Opinião
- 11 de novembro de 2013
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Bíblias falsas, palavra verdadeira
A Sociedade Bíblica Britânica procedeu a uma significativa distribuição de Bíblias em Portugal no século 19. Esta ação provocou reações diversas e extremas por parte de segmentos da sociedade. Portugal foi um dos países onde o aparelho inquisitorial havia sido dos mais efetivos no período moderno, como na Espanha vizinha. E uma das funções da Inquisição era a vigilância, a captura, o julgamento e a punição de hereges de todo tipo, sobretudo os protestantes. Embora oficialmente a Inquisição portuguesa tivesse terminado em 1821, sua mentalidade permanecia.
O luso-catolicismo secular era arraigado nas tradições familiares, nos rituais, nas festas, nas procissões e nas romarias. O clero estava organizado sob o pensamento ultramontano conservador, contra os ventos da modernidade e do liberalismo. A sua força conflitava com as reformas liberais desde o Marquês de Pombal, a Revolução do Porto em 1820 e a retomada do poder por Dom Pedro IV - o nosso Pedro I - em 1834, com o exílio de seu irmão Dom Miguel.
Numa estratégia de mercado, e ao mesmo tempo amparada pelos acordos comerciais entre Inglaterra e Portugal, a Sociedade Bíblica Britânica introduziu suas Bíblias a partir das cidades de Lisboa e do Porto, espalhando-as por todo o país, com preços muito baratos. O crescimento de leitores de classe média favoreceu a expansão de um mercado editorial, possibilitando a impressão em maiores escalas de livros e de Bíblias. As camadas mais empobrecidas, na quase absoluta maioria, iletradas, tinham alguma chance de adquirir um exemplar, até mesmo de graça.
Na cidade de Braga, o jornal “O Primaz”, de postura liberal, crítico ao bispo da cidade, mas fiel às tradições católicas, noticiou e discutiu acerca das “Bíblias protestantes”. A veemente oposição se dava por causa da suposta ameaça à religião oficial que deveria ser protegida e garantida pelo governo. O periódico procurou deslegitimá-las usando os argumentos de que não tinham o número completo de livros e a tradução era suspeita. Ainda outro periódico, o jornal “O Bracarense”, publicou em 5 de maio de 1866 a seguinte nota:
"Biblias falsas. Circulam por ahi biblias falsas, sob a mais lisongeira apparencia. Muito ..., muito esmeradas, e muito bem encadernadas por um cruzado! Dizem no frontispício serem tradução do padre Antonio Pereira de Figueiredo, mas é uma tradução totalmente corrompida e viciada e faltam-lhe alguns livros essenciaes tanto do antigo como do N. T. A typographia é a Universal, da rua dos Calafates, de Lisboa. Este veneno, desenganem-se, não produz effeito algum. A população de Braga felizmente está bem prevenida contra os esforços do protestantismo. É porém do dever da auctoridade vigiar por isto, e do novo avisar os incautos para que se não deixem illudir."
O “veneno”, entretanto, havia se disseminado. O “O Primaz” dizia que alguns protestantes, “sinceros e miseráveis apóstatas”, “entre os quais se conta algum cônego e professores de seminários católicos”, “se venderam por um punhado de libras” (Edição de 8/1/1867). Um “passador de Bíblias” que percorreu as cidades de Porto, Braga e Guimarães, fora preso e impedido de atuar, vender e distribuir, depois de ver seu material apreendido. Certamente, era um colportor missionário protestante enviado por alguma igreja, agência missionária ou a própria Sociedade Bíblica.
Em mais uma estratégia, a Sociedade Bíblica de Londres utilizou a tradução do Padre Antonio Pereira de Figueiredo. Além disso, a sua distribuição estava protegida pela portaria de Antonio Bernardo da Costa Cabral, o Marquês de Tomar, de 17 de outubro de 1842. O Partido Liberal e alguns periódicos como o “Campeão das Províncias” e “O Portuguez” não reconheceram serem falsas as Bíblias, e condenaram a queima pública de Bíblias na cidade de Covilhã, num “auto de fé” semelhante aos tempos da Santa Inquisição.
Foram tempos de intolerância e de disputas pela Bíblia verdadeira. A Palavra de Deus, porém, era algo raro, com poucas Bíblias e pregadores. Hoje também são tempos de intolerâncias, as Bíblias e os pregadores são muitos, disputando fatias do mercado religioso. Mas a Palavra continua sendo rara (1 Sm 3.1).
Fontes:
SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal (1832-1851). 2 ed. Lisboa: Ed. Verbo, 1985.
Jornais: “O Bracarense” e “O Primaz”.
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Numa estratégia de mercado, e ao mesmo tempo amparada pelos acordos comerciais entre Inglaterra e Portugal, a Sociedade Bíblica Britânica introduziu suas Bíblias a partir das cidades de Lisboa e do Porto, espalhando-as por todo o país, com preços muito baratos. O crescimento de leitores de classe média favoreceu a expansão de um mercado editorial, possibilitando a impressão em maiores escalas de livros e de Bíblias. As camadas mais empobrecidas, na quase absoluta maioria, iletradas, tinham alguma chance de adquirir um exemplar, até mesmo de graça.
Na cidade de Braga, o jornal “O Primaz”, de postura liberal, crítico ao bispo da cidade, mas fiel às tradições católicas, noticiou e discutiu acerca das “Bíblias protestantes”. A veemente oposição se dava por causa da suposta ameaça à religião oficial que deveria ser protegida e garantida pelo governo. O periódico procurou deslegitimá-las usando os argumentos de que não tinham o número completo de livros e a tradução era suspeita. Ainda outro periódico, o jornal “O Bracarense”, publicou em 5 de maio de 1866 a seguinte nota:
"Biblias falsas. Circulam por ahi biblias falsas, sob a mais lisongeira apparencia. Muito ..., muito esmeradas, e muito bem encadernadas por um cruzado! Dizem no frontispício serem tradução do padre Antonio Pereira de Figueiredo, mas é uma tradução totalmente corrompida e viciada e faltam-lhe alguns livros essenciaes tanto do antigo como do N. T. A typographia é a Universal, da rua dos Calafates, de Lisboa. Este veneno, desenganem-se, não produz effeito algum. A população de Braga felizmente está bem prevenida contra os esforços do protestantismo. É porém do dever da auctoridade vigiar por isto, e do novo avisar os incautos para que se não deixem illudir."
O “veneno”, entretanto, havia se disseminado. O “O Primaz” dizia que alguns protestantes, “sinceros e miseráveis apóstatas”, “entre os quais se conta algum cônego e professores de seminários católicos”, “se venderam por um punhado de libras” (Edição de 8/1/1867). Um “passador de Bíblias” que percorreu as cidades de Porto, Braga e Guimarães, fora preso e impedido de atuar, vender e distribuir, depois de ver seu material apreendido. Certamente, era um colportor missionário protestante enviado por alguma igreja, agência missionária ou a própria Sociedade Bíblica.
Em mais uma estratégia, a Sociedade Bíblica de Londres utilizou a tradução do Padre Antonio Pereira de Figueiredo. Além disso, a sua distribuição estava protegida pela portaria de Antonio Bernardo da Costa Cabral, o Marquês de Tomar, de 17 de outubro de 1842. O Partido Liberal e alguns periódicos como o “Campeão das Províncias” e “O Portuguez” não reconheceram serem falsas as Bíblias, e condenaram a queima pública de Bíblias na cidade de Covilhã, num “auto de fé” semelhante aos tempos da Santa Inquisição.
Foram tempos de intolerância e de disputas pela Bíblia verdadeira. A Palavra de Deus, porém, era algo raro, com poucas Bíblias e pregadores. Hoje também são tempos de intolerâncias, as Bíblias e os pregadores são muitos, disputando fatias do mercado religioso. Mas a Palavra continua sendo rara (1 Sm 3.1).
Fontes:
SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal (1832-1851). 2 ed. Lisboa: Ed. Verbo, 1985.
Jornais: “O Bracarense” e “O Primaz”.
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Lyndon de Araújo Santos é historiador, professor universitário e pastor da Igreja Evangélica Congregacional em São Luís, MA. Faz parte da Fraternidade Teológica Latino-americana - Setor Brasil (FTL-Br).
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