Opinião
- 28 de maio de 2013
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Alvorada missionária
No último dia 09 de maio foi relançado o primeiro volume do livro “Lembranças do Passado”, de autoria de João Gomes da Rocha, no auditório da Sociedade Bíblica do Brasil, no centro do Rio de Janeiro. A sua importância não está no seu potencial mercadológico, mas no registro de uma memória protestante no Brasil. A primeira publicação em quatro volumes se deu nos anos de 1941 a 1957 e, somente agora, pode ser relançado depois de haver esgotado.
Mas qual é o valor deste livro?
A obra possui um amplo valor histórico. Nela encontramos a própria história do Rio de Janeiro com suas ruas, paisagens, cenários, pessoas, geografia urbana. A leitura nos leva a uma viagem que revisita as paisagens do Rio antigo. Ela se inscreve numa história das religiões por trazer as formas como o protestantismo se inseriu no cristianismo brasileiro e latino-americano, então hegemonicamente católico. Por sua vez, temos uma história do protestantismo no Brasil no século 19 contada pelo viés dos seus sujeitos e protagonistas.
“Lembranças...” possui, sobretudo, um valor historiográfico por se tratar de um “documento fonte”, enquanto registro primário de informações e que foi editado e lançado décadas depois de sua produção. Daí o interesse por parte de não poucos pesquisadores que despertou a necessidade de relançamento 70 anos depois.
Há um valor devocional em seus testemunho e experiências de fé, obediência, perseverança por parte de missionários que adentraram o Brasil com a mensagem evangélica, tendo suportado provações, perseguições e conflitos. Encontramos a demonstração da piedade evangélica dentro do contexto do século 19, com um tipo de puritanismo militante na sociedade e não fundamentalista e beligerante como o de nossos dias.
Uma obra de valor biográfico, pois o casal Robert Reid Kalley e Sarah Poulton Kalley narraram por meio de um diário suas vidas no Brasil no período de 1855 a 1876. Robert Kalley foi um cidadão do mundo luso-brasileiro e Sarah foi a que compilou e traduziu os primeiros hinos cantados pelas igrejas protestantes no Brasil, marcando as práticas litúrgicas dos evangélicos durante décadas. São trajetórias de vidas enriquecidas por uma rede de relacionamentos com muitos outros personagens e sujeitos comuns da vida cotidiana.
Não encontramos aqui um relato triunfalista, tão comum à história oficial que encobre as contradições e pasteuriza uma versão do acontecido. Esta perspectiva histórica sempre legitimou os dominantes e discriminou os excluídos na história. A memória é sempre seletiva, inclusive a institucional que, dependendo dos grupos sediados no poder, define qual será a versão do passado que mais interessa. Eis a importância de documentos como este para a verdade histórica, sempre relacional e situada, matéria prima do historiador que desconstrói as “verdades” postas e prontas.
“Lembranças do Passado” foi compilado por João Gomes da Rocha, filho adotivo do casal Kalley e que atuou como missionário entre os judeus na Inglaterra. Foi Rocha quem operou uma seleção de escritos e elaborou a classificação, catalogação, ordenação e organização de todas as fontes primárias deixadas pelos Kalley. Somos devedores ao trabalho exaustivo de Rocha e pelo zelo com que cumpriu o compromisso de deixar este legado ao protestantismo brasileiro.
Como estratégia, Rocha publicou em séries no jornal “O Cristão” as narrativas que foram depois reunidas em quatro volumes. Cartas, sermões, bilhetes, rascunhos, artigos, depoimentos, notícias e outros materiais foram reunidos numa sequência cronológica detalhada na narrativa de acontecimentos, incidentes e episódios. Uma narrativa factual, mas tecida em meio a tramas e interpretações dos sujeitos. Cada evento ou episódio, entretanto, obedeceu a um traço da providência divina, e assim foi como cada incidente, grande ou pequeno, foi compreendido.
Por fim, a obra nos remete a uma “pedagogia da memória”, ou seja, ela teve uma função de ensinar às gerações contemporâneas as lições dos pioneiros do protestantismo no Brasil. Num momento em que se aproximava a comemoração do centenário de diferentes igrejas protestantes (1940-1960), os volumes lançados procuraram instruir a partir das experiências vividas, sobretudo a Igreja Evangélica Fluminense, fundada pelos Kalley.
Fonte:
ROCHA, João Gomes da Rocha. Lembranças do Passado: Dr. Robert Reid Kalley. Rio de Janeiro: Novos Diálogos, 2013.
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“Lembranças...” possui, sobretudo, um valor historiográfico por se tratar de um “documento fonte”, enquanto registro primário de informações e que foi editado e lançado décadas depois de sua produção. Daí o interesse por parte de não poucos pesquisadores que despertou a necessidade de relançamento 70 anos depois.
Há um valor devocional em seus testemunho e experiências de fé, obediência, perseverança por parte de missionários que adentraram o Brasil com a mensagem evangélica, tendo suportado provações, perseguições e conflitos. Encontramos a demonstração da piedade evangélica dentro do contexto do século 19, com um tipo de puritanismo militante na sociedade e não fundamentalista e beligerante como o de nossos dias.
Uma obra de valor biográfico, pois o casal Robert Reid Kalley e Sarah Poulton Kalley narraram por meio de um diário suas vidas no Brasil no período de 1855 a 1876. Robert Kalley foi um cidadão do mundo luso-brasileiro e Sarah foi a que compilou e traduziu os primeiros hinos cantados pelas igrejas protestantes no Brasil, marcando as práticas litúrgicas dos evangélicos durante décadas. São trajetórias de vidas enriquecidas por uma rede de relacionamentos com muitos outros personagens e sujeitos comuns da vida cotidiana.
Não encontramos aqui um relato triunfalista, tão comum à história oficial que encobre as contradições e pasteuriza uma versão do acontecido. Esta perspectiva histórica sempre legitimou os dominantes e discriminou os excluídos na história. A memória é sempre seletiva, inclusive a institucional que, dependendo dos grupos sediados no poder, define qual será a versão do passado que mais interessa. Eis a importância de documentos como este para a verdade histórica, sempre relacional e situada, matéria prima do historiador que desconstrói as “verdades” postas e prontas.
“Lembranças do Passado” foi compilado por João Gomes da Rocha, filho adotivo do casal Kalley e que atuou como missionário entre os judeus na Inglaterra. Foi Rocha quem operou uma seleção de escritos e elaborou a classificação, catalogação, ordenação e organização de todas as fontes primárias deixadas pelos Kalley. Somos devedores ao trabalho exaustivo de Rocha e pelo zelo com que cumpriu o compromisso de deixar este legado ao protestantismo brasileiro.
Como estratégia, Rocha publicou em séries no jornal “O Cristão” as narrativas que foram depois reunidas em quatro volumes. Cartas, sermões, bilhetes, rascunhos, artigos, depoimentos, notícias e outros materiais foram reunidos numa sequência cronológica detalhada na narrativa de acontecimentos, incidentes e episódios. Uma narrativa factual, mas tecida em meio a tramas e interpretações dos sujeitos. Cada evento ou episódio, entretanto, obedeceu a um traço da providência divina, e assim foi como cada incidente, grande ou pequeno, foi compreendido.
Por fim, a obra nos remete a uma “pedagogia da memória”, ou seja, ela teve uma função de ensinar às gerações contemporâneas as lições dos pioneiros do protestantismo no Brasil. Num momento em que se aproximava a comemoração do centenário de diferentes igrejas protestantes (1940-1960), os volumes lançados procuraram instruir a partir das experiências vividas, sobretudo a Igreja Evangélica Fluminense, fundada pelos Kalley.
Fonte:
ROCHA, João Gomes da Rocha. Lembranças do Passado: Dr. Robert Reid Kalley. Rio de Janeiro: Novos Diálogos, 2013.
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Lyndon de Araújo Santos é historiador, professor universitário e pastor da Igreja Evangélica Congregacional em São Luís, MA. Faz parte da Fraternidade Teológica Latino-americana - Setor Brasil (FTL-Br).
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