Opinião
- 06 de agosto de 2018
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A Teologia como deveria ser: lições sobre o estudo de Deus no encontro com Moisés
Por Lissânder Dias
Os seus olhos estavam voltados para aquele rebanho do sogro pastando no deserto montanhoso. Seu ofício exigia atenção. Sabia que se uma das ovelhas se desgarrasse e ficasse presa em uma das trilhas tortuosas, seria difícil reencontrá-la.
Moisés agora era um pastor, trabalhava para Jetro, o pai da sua esposa e sacerdote de Midiã. Naquele exato dia, a intenção de Moisés não era religiosa; ele simplesmente cumpria suas obrigações diárias. Mas o que veria a partir daquele momento seria único: uma epifania. Deus aparece em meio a uma sarça que queimava, mas não era consumida. Deus chama Moisés e ele responde, afirmando sua humilde presença diante da Presença. A palavra seguinte de Deus é: “tire as sandálias, porque você está pisando em um chão santo”. Moisés tira os calçados e Deus se apresenta a ele. E mesmo Moisés escondendo seu rosto do Senhor, não deixou de ouvi-Lo. Era a hora de Moisés mudar seu rumo para sempre.
Gosto de pensar em como a revelação de Deus e da sua vontade se dá de forma tão cotidiana: um dos momentos mais solenes e decisivos na vida do Povo de Deus acontece num dia qualquer enquanto um pastor de ovelhas exercia seu ofício ordinário em meio a pedregulhos de uma montanha no Egito.
Entre outras lições, esse episódio do encontro de Deus com Moisés é rico em ensinamentos sobre a Teologia (esta como estudo intencional e sistemático sobre Deus e de suas relações com o ser humano e o universo). Quero destacar algumas destas lições que aprendo com o texto bíblico:
Surpresa
A Teologia é uma nobre ciência que deve gerar no teólogo uma expectativa de surpresa. Longe de ser um afazer intelectual chato e previsível, a Teologia pode nos mostrar além do que esperamos: no meio das pedras pode surgir uma sarça ardente. Deus está presente num dia comum de trabalho, mas ele pode transformar este dia em algo grandioso. Por falta de fé, muitas vezes subestimamos o tempo e o lugar, e deduzimos que Deus não estaria lá (ou aqui). Desperdiçamos a experiência da surpresa, porque nossos sentidos já estão contaminados pelo secularismo (“o homem define os limites de Deus”). Onde Deus estaria senão bem diante dos nossos olhos, aqui e agora? A Teologia não pode ser maior do que ela, de fato, é, e querer definir Deus e seus movimentos; e os teólogos devem fugir da tentação do poder que não lhes cabe.
Pés descalços
Teologia se faz com os “pés descalços”. O estudo teológico é um exercício de humildade. De outra forma, como sobreviveríamos, então, lidando com questões tão sublimes e santas? Quem a gente pensa que é? Somos apenas um “Moisés”, e devemos “tirar as sandálias” diante de um Deus santo. A santidade de Deus, no entanto, não deve gerar um elitismo na Teologia, como se apenas alguns fossem preparados para lidar com ela. Ao contrário, assim como a epifania abriu caminho para o diálogo de Deus com Moisés (mesmo que, no início, Moisés tenha escondido seu rosto de Deus), a Teologia deve ser este diálogo, sustentado pela Graça de Deus, que nos faz perceber onde pisamos – e mesmo assim permanecer lá, dispostos a ouvir a voz santa do Senhor.
História
Deus se apresenta a Moisés como “o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó” (Ex 3.6). Teologia se faz no lastro da história. Sua voz é uma reverberação do que já foi dito e, ao mesmo tempo, é uma voz nova como reação natural a outras vozes já ditas. A Palavra de Deus não é nova, mas isso não a diminui de forma alguma. Nossas interpretações do que Ele disse é que devem sempre considerar o passado e o presente (o futuro também faz parte do escopo da teologia, mas esta já é uma outra história!). Eis o papel do teólogo: ouvir a voz antiga e fiel, analisando sua relevância para hoje, para o dia a dia.
Contexto
A Teologia se faz no contexto em que estamos inseridos. O próprio Deus assim o fez. Ao revelar-se a Moisés, ele tem um motivo: a aflição do seu povo (3.7). Os egípcios estavam oprimindo os israelitas, e Deus ouviu a oração dos escravos. Moisés então se torna a resposta de Deus à oração do seu povo. O contexto é o horizonte para o qual elevamos nossos olhares e nossos sentimentos mais verdadeiros. Teologia sem contexto quase sempre produz teólogos sem coração e sem sensibilidade. Quais os problemas atuais e como a Palavra de Deus dialoga com eles? Esta deveria ser uma pergunta básica do teólogo.
Presença
Não há Teologia sem a presença de Deus. É verdade que a Teologia é uma atividade humana (e, portanto, pode ser um mero passatempo intelectual), mas o compromisso mais verdadeiro do teólogo é com a percepção da presença de Deus. Sem isso, podemos cair na armadilha das abstrações sem relevância e sem propósito. Quando identificarmos a presença de Deus no que fazemos, inevitavelmente, enxergaremos a missão que ele nos delega. Para Moisés, era libertar os israelitas da escravidão do faraó (3.10), para a qual Deus prometeu que estaria com ele (3.12). Aos apóstolos no Novo Testamento, a missão é “fazer discípulos” (Mt 28.19), com a mesma garantia de que Ele “estaria com eles, todos os dias, até a consumação dos séculos” (28.20). Mais do que um afazer solitário, Teologia é companhia – primeiramente de Deus e, em seguida, dos outros para quem e com quem honramos a epifania da salvação.
Estas são apenas algumas lições de minha percepção sobre a Teologia, à luz de Êxodo 19. Se levadas a sério, poderiam transformar nossos seminários, nossas igrejas e nossa sociedade. Deixaríamos de olhar para os teólogos apenas como estudiosos, mas sim como servos de Deus comprometidos com a voz divina no mundo hoje. Assim como os artistas, os teólogos seriam ouvidos e nós estaríamos dispostos a aprender com eles sobre Deus, sobre nós, sobre grandes questões e sobre o cotidiano da vida.
Para saber mais, conheça Teologia para o Cotidiano – A sabedoria bíblica para a vida diária.
Os seus olhos estavam voltados para aquele rebanho do sogro pastando no deserto montanhoso. Seu ofício exigia atenção. Sabia que se uma das ovelhas se desgarrasse e ficasse presa em uma das trilhas tortuosas, seria difícil reencontrá-la.
Moisés agora era um pastor, trabalhava para Jetro, o pai da sua esposa e sacerdote de Midiã. Naquele exato dia, a intenção de Moisés não era religiosa; ele simplesmente cumpria suas obrigações diárias. Mas o que veria a partir daquele momento seria único: uma epifania. Deus aparece em meio a uma sarça que queimava, mas não era consumida. Deus chama Moisés e ele responde, afirmando sua humilde presença diante da Presença. A palavra seguinte de Deus é: “tire as sandálias, porque você está pisando em um chão santo”. Moisés tira os calçados e Deus se apresenta a ele. E mesmo Moisés escondendo seu rosto do Senhor, não deixou de ouvi-Lo. Era a hora de Moisés mudar seu rumo para sempre.
Gosto de pensar em como a revelação de Deus e da sua vontade se dá de forma tão cotidiana: um dos momentos mais solenes e decisivos na vida do Povo de Deus acontece num dia qualquer enquanto um pastor de ovelhas exercia seu ofício ordinário em meio a pedregulhos de uma montanha no Egito.
Entre outras lições, esse episódio do encontro de Deus com Moisés é rico em ensinamentos sobre a Teologia (esta como estudo intencional e sistemático sobre Deus e de suas relações com o ser humano e o universo). Quero destacar algumas destas lições que aprendo com o texto bíblico:
Surpresa
A Teologia é uma nobre ciência que deve gerar no teólogo uma expectativa de surpresa. Longe de ser um afazer intelectual chato e previsível, a Teologia pode nos mostrar além do que esperamos: no meio das pedras pode surgir uma sarça ardente. Deus está presente num dia comum de trabalho, mas ele pode transformar este dia em algo grandioso. Por falta de fé, muitas vezes subestimamos o tempo e o lugar, e deduzimos que Deus não estaria lá (ou aqui). Desperdiçamos a experiência da surpresa, porque nossos sentidos já estão contaminados pelo secularismo (“o homem define os limites de Deus”). Onde Deus estaria senão bem diante dos nossos olhos, aqui e agora? A Teologia não pode ser maior do que ela, de fato, é, e querer definir Deus e seus movimentos; e os teólogos devem fugir da tentação do poder que não lhes cabe.
Pés descalços
Teologia se faz com os “pés descalços”. O estudo teológico é um exercício de humildade. De outra forma, como sobreviveríamos, então, lidando com questões tão sublimes e santas? Quem a gente pensa que é? Somos apenas um “Moisés”, e devemos “tirar as sandálias” diante de um Deus santo. A santidade de Deus, no entanto, não deve gerar um elitismo na Teologia, como se apenas alguns fossem preparados para lidar com ela. Ao contrário, assim como a epifania abriu caminho para o diálogo de Deus com Moisés (mesmo que, no início, Moisés tenha escondido seu rosto de Deus), a Teologia deve ser este diálogo, sustentado pela Graça de Deus, que nos faz perceber onde pisamos – e mesmo assim permanecer lá, dispostos a ouvir a voz santa do Senhor.
História
Deus se apresenta a Moisés como “o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó” (Ex 3.6). Teologia se faz no lastro da história. Sua voz é uma reverberação do que já foi dito e, ao mesmo tempo, é uma voz nova como reação natural a outras vozes já ditas. A Palavra de Deus não é nova, mas isso não a diminui de forma alguma. Nossas interpretações do que Ele disse é que devem sempre considerar o passado e o presente (o futuro também faz parte do escopo da teologia, mas esta já é uma outra história!). Eis o papel do teólogo: ouvir a voz antiga e fiel, analisando sua relevância para hoje, para o dia a dia.
Contexto
A Teologia se faz no contexto em que estamos inseridos. O próprio Deus assim o fez. Ao revelar-se a Moisés, ele tem um motivo: a aflição do seu povo (3.7). Os egípcios estavam oprimindo os israelitas, e Deus ouviu a oração dos escravos. Moisés então se torna a resposta de Deus à oração do seu povo. O contexto é o horizonte para o qual elevamos nossos olhares e nossos sentimentos mais verdadeiros. Teologia sem contexto quase sempre produz teólogos sem coração e sem sensibilidade. Quais os problemas atuais e como a Palavra de Deus dialoga com eles? Esta deveria ser uma pergunta básica do teólogo.
Presença
Não há Teologia sem a presença de Deus. É verdade que a Teologia é uma atividade humana (e, portanto, pode ser um mero passatempo intelectual), mas o compromisso mais verdadeiro do teólogo é com a percepção da presença de Deus. Sem isso, podemos cair na armadilha das abstrações sem relevância e sem propósito. Quando identificarmos a presença de Deus no que fazemos, inevitavelmente, enxergaremos a missão que ele nos delega. Para Moisés, era libertar os israelitas da escravidão do faraó (3.10), para a qual Deus prometeu que estaria com ele (3.12). Aos apóstolos no Novo Testamento, a missão é “fazer discípulos” (Mt 28.19), com a mesma garantia de que Ele “estaria com eles, todos os dias, até a consumação dos séculos” (28.20). Mais do que um afazer solitário, Teologia é companhia – primeiramente de Deus e, em seguida, dos outros para quem e com quem honramos a epifania da salvação.
Estas são apenas algumas lições de minha percepção sobre a Teologia, à luz de Êxodo 19. Se levadas a sério, poderiam transformar nossos seminários, nossas igrejas e nossa sociedade. Deixaríamos de olhar para os teólogos apenas como estudiosos, mas sim como servos de Deus comprometidos com a voz divina no mundo hoje. Assim como os artistas, os teólogos seriam ouvidos e nós estaríamos dispostos a aprender com eles sobre Deus, sobre nós, sobre grandes questões e sobre o cotidiano da vida.
Para saber mais, conheça Teologia para o Cotidiano – A sabedoria bíblica para a vida diária.
Lissânder Dias do Amaral é jornalista, blogueiro, poeta e editor de livros. Integra o Conselho Nacional da Interserve Brasil e o Conselho da Unimissional. É autor de “O Cotidiano Extraordinário – a vida em pequenas crônicas” e responsável pelo blog Fatos e Correlatos do Portal Ultimato. É um dos fundadores do Movimento Vocare e ajudou a criar as organizações cristãs de cooperação Rede Mãos Dadas e Rede Evangélica Nacional de Ação Social (RENAS).
- Textos publicados: 126 [ver]
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Site: http://www.fatosecorrelatos.com.br
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Ricardo Barbosa