cidade de Deus, Sobre a Trindade, Aquino , na sua Summa Teologica, Calvino e sua obra monumental, As Institutas e toda um mundo de pensamento reformado : Kuyper, por exemplo, é notória coluna; tesouros devocionais como as obras de Teresa de Ávila, a jóia preciosa de Thomas à Kempis, A imitação de Cristo , assim como A prática de presença de Deus, do Irmão Lourenço , os Exercícios Espirituais de Loyola e o diário de Fox ( e os mais recentes Henri Nouwen, Thomas Merton, Richard Foster, James Houston , Dallas Willard ) ... e o que direi de Pascal (Pensamentos), Bunyan (O peregrino), Barth (Epistola aos Romanos ) , os comentários de Lutero, os sermões de Bernardo de Claraval, os poemas de João da Cruz e as reflexões de Kierkegaard? Ou ainda O pastor aprovado, de Richard Baxter e outras preciosidades puritanas? Ah, quanta coisa para ler, ler e reler! Penso também na (minha insaciável) necessidade de ler sem pressa, aprendendo com ingleses que tanto amo : G. K. Chesterton, C. S. Lewis, John Stott , J. I. Parker, N. T. Wright e Alister McGrath.
E há romancistas e poetas cristãos (em geral , católicos – cadê os grandes protestantes e evangélicos ? ) como Dostoievsky , John Donne , Gerard Manley Hopkins , Lucy Shaw, T. S. Eliot e W. H. Auden. Minha imaginação (e não apenas a minha dogmática cristã) agradecem a ajuda que me concedem para que eu não me atole na areia movediça do jargão religioso barato e do mero ofício religioso. Concordo com a lúcida observação de Eugene Peterson: “ um romance religioso é menos sobre uma experiência religiosa – é muito mais uma obra cuja leitura é uma experiência religiosa”.
Enfim, amigos, pastorear é um trabalho difícil embora criativo. É por isso que afastar-se um pouco, respirar, prestar atenção na Criação, rir, brincar com um a criança, fazer algo com as mãos (nem que seja arrumar o sótão, mexer um pouco num jardim, sei lá) ajuda. "Desigrejar" nos ajuda a servir mais e melhor a Deus e à sua igreja, com amor e alegria renovados. Elias e Peterson que o digam.
Eugene Peterson, outro ministro presbiteriano que me influencia e desconcerta, inspira e perturba, conta em entrevistas, artigos e em sua autobiografia ministerial, "Memórias de um pastor" (Mundo Cristão) que costumava “recarregar as baterias gastas em longas horas de trabalho no gabinete pastoral” - dedicando-se ao estudo da Bíblia com seriedade, aprofundando-se na ascese da oração sem pressa, transformadora, dando (e recebendo) direcionamento espiritual aos seus paroquianos da igreja que fundou e pastoreou por 29 anos, implementando programas e gerenciando comissões - com a leitura constante de romances policiais . Isso mesmo, histórias de detetive, assassinatos e intrincados tramas em torno de insuspeitos criminosos! O inspetor Hercule Poirot, personagem de muitas obras de Agatha Christie, por exemplo, ajuda a ... "desigrejar" ! Creio que nós, pastores de hoje, devíamos que acolher de bom grado esse conselho : "desigrejai-vos", um pouco, ó amados! Eu faço isso com a música, culinária e, especialmente, a Grande Literatura. Mas o que ouvir? O que ler?
Despretensiosamente, deixarei a primeira pergunta quanto a um repertório “desigrejante “para outro artigo, dado à vastidão apaixonante das possibilidades de exploração pelas vias da Graça Comum (eita doutrina desprezada, minha gente !) . O que ler? O próprio Peterson desenvolveu o conceito da Leitura Espiritual a partir da idéia e prática Monástica da Lectio Divina, um tipo de leitura da Palavra de Deus que envolve mais o coração devoto e piedoso do que a cabeça racional e exegética. É ler para deixar-se tocar pelo Espírito. Basicamente. Ler com os afetos. Ler para amar – não apenas para preparar (necessários) Sermões e Estudos Bíblicos de domingo. Mas, propõe o erudito mais contemplativo que conheci na vida, Peterson: “Leitura Espiritual é muito mais uma questão do COMO, não tanto do QUE lemos.” Nos autores canônicos (se me permitem) da nossa Literatura, eu diria Guimarães Rosa ! Graciliano Ramos! Adélia Prado! Paulo Mendes Campos! (desses dois últimos, especialmente a poesia , grandiosa). Leiam os nossos clássicos, colegas de púlpito! Permitam que sua imaginação pastoral seja amparada pela força da ironia e conhecimento psicológico de Machado de Assis! Sejam contagiados pelo respeito pela palavra de Vieira, Euclides da Cunha e tantos outros. Sejam despertos do sono das frases ocas, (mal) feitas , vícios homiléticos, muletas retóricas - e quanto menor o argumento, por exemplo, tanto maior é o volume de voz usado - pelo transbordamento metafórico de Cecília Meireles, Manoel de Barros, Carlos Drummond de Andrade. Paulo Apóstolo, no seu sermão célebre no Areópago, demonstrou conhecer (e bem) os poetas gregos importantes. E você, caro pastor/pregador , cuja paróquia é a Atenas pós-moderna dos nossos dias midiáticos, obcecados com diversão e dispersão, tão profundos como um pires ?
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Mas não apenas os clássicos da literatura brasileira e de língua portuguesa. Aliás, diz Ítalo Calvino, “clássico é todo texto que tem algo a dizer a cada nova geração. Penso , obviamente, nos clássicos/básicos da teologia cristã: os escritos patrísticos fundamentais - base substancial do pensamento cristão, Agostinho e suas Confissões , Cidade de Deus, Sobre a Trindade, Aquino , na sua Summa Teologica, Calvino e sua obra monumental, As Institutas e toda um mundo de pensamento reformado : Kuyper, por exemplo, é notória coluna; tesouros devocionais como as obras de Teresa de Ávila, a jóia preciosa de Thomas à Kempis, A imitação de Cristo , assim como A prática de presença de Deus, do Irmão Lourenço , os Exercícios Espirituais de Loyola e o diário de Fox ( e os mais recentes Henri Nouwen, Thomas Merton, Richard Foster, James Houston , Dallas Willard ) ... e o que direi de Pascal (Pensamentos), Bunyan (O peregrino), Barth (Epistola aos Romanos ) , os comentários de Lutero, os sermões de Bernardo de Claraval, os poemas de João da Cruz e as reflexões de Kierkegaard? Ou ainda O pastor aprovado, de Richard Baxter e outras preciosidades puritanas? Ah, quanta coisa para ler, ler e reler! Penso também na (minha insaciável) necessidade de ler sem pressa, aprendendo com ingleses que tanto amo : G. K. Chesterton, C. S. Lewis, John Stott , J. I. Parker, N. T. Wright e Alister McGrath.
E há romancistas e poetas cristãos (em geral , católicos – cadê os grandes protestantes e evangélicos ? ) como Dostoievsky , John Donne , Gerard Manley Hopkins , Lucy Shaw, T. S. Eliot e W. H. Auden. Minha imaginação (e não apenas a minha dogmática cristã) agradecem a ajuda que me concedem para que eu não me atole na areia movediça do jargão religioso barato e do mero ofício religioso. Concordo com a lúcida observação de Eugene Peterson: “ um romance religioso é menos sobre uma experiência religiosa – é muito mais uma obra cuja leitura é uma experiência religiosa”.
Enfim, amigos, pastorear é um trabalho difícil embora criativo. É por isso que afastar-se um pouco, respirar, prestar atenção na Criação, rir, brincar com um a criança, fazer algo com as mãos (nem que seja arrumar o sótão, mexer um pouco num jardim, sei lá) ajuda. "Desigrejar" nos ajuda a servir mais e melhor a Deus e à sua igreja, com amor e alegria renovados. Elias e Peterson que o digam.
Gerson Borges, casado com Rosana Márcia e pai de Bernardo e Pablo, pastoreia a Comunidade de Jesus no ABCD Paulista. É autor de Ser Evangélico sem Deixar de Ser Brasileiro, cantor, compositor e escritor, licenciado em letras e graduando em psicologia.
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