Opinião
- 02 de maio de 2011
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Arte e racismo: o Aleijadinho e os profetas
Estudei em S.João Del Rey na década de 70. Fui a Congonhas, algumas vezes. Cenário colonial maravilhoso, e até emocionante para o observador da história cultural deste país. Na primeira, por motivos e afinidades evangélicas, quedei-me diante das esculturas vandalizadas – na ocasião – dos profetas do Aleijadinho. Já disseram: "Dentro do espaço aberto de uma única declaração coletiva trovejante que anuncia o Dia da Ira", cada profeta aparece em doloroso conflito: não podem evitar as palavras de fogo que queimam seus lábios diante da iniquidade, da corrupção, dos desmandos dos poderes, dos abusos cometidos contra o povo. As esculturas falam, a arte geme! A violência contida diante da discriminação, do preconceito, da intolerância, da exclusão do diferente, poderiam ser identificadas como o biógrafo renascentista Giorgio Vasari atribuiu a Michelangelo: terribilitá. Aterrorizante, face ao "branqueamento espiritual" pretendido. O escultor subverte a ordem vigente enquanto os poderes dominantes exigem silêncio e submissão. Impossível dissociar o Aleijadinho de Tiradentes, o mártir da Inconfidência Mineira. Deus fala contra as injustiças e desigualdades nas esculturas do Aleijadinho.
A arte barroca, por suas linhas excessivamente envolvidas em adornos, sugere uma pérola oculta na ostra áspera, depois de ferida pelo grão de areia que a transformará numa jóia de valor. O Aleijadinho trabalhou por meio da ocultação, usando o conceito profético de indignação e denúncia da opressão através de muitas camadas de lustre, movimentos e imagens contorcidas, que não permitem compreender imediatamente a ideia central em sua complexidade e implicações. Perfeito! O barroco encontrou o Aleijadinho, artista extraordinário, machucado pelos preconceitos e pelas opressões do colonizador. Era o senhor branco que explorava o colonizado.
Sua mãe e seu povo escravizado devem ter-lhe contado as histórias ancestrais de deuses africanos livres, como acreditava Zumbi dos Palmares, e de um deus ancestral libertador, pregado num madeiro por causa dos pecados da religião e das potências que impunham, por determinismos históricos, a escravidão e a exploração dos fracos e sem poder. O Deus dos brancos, no entanto, era manipulado nas histórias trazidas de Portugal pelos religiosos e políticos, desmentindo o que ele leu de verdade nos profetas e demais textos das Escrituras. Eis a diferença: a glória de Deus está na boca, nos gestos e na postura dos profetas: Deus fez sua opção em favor do homem em carne e osso, com ele vivendo no corpo oprimido pela escravidão, pelo preconceito, racismo e discriminação, usados para engrandecer os poderes deste mundo.
Não se sabe quando nasceu Antônio Francisco Lisboa, mas sua certidão de batismo cristão foi emitida em 18 de novembro de 1814. Filho bastardo de uma escrava africana, seu pai foi um arquiteto português, Manoel Francisco, que o iniciou nas artes. Mas há teologia na formação daquele jovem genial, através do padre Manoel Ribeiro Rocha, também impregnado da filosofia de J-J.Rousseau, e de Montesquieu. Importantes nos primeiros libelos em favor dos Direitos Humanos consagrados pela ONU (1948), buscados nos antecedentes da Revolução Francesa. Aprendeu que escravos, no sentido figurado religioso ou no sentido literal, social, político, são filhos e irmãos de seu senhor. O padre lhe dizia: “Eles têm uma alma, como os brancos, e Nosso Senhor Jesus Cristo também morreu e sofreu por eles; na igreja, são iguais, participam da mesma mesa da comunhão”. Já se advinha o que o Aleijadinho concluía olhando no espelho...
A carreira do Aleijadinho, no início, foi muito bem sucedida. O pintor João Gomes Batista ajudou-o, além de seu pai. Uma biografia de autoria de Rodrigo Brêtas (1858) dizia: “ele tinha a pele escura, voz forte, temperamento irritadiço, estatura baixa, gordo e disforme. Lia e escrevia, mas provavelmente não passou da escola primária. Mas foi privilegiado pela condição de filho de fidalgo. Assim, dispunha de servidores escravos que o ajudavam. Perdeu a visão e os dedos, tinha que evitar a luz do sol trabalhando sob uma tenda. Saía de casa antes do amanhecer, para não ser visto”. Que doença o acometeu e deformou? Talvez a lepra, diagnosticou o médico Geraldo Carvalho (1988), na exumação de seus restos mortais. Mas deixou marcas profundas na arte, sob a dupla condição de deficiente físico afro-descendente. Entrou para a história das artes como artista subversivo e libertário. Sua arte, consagrada ainda em vida, enaltece a luta em favor das igualdades, contra a exclusão do deficiente, preconceitos sociais e raciais, e principalmente contra a intolerância.
A arte barroca, por suas linhas excessivamente envolvidas em adornos, sugere uma pérola oculta na ostra áspera, depois de ferida pelo grão de areia que a transformará numa jóia de valor. O Aleijadinho trabalhou por meio da ocultação, usando o conceito profético de indignação e denúncia da opressão através de muitas camadas de lustre, movimentos e imagens contorcidas, que não permitem compreender imediatamente a ideia central em sua complexidade e implicações. Perfeito! O barroco encontrou o Aleijadinho, artista extraordinário, machucado pelos preconceitos e pelas opressões do colonizador. Era o senhor branco que explorava o colonizado.
Sua mãe e seu povo escravizado devem ter-lhe contado as histórias ancestrais de deuses africanos livres, como acreditava Zumbi dos Palmares, e de um deus ancestral libertador, pregado num madeiro por causa dos pecados da religião e das potências que impunham, por determinismos históricos, a escravidão e a exploração dos fracos e sem poder. O Deus dos brancos, no entanto, era manipulado nas histórias trazidas de Portugal pelos religiosos e políticos, desmentindo o que ele leu de verdade nos profetas e demais textos das Escrituras. Eis a diferença: a glória de Deus está na boca, nos gestos e na postura dos profetas: Deus fez sua opção em favor do homem em carne e osso, com ele vivendo no corpo oprimido pela escravidão, pelo preconceito, racismo e discriminação, usados para engrandecer os poderes deste mundo.
Não se sabe quando nasceu Antônio Francisco Lisboa, mas sua certidão de batismo cristão foi emitida em 18 de novembro de 1814. Filho bastardo de uma escrava africana, seu pai foi um arquiteto português, Manoel Francisco, que o iniciou nas artes. Mas há teologia na formação daquele jovem genial, através do padre Manoel Ribeiro Rocha, também impregnado da filosofia de J-J.Rousseau, e de Montesquieu. Importantes nos primeiros libelos em favor dos Direitos Humanos consagrados pela ONU (1948), buscados nos antecedentes da Revolução Francesa. Aprendeu que escravos, no sentido figurado religioso ou no sentido literal, social, político, são filhos e irmãos de seu senhor. O padre lhe dizia: “Eles têm uma alma, como os brancos, e Nosso Senhor Jesus Cristo também morreu e sofreu por eles; na igreja, são iguais, participam da mesma mesa da comunhão”. Já se advinha o que o Aleijadinho concluía olhando no espelho...
A carreira do Aleijadinho, no início, foi muito bem sucedida. O pintor João Gomes Batista ajudou-o, além de seu pai. Uma biografia de autoria de Rodrigo Brêtas (1858) dizia: “ele tinha a pele escura, voz forte, temperamento irritadiço, estatura baixa, gordo e disforme. Lia e escrevia, mas provavelmente não passou da escola primária. Mas foi privilegiado pela condição de filho de fidalgo. Assim, dispunha de servidores escravos que o ajudavam. Perdeu a visão e os dedos, tinha que evitar a luz do sol trabalhando sob uma tenda. Saía de casa antes do amanhecer, para não ser visto”. Que doença o acometeu e deformou? Talvez a lepra, diagnosticou o médico Geraldo Carvalho (1988), na exumação de seus restos mortais. Mas deixou marcas profundas na arte, sob a dupla condição de deficiente físico afro-descendente. Entrou para a história das artes como artista subversivo e libertário. Sua arte, consagrada ainda em vida, enaltece a luta em favor das igualdades, contra a exclusão do deficiente, preconceitos sociais e raciais, e principalmente contra a intolerância.
É pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e autor de livros como “Pedagogia da Ganância" (2013) e "O Dragão que Habita em Nós” (2010).
- Textos publicados: 94 [ver]
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