Opinião
- 10 de fevereiro de 2012
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Aprendendo a desaprender
Como estou escrevendo um livro sobre cultura brasileira, volto ao assunto cultura. Difícil abandoná-lo neste momento em que o evangelho no Brasil requer mudanças radicais para continuar crescendo. Sinto uma espécie de estagnação no ar. Precisamos andar para frente.
Muitos dizem que necessitamos de mais teologia. Concordo. Mais “teo” sempre faz bem: teodiálogos, teoteorias, teosoluções. O que não precisamos é de teopessoas posando de Deus e dizendo que este ou aquele movimento pertence ou não a Deus. Precisamos aprender a nos consertar sem nos jogar fora. “Cobeligerância” é o que falta a muitos grupos cristãos: lutarmos juntos pelas mesmas causas, ainda que sendo diferentes, e tornar o Brasil melhor a partir da unidade. Infelizmente muitos querem que uma espécie de peneira divina retire do meio dos “puros” os que se deixaram corromper, para que o evangelho continue salgando.
A pressuposição de que salgamos pela pureza doutrinária é falsa. Salgamos porque fomos perdoados, porque ele salga. Não estou tentando justificar pecados ou teorias anticristo com isto. Porém, creio que ele é. Ele se encarrega de nos encher de graça e trabalha apesar de nós. É nisto que encontro minha paz e minha paixão pela unidade funcional dos cristãos na tarefa de transformação do país.
Dos teóricos que li, o que mais me ajuda neste momento é Lingenfelter. A pressuposição missiológica anterior a ele era de que a cultura humana é um veículo neutro. Em seu livro Transforming Culture — a challenge for christian mission, Lingenfelter propõe que as culturas são intrinsecamente ímpias. Ninguém pode servir ao reino se não se tornar um emigrante, sem caminhar para fora de sua identidade e em direção à cultura do reino.
Trabalhei a partir da pressuposição de Kraft da neutralidade de culturas indígenas extremamente cruéis. A realidade ao meu redor me feria, mas minha missiologia me instruía a me conformar. Fomos despertados no ano 2000 pelos próprios índios, quando eles mesmos gritaram: “Não queremos mais ser assim, queremos mudar”. A partir de então os males da cultura, bem como as pessoas que eram presas por eles, ficaram evidentes pra nós. O ser humano é sempre o mesmo em qualquer cultura que seja: pecador, humano e divino ao mesmo tempo. É bonito, pois carrega em si a semente do divino, e feio, porque a corrompeu. As culturas são lindas e horríveis — nunca neutras. Não podemos engaiolar a imago Dei na “prisão da desobediência”, como Ligenfelter chama a cultura.
No que diz respeito ao Brasil de hoje, há um caminho claro para a igreja. Um caminho difícil, de debates e busca, mas um caminho possível. É o caminho proposto por Lingenfelter, no qual aprendemos a desaprender. Desaprendemos o brasileirismo escravizante, o “malazartismo”, o “macunaimismo”, o pessimismo de Drummond, a promiscuidade de Vinícius (o amor não é eterno enquanto dura, é eterno porque escolhemos que ele seja), desaprendemos a ser família à moda de Nelson Rodrigues, ou a ser corruptos.
Aprendemos a ser brasileiros sem ser brasileiros. Como uma lagarta que sai do casulo, saímos da casca velha e bolorenta para nos tornarmos quem devemos ser: brasileiros do reino, para os quais a brasilidade não é a principal identidade e referência, mas a Palavra de Deus. A brasilidade é um dom que levaremos ao trono, devidamente domesticado pelos valores daquele que nos amou primeiro. A igreja morta fala a mesma língua do mundo a seu redor. Temos que falar a língua do reino. Estou feliz enquanto me “desbrasileiro”. Feliz “desbrasileiramento” para você também.
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Bráulia Ribeiro trabalhou na Amazônia durante trinta anos. Hoje mora em Kailua-Kona, no Havaí, com sua família e está envolvida em projetos internacionais de desenvolvimento na Ásia. É autora de Chamado Radical.
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