Por Escrito
- 22 de setembro de 2017
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As linhas ocultas nas névoas de Seurat
Por Liz Valente
Como desenhista, eu preciso declarar de antemão o meu amor por linhas. Vejo nas linhas histórias, intensidade, clareza. Se ponho diante de mim uma folha em branco, logo imagino o primeiro traço, a primeira risca. Além do mais, acho elas bonitas, é também uma questão de gosto, e, é por causa dessa paixão pessoal que quando vi uma foto de um quadro de Seurat pela primeira vez me assombrei. Mal sabia eu que esse assombro tinha origens mais profundas na minha relação com o Criador e constrangimento diante da sua maestria divina.
Georges Seurat foi um artista francês pós-impressionista que deixou para traz o uso das linhas logo no início da sua carreira, e, depois tornou-se um dos precursores de uma nova técnica de pintura. Em seus quadros, a paisagem é constituída pelo uso de incontáveis pequenos pontos de tinta bem próximos uns dos outros. A ideia dele era ao em vez de misturar as cores em sua paleta aplicar as tintas não misturadas na tela deixando a visão do espectador misturar as cores de forma óptica e assim atingir maior luminosidade. Embora ele tenha tido uma vida curta, morreu em 1891 com apenas 31 anos de idade, ainda assim deixou seu marco na historia da arte. Suas inovações derivaram de novas teorias quase científicas sobre cor e expressão, uma frase dele que ficou famosa é a seguinte: “Alguns dizem que vêem poesia em minhas pinturas, vejo apenas ciência".
Uma vez intrigada, peguei um livro na biblioteca sobre a vida e obra do pintor. Sua trajetória artística começou com desenhos em giz conté preenchendo a folha com névoas pretas de onde as formas iam surgindo sem linhas claras, porém lá estavam as figuras delimitadas e perfeitas. Para mim, a linha é um porto seguro onde o lápis repousa e a mente constrói um raciocínio visível. Para Seurat, ela é dispensável, para ele há muito mais que compõe uma fronteira do que um simples traço. Por alguns meses nos tornamos inimigos, isso apenas porque eu não podia ceder ao fato de que ele tinha perícia naquilo que defendia.
Insatisfeita com a opção de Seurat de renegar o uso de linhas escolhi a sua obra como tema de um trabalho final de uma matéria de desenho artístico na universidade. Por que um artista em sã consciência abandonaria a base de todo desenho? Aprendi que Seurat também andava insatisfeito com a técnica dos impressionistas, pois os considerava excessivamente espontâneos e não-metódicos, por isso perseguiu a descoberta de que as cores podiam de fato se misturar opticamente. Seurat inspirou-se no desejo de abandonar a preocupação do impressionismo com o momento fugaz e, em vez disso, adotar o que ele considerava essencial e constante. Embora ele tenha herdado muitas das suas abordagens do impressionismo, como o seu amor aos temas modernos e das cenas do lazer urbano, ele quis evitar representar apenas a cor "local" ou cor aparente dos objetos retratados e, ao contrário, tentava capturar todas as cores que interagiam simultaneamente no ambiente para produzir sua aparição total.
Então, apoiado nessa teoria da cor e da óptica partiu para desenvolver seu próprio método de pintura o qual ele chamou de "cromo-luminismo", mais conhecido como Divisionismo (por se tratar de um método que divide a cor local em pontos separados), ou Potilhismo (pelo uso de pequenos traços de tinta que foram cruciais para alcançar os efeitos cintilantes de suas superfícies). Ele descobriu que a aplicação metódica de cores de certo calor ou frieza poderiam ter efeitos expressivos novos.
Mesmo não tendo o mesmo alcance, suas teorias influenciaram grandemente nomes importantes na historia da arte como Van Gogh, Gauguin e Toulouse-Lautrec.
Eu continuo amante das linhas, pois as considero mais concretas e palpáveis quando se trata de arte visual. Mas preciso admitir que Seurat mudou a minha maneira de perceber os limites das figuras representadas. Em sua abstração da imagem, Seurat aproximou-se mais da imagem como ela realmente é. Ao abandonar o uso da linha ele pode representar as linhas com ainda mais precisão. É um paradoxo. Vejo nas obras de Seurat uma boa ilustração de como Deus atua no mundo, e de como ele se revela a nós. Primeiro, é preciso um distanciamento do quadro para perceber a obra de Seurat, assim como é preciso um distanciamento das pequenas circunstancias para se perceber a obra de Deus. Segundo, quanto aos mandamentos divinos muitas vezes eles não estão desenhados como linhas traçadas, mas com a soma de ordenanças positivas e negativas que postas de perto e repedidas vezes formam um caminho nítido, possível de ser compreendido.
Seurat confrontou-me há tantos anos atrás quando vi sua pintura pela primeira vez, e continua a fazê-lo hoje, pois ele quebra a minha vontade pragmática de simplesmente traçar uma rota. Com o seu processo lento e disciplinado ele confronta o meu imediatismo de querer desenhar o resultado final. Ele me constrange das minhas próprias limitações enquanto me assombra com a beleza das suas pinturas.
• Liz Valente é mestra em arquitetura e urbanismo. Também é cantora, compositora e autora de 4 peças teatrais. Casada com Pedro Paulo, mãe do João e do Davi.
Como desenhista, eu preciso declarar de antemão o meu amor por linhas. Vejo nas linhas histórias, intensidade, clareza. Se ponho diante de mim uma folha em branco, logo imagino o primeiro traço, a primeira risca. Além do mais, acho elas bonitas, é também uma questão de gosto, e, é por causa dessa paixão pessoal que quando vi uma foto de um quadro de Seurat pela primeira vez me assombrei. Mal sabia eu que esse assombro tinha origens mais profundas na minha relação com o Criador e constrangimento diante da sua maestria divina.
Georges Seurat foi um artista francês pós-impressionista que deixou para traz o uso das linhas logo no início da sua carreira, e, depois tornou-se um dos precursores de uma nova técnica de pintura. Em seus quadros, a paisagem é constituída pelo uso de incontáveis pequenos pontos de tinta bem próximos uns dos outros. A ideia dele era ao em vez de misturar as cores em sua paleta aplicar as tintas não misturadas na tela deixando a visão do espectador misturar as cores de forma óptica e assim atingir maior luminosidade. Embora ele tenha tido uma vida curta, morreu em 1891 com apenas 31 anos de idade, ainda assim deixou seu marco na historia da arte. Suas inovações derivaram de novas teorias quase científicas sobre cor e expressão, uma frase dele que ficou famosa é a seguinte: “Alguns dizem que vêem poesia em minhas pinturas, vejo apenas ciência".
Uma vez intrigada, peguei um livro na biblioteca sobre a vida e obra do pintor. Sua trajetória artística começou com desenhos em giz conté preenchendo a folha com névoas pretas de onde as formas iam surgindo sem linhas claras, porém lá estavam as figuras delimitadas e perfeitas. Para mim, a linha é um porto seguro onde o lápis repousa e a mente constrói um raciocínio visível. Para Seurat, ela é dispensável, para ele há muito mais que compõe uma fronteira do que um simples traço. Por alguns meses nos tornamos inimigos, isso apenas porque eu não podia ceder ao fato de que ele tinha perícia naquilo que defendia.
Insatisfeita com a opção de Seurat de renegar o uso de linhas escolhi a sua obra como tema de um trabalho final de uma matéria de desenho artístico na universidade. Por que um artista em sã consciência abandonaria a base de todo desenho? Aprendi que Seurat também andava insatisfeito com a técnica dos impressionistas, pois os considerava excessivamente espontâneos e não-metódicos, por isso perseguiu a descoberta de que as cores podiam de fato se misturar opticamente. Seurat inspirou-se no desejo de abandonar a preocupação do impressionismo com o momento fugaz e, em vez disso, adotar o que ele considerava essencial e constante. Embora ele tenha herdado muitas das suas abordagens do impressionismo, como o seu amor aos temas modernos e das cenas do lazer urbano, ele quis evitar representar apenas a cor "local" ou cor aparente dos objetos retratados e, ao contrário, tentava capturar todas as cores que interagiam simultaneamente no ambiente para produzir sua aparição total.
Então, apoiado nessa teoria da cor e da óptica partiu para desenvolver seu próprio método de pintura o qual ele chamou de "cromo-luminismo", mais conhecido como Divisionismo (por se tratar de um método que divide a cor local em pontos separados), ou Potilhismo (pelo uso de pequenos traços de tinta que foram cruciais para alcançar os efeitos cintilantes de suas superfícies). Ele descobriu que a aplicação metódica de cores de certo calor ou frieza poderiam ter efeitos expressivos novos.
Mesmo não tendo o mesmo alcance, suas teorias influenciaram grandemente nomes importantes na historia da arte como Van Gogh, Gauguin e Toulouse-Lautrec.
Eu continuo amante das linhas, pois as considero mais concretas e palpáveis quando se trata de arte visual. Mas preciso admitir que Seurat mudou a minha maneira de perceber os limites das figuras representadas. Em sua abstração da imagem, Seurat aproximou-se mais da imagem como ela realmente é. Ao abandonar o uso da linha ele pode representar as linhas com ainda mais precisão. É um paradoxo. Vejo nas obras de Seurat uma boa ilustração de como Deus atua no mundo, e de como ele se revela a nós. Primeiro, é preciso um distanciamento do quadro para perceber a obra de Seurat, assim como é preciso um distanciamento das pequenas circunstancias para se perceber a obra de Deus. Segundo, quanto aos mandamentos divinos muitas vezes eles não estão desenhados como linhas traçadas, mas com a soma de ordenanças positivas e negativas que postas de perto e repedidas vezes formam um caminho nítido, possível de ser compreendido.
Seurat confrontou-me há tantos anos atrás quando vi sua pintura pela primeira vez, e continua a fazê-lo hoje, pois ele quebra a minha vontade pragmática de simplesmente traçar uma rota. Com o seu processo lento e disciplinado ele confronta o meu imediatismo de querer desenhar o resultado final. Ele me constrange das minhas próprias limitações enquanto me assombra com a beleza das suas pinturas.
• Liz Valente é mestra em arquitetura e urbanismo. Também é cantora, compositora e autora de 4 peças teatrais. Casada com Pedro Paulo, mãe do João e do Davi.
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