Opinião
- 23 de novembro de 2018
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Bíblia como literatura. Alguns exemplos
Por João Leonel
No texto anterior (Bíblia como literatura?) introduzi o tema da abordagem literária da Bíblia e argumentei em prol de sua validade para a interpretação. Neste apresentarei dois Josés bíblicos como exemplos práticos que, penso, permitirão reconhecer a relevância da leitura literária da Bíblia. Analisarei aspectos relativos às estratégias do narrador e à construção de personagens.
José, esposo de Maria
No texto anterior (Bíblia como literatura?) introduzi o tema da abordagem literária da Bíblia e argumentei em prol de sua validade para a interpretação. Neste apresentarei dois Josés bíblicos como exemplos práticos que, penso, permitirão reconhecer a relevância da leitura literária da Bíblia. Analisarei aspectos relativos às estratégias do narrador e à construção de personagens.
José, esposo de Maria
Na cena em que José descobre que Maria está grávida e resolve abandoná-la por não querer denunciá-la como adúltera, há uma espécie de nota de rodapé: “sendo justo” (Mt 1.19). Tal informação é trazida pelo narrador ao leitor.
Ela funciona como uma chave de leitura para nós, indicando que tudo quanto José fará, seja a intenção de deixar secretamente a esposa para não expô-la, e depois a mudança de plano em virtude da revelação do anjo (1.20), demonstra o tipo de justiça que orienta sua vida. José é apresentado antecipadamente como um exemplo de justo ao leitor. Dessa forma, o narrador já está nos preparando para o desenvolvimento da justiça que aparecerá no evangelho de Mateus e que será um dos eixos centrais desse evangelho.
Quando Jesus afirma que se a nossa “justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entraremos no reino dos céus” (Mt 5.20) ele não está se referindo a um cumprimento ainda mais rigoroso da lei por parte de seus discípulos, mas a uma justiça que ama o próximo e empenha-se em fazer o melhor para ele, como José em relação a Maria.
José do Egito
José, filho de Jacó, normalmente é visto a partir de sua fé e fidelidade a Deus. É importante notar, entretanto, que a narrativa em Gênesis nem sempre o apresenta dessa forma. Há um processo de desenvolvimento desse personagem bíblico.
Inicialmente, José é descrito como o irmão menor que denuncia os demais aos pais (Gn 37.2). A tensão com os irmãos aumenta com a informação de que ele era o preferido de Jacó (Gn 37.3a), que não fazia questão de esconder sua predileção, demonstrada a partir de uma túnica chique presenteada ao filho (Gn 37.3b).
Resultado? Os irmãos o odiavam (Gn 37.4). Odiaram ainda mais (Gn 37.5) quando José, insensível à situação conflituosa que se intensificava, e provavelmente com uma ponta de vaidade, descreve aos irmãos um sonho no qual eles, representados por feixes, se inclinavam diante do feixe de José (Gn 37.7). Gota d’água é o relato de outro sonho, sem disfarçar o orgulho, no qual sol, lua e onze estrelas se curvam diante dele. Os irmãos, obviamente, interpretaram como sendo pai, mãe e eles próprios.
Como consequência, os irmãos de José resolvem matá-lo, não executando o plano por interferência de Ruben. Decidem, então, vendê-lo aos midianitas (Gn 37.20-22,28). Começa, então, a saga de sofrimento que culminará na exaltação final de José.
Quando, já governador do Egito, os irmãos se apresentam a ele sem o reconhecerem, José age de forma ríspida e vingativa, lembrando-se dos sonhos que tivera. Para ele, a situação confirmava os sonhos de outrora. Por isso, trata-os como espiões e os prende (Gn 42.9,15).
José estava preocupado apenas com seu irmão de sangue, Benjamim (Gn 42.15), e com o pai (Gn 43.27). Para trazê-los ao Egito usa uma série de estratagemas e armadilhas que humilham os demais irmãos. Somente ao final José revela sua identidade e perdoa os irmãos, reconhecendo que Deus o usou para preservar a família (Gn 45.3-8).
Para a adequada compreensão do personagem José é necessário observar como ele se desenvolve na narrativa, iniciando como o irmão mais novo arrogante que se torna, ao final, o salvador de sua família.
O espaço deste texto não permite maiores desenvolvimentos. Para outras informações e textos acadêmicos, sugiro o site do grupo de pesquisa que coordeno: Bíblia e literatura.
Nota: 1. A verão bíblica utilizada é a de João Ferreira de Almeida, revista e atualizada, 2. ed. 1993.
Nota: 1. A verão bíblica utilizada é a de João Ferreira de Almeida, revista e atualizada, 2. ed. 1993.
• João Leonel é graduado em Teologia e Letras. Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Doutor em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Pós-doutor em História da Leitura pela Universidade Nova de Lisboa, Portugal. Professor no Seminário Presbiteriano do Sul, Campinas (SP), e na graduação e pós-graduação em Letras, Universidade Presbiteriana Mackenzie, SP. É autor dos e-books Perguntas de Quem Sofre: uma leitura do Livro de Jó, Apocalipse para Hoje: aplicação e atualidade da Revelação e, em parceria com Gladir Cabral, O Menino e o Reino: meditações diárias para o Natal, todos pela Editora Ultimato.
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