Opinião
- 07 de junho de 2023
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Avivamento em Asbury – não foi o único e tem implicações
Entrevista: Craig Keener, professor do Seminário Teológico Asbury
Por Davi Bastos e Marcos Bontempo
Em fevereiro de 2023 milhares de pessoas se reuniram na Universidade Asbury para participar de um culto ininterrupto no auditório da universidade. Na ocasião, Ultimato procurou alguns professores do Seminário Teológico Asbury, em frente à Universidade, para comentar o ocorrido. O professor Craig Keener - que estará no Brasil de 20 a 22 de julho na Conferência “Mulheres e as Escrituras: resgatando a visão bíblica”, da CBE International - respondeu nossas perguntas. Embora o ocorrido em Asbury não esteja mais na boca do povo, sem dúvida o impacto da ação do Espírito naqueles dias permanece abençoando a Igreja.
Houve muita discussão sobre o que aconteceu em Asbury. Uma das discussões foi sobre que tipo de fenômeno ocorreu e como classificá-lo: um avivamento, uma renovação, um despertamento, um derramamento...
Craig Keener: Devo deixar claro desde o início que, embora eu tenha vivenciado o derramamento, não fui um dos líderes e não trabalho na universidade; sou professor no seminário do outro lado da rua. Mas, tendo dito isso, posso compartilhar minhas impressões. A nomenclatura importa menos do que o que aconteceu. Certamente se encaixa no modelo bíblico de um derramamento (algumas das outras classificações são termos pós-bíblicos, então as pessoas os usam de várias maneiras).
Na sua opinião, o que aconteceu na Universidade Asbury foi algo ordinário ou extraordinário? Natural ou sobrenatural?
Craig Keener: A linha entre o ordinário e o extraordinário, ou o natural e o sobrenatural, nem sempre é fácil de discernir. Êxodo 14 diz que Deus separou o mar com um forte vento leste. Ele usou algo natural para realizar algo sobrenatural. Deus estabeleceu toda a criação para funcionar de maneira "ordinária" (embora o design seja sobrenatural), mas às vezes Deus realiza eventos extraordinários que não se encaixam nos padrões ordinários do jeito que ele estabeleceu sua criação para funcionar. No entanto, como o Espírito de Deus não foi criado, toda vez que o Espírito Santo regenera um coração humano ou nos capacita para o ministério, isso é realmente sobrenatural! No caso desse derramamento, os adoradores apenas sentiram-se abismados pelo Espírito de Deus e continuaram adorando. Depois de um tempo, a presença de Deus – embora sempre conosco – foi manifesta de forma tão palpável que as pessoas estavam conscientes de Deus e de sua santidade de uma maneira especial, e em maravilhamento diante dele de uma maneira especial. Muitas pessoas conheceram Jesus pela primeira vez e outras consagraram sua vida para o serviço a ele.
No Brasil, muitos evangélicos acompanharam o que estava acontecendo em Asbury e discutiram a respeito do que acompanharam ao vivo nas redes sociais. Na sua opinião, Asbury vivenciou um avivamento?
Craig Keener: O tipo de efusão que ocorreu em Asbury acontece em muitos lugares do mundo. Eu já experimentei efusões em alguns desses lugares antes, embora não por duas semanas seguidas. Mas a comunidade de Asbury certamente precisava desse toque do Espírito Santo. As pessoas estavam famintas e orando por isso há muitos anos, mas, quando aconteceu, foi espontâneo e inesperado. As pessoas não estavam preparadas e tiveram que trabalhar rapidamente na logística. O que foi mais inesperado foi a ampla atenção recebida: a mídia começou a cobrir, e então milhares de pessoas de fora começaram a vir. Nós os acolhemos, mas a maioria de nós não os estava convidando deliberadamente, reconhecendo que a presença de Deus está disponível em qualquer lugar. Muitos jovens que vieram nunca tinham experimentado derramamentos como esse e foram profundamente tocados. Muitos dos alunos do campus de Asbury disseram que nunca mais serão os mesmos. O título "avivamento" foi aplicado a efusões que duraram anos, bem como a algumas que duraram apenas uma semana ou algumas semanas. Um dos principais eventos no Segundo Grande Despertar nos Estados Unidos, que durou décadas, em 1801 foi uma reunião interdenominacional de "avivamento" que ocorreu ao longo de uma semana. O que é chamado de Avivamento da rua Azusa durou alguns anos. Alguns avivamentos foram entre calvinistas (como o Avivamento de Hebrides e o Avivamento do Timor Ocidental, de 1965); outros entre wesleyanos (como na maior parte do Segundo Grande Despertar nos Estados Unidos). A maioria começou entre os humildes ou os quebrantados, como os mineiros no Avivamento Galês ou os estudantes nigerianos após o sofrimento da Guerra de Biafra. Alguns eventos que chamamos de avivamentos trouxeram muitos perdidos diretamente, enquanto outros concentraram-se em capacitar os cristãos a evangelizar mais pessoas a longo prazo. Uma característica comum de todos esses eventos, no entanto, é o trabalho do Espírito transformando corações e vidas, fazendo-nos reconhecer a presença de Deus e andar no temor do Senhor.
Há pessoas que são muito atraídas pelo sobrenatural. Quão altos são os riscos de se concentrar muito nos milagres e muito pouco no Operador dos Milagres? Você teria algum conselho para aqueles que enfrentam essa tentação?
Craig Keener: No Novo Testamento, os milagres são destinados a suprir necessidades reais e a chamar a atenção das pessoas para Jesus. Em João 6, Jesus critica aqueles que apenas querem que ele lhes dê mais comida de graça, mas que não compreendem o ponto do sinal que aponta para ele mesmo. Em Atos 14, Deus testemunha a mensagem da graça por meio de sinais e maravilhas; alguns respondem crendo na mensagem, enquanto outros respondem perseguindo os apóstolos! Os sinais chamam a atenção, mas a resposta correta a eles é abraçar a boa notícia para a qual chamam a atenção. A mensagem da cruz nos lembra que Deus está trabalhando para realizar seus propósitos, mesmo quando a injustiça e o mal parecem ter prevalecido. Os milagres funcionam como um antegozo do futuro reino; eles nos lembram que Deus não se esqueceu de sua promessa de um mundo novo no futuro, mesmo em meio a este mundo quebrado. Eles nem sempre acontecem quando queremos, mas qualquer coisa que Deus faça por alguém neste mundo pode nos lembrar de confiar que seus planos finais se cumprirão.
O que mais chamou a sua atenção nos eventos em Asbury? O que mais falou ao seu coração?
Craig Keener: Eu fiquei muito grato por ver Deus tocando esta nova geração de maneiras que alguns deles nunca tinham experimentado antes. Pessoalmente, fui também tocado ao ver Deus responder a anos de oração de uma forma que não poderíamos ter planejado ou imaginado. Durante a primeira semana, tentei ajudar da maneira que pude, mas também estava andando por aí um tanto atordoado. Eu estive orando por isso, mas não esperava, pelo menos não dessa forma ou magnitude! Isso realmente lembrou-me que nossas orações não são em vão e que Deus é mais fiel do que nós! Algo muito bonito foi a completa unidade interdenominacional. Não se tratava de nenhuma celebridade, exceto Jesus, e quando foi necessário um espaço extra, as igrejas locais mais próximas (batista, igreja cristã e metodista/vineyard) abriram suas portas.
Muitas pessoas de todo o mundo foram ao local para ver com seus próprios olhos e sentir com seus próprios corações. O que você pensa sobre esse intenso movimento em direção a Asbury? Isso é saudável para a comunidade cristã? De que maneira poderia ser um equívoco?
Craig Keener: Os líderes de adoração em Asbury enfatizaram um ethos de "humildade radical", para manter o foco em Deus. Eles não quiseram dizer os nomes das pessoas que trouxeram as ministrações. Eles insistiram que toda a honra é para Deus. Muitos que vieram estavam desesperados pelo toque de Deus; aqueles que eu conheço que estavam orando com os visitantes relataram desesperança e muitas respostas a orações. Parte do ethos era que não deveria ser sobre Asbury, e, sim, sobre o Senhor. As pessoas foram até Asbury por causa de relatos generalizados da mídia, não porque Asbury disse: "Venham para cá". Deus está disponível para as pessoas em suas próprias orações ou igrejas, e Asbury eventualmente tentou encerrar a fase pública em parte para que não fosse sobre Asbury, mas sobre o Senhor.
Igrejas históricas protestantes, assim como universidades protestantes, sempre enfatizaram a qualidade em primeiro lugar, em detrimento da quantidade. Seria correto medir ou avaliar a ação de Deus ou o que constitui um avivamento com base no número de pessoas ou dias em que ocorre um encontro? Ou ainda, podemos dizer que os primeiros dias dos eventos em Asbury foram mais espirituais do que os últimos dias?
Craig Keener: No Livro de Atos, vemos tanto a qualidade como a quantidade, com a igreja se multiplicando rapidamente. Isso tem sido o caso em muitos movimentos da igreja na história, alguns deles nascidos no que tem sido chamado de avivamento. O problema é quando as pessoas procuram quantidade em vez de qualidade, para usar suas palavras. Em Atos 2, Deus manifestou seu poder para honrar o nome de Jesus de uma maneira dramática; mas então a igreja continuou a crescer em seu compromisso amoroso um pelo outro (2.42-47), levando a um crescimento contínuo da igreja (2.47). Quanto aos primeiros dias serem mais "espirituais" do que os últimos dias do derramamento, eu não diria isso de forma alguma; o Senhor estava tratando coisas diferentes. No início, havia muito arrependimento, mas pessoalmente senti o trabalho do Espírito mais profundamente vários dias após o início do derramamento.
No capítulo 7 do Evangelho de Mateus, Jesus parece preocupado com as aparências e chama a atenção dos discípulos para não se impressionarem com "eventos" ou "carisma" (a palavra em português, não a palavra em grego), mas para prestarem atenção aos frutos. Como podemos avaliar um movimento ou a ação de Deus com base nessas palavras de Jesus?
Craig Keener: Jesus enfatiza que discernimos pelo fruto, não pelos dons (para usar a linguagem de Paulo). Paulo valoriza os dons de Deus, mas para edificar o corpo de Cristo, não para construir um nome para nós mesmos ou nos honrarmos. Se tivermos os maiores dons, mas nos faltar amor, nada seremos (1Co 13). No derramamento em Asbury, Deus realmente tocou as pessoas com seus dons. Mas o ethos público primário foi a unidade interdenominacional e interétnica e a adoração somente ao Senhor. Deus faz coisas diferentes em momentos diferentes, mas se esse derramamento seguir o padrão dos anteriores em Asbury (1905, 1908, 1950 e 1970), podemos esperar ver o fruto de muitos trabalhadores trabalhando para a colheita ao redor do mundo. (Falando de unidade interétnica: o Brasil também foi representado no derramamento, inclusive um brasileiro graduado recentemente na Universidade Asbury esteve profundamente envolvido desde o início.)
Quais são as implicações (em diferentes áreas das vidas das pessoas, na igreja e na cidade) que os eventos em Asbury já geraram e podem gerar? O que você acha que eles deveriam gerar?
Craig Keener: No nível individual, eu celebro especialmente as conversões a Cristo. Mas outras pessoas também compartilharam comigo como o Senhor restaurou seus corações feridos por anos de abuso e coisas semelhantes. Outros acataram a algum chamado de Deus. Alguns que eram céticos em relação a Cristo abriram seu coração. Muitas pessoas que estavam em desacordo umas com as outras arrependeram-se, reconciliaram-se e concordaram em trabalhar juntas pelo reino.
Você acredita que os americanos têm uma visão muito nacionalista do cristianismo, em vez de uma visão global? Eu participei do culto de encerramento na Universidade Asbury e, como brasileiro, não pude deixar de notar as várias menções a "a nossa nação" referindo-se aos EUA (exemplo: "esse movimento deveria se espalhar por todos os campi de nossa nação" e assim por diante), e não à Nova Jerusalém. Você acha que isso pode ser algo patológico no evangelicalismo americano? Os cristãos americanos deveriam estar mais cientes de que nossa nação é a Nova Jerusalém, nosso Presidente é Jesus e Seu Exército é composto por anjos, não pelos Marines e SEALs da marinha americana?
Craig Keener: No que diz respeito à parte sobre Asbury de sua pergunta, tenha em mente que o último dia ocorreu em Asbury, mas foi um evento distinto planejado meses antes que qualquer pessoa soubesse que haveria um derramamento, então muitos palestrantes não eram da própria Asbury. Quanto à outra parte da sua pergunta, sobre o nacionalismo dos Estados Unidos, você está absolutamente correto. Embora nem todos sucumbam a isso, uma proporção significativa de cristãos dos Estados Unidos precisa de uma visão de mundo mais bíblica. Esperançosamente, a maioria rejeita o mais flagrante "nacionalismo cristão". Mas há uma arrogância e um autocentrismo generalizados, por meio dos quais o presidente anterior ganhou muita tração política com a frase "América em primeiro lugar" [“America first”], que às vezes parecia se traduzir, de forma muito trágica, em "Apenas a América" [“America only”]. Se Jesus é verdadeiramente Senhor, todas as outras lealdades devem ser subordinadas a ele, seja nacional, política, étnica ou outras. De fato, Jesus exige lealdade acima mesmo da família e de nossa própria vida. A Igreja nos Estados Unidos precisa ser despertada para o coração de Deus. Certamente, Deus estar se manifestando de uma maneira especial para muitos cristãos mais jovens ajudará a remediar isso. Mas houve pessoas de fora que queriam sequestrar o que estava acontecendo para suas próprias agendas políticas, ideológicas ou pessoais. Por favor, ore para que Deus desperte a igreja nos Estados Unidos para o seu coração, trazendo-a de volta à sua Palavra.
Sinta-se à vontade para fazer quaisquer observações finais que desejar ou transmitir uma mensagem aos cristãos brasileiros.
Craig Keener: Um problema às vezes é que as pessoas frequentemente buscam algo chamado "avivamento", quando na verdade deveríamos estar buscando o próprio Senhor. O que experimentamos em Asbury não foi uma tentativa de imitar o que outros rotulam como avivamento, mas sim Deus tornando sua presença esmagadoramente conhecida entre nós, algo que nunca poderíamos ter gerado com qualquer quantidade de esforço. O crédito e a honra pertencem somente a ele. Mas certamente ele se agrada de que supliquemos por isso em oração, onde quer que estejamos. Eu oro Lucas 11.13 por mim, individualmente, mas também serve como modelo para a oração coletiva, como os concertos de oração entre reformados e outros cristãos no século 18. Assim, em Atos, vemos pessoas orando antes de derramamentos do Espírito (Atos 1.14; 4.31; 8.15); Paulo também orou para que suas igrejas continuassem a experimentar o Espírito mais profundamente (Rm 15.13; Ef 1.17-18; 3.16).
Traduzido por Filipe Oliveira. Revisado por Vanessa Santos e Davi Bastos.
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Davi Bastos é casado com Samara e pai de Moisés, Anastácia (in memoriam) e Irene. É editor da série de livros Filosofia e Fé Cristã (Editora Ultimato) e doutorando em filosofia na Unicamp.
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