Opinião
- 16 de julho de 2014
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A parábola do semeador e a ética salvadora
O evangelho de Mateus complementa a imagem tão poderosa e sugestiva com a ‘parábola do semeador’. Nesta parábola os elementos decisivos são a excelente qualidade da semente e a boa disposição do terreno. O semeador lança uma semente de excelente qualidade e o faz com a generosidade e a esperança de quem ama seu campo de cultivo. Não poupa esforços e nem sementes, as coloca inclusive em lugares onde não se espera nenhum resultado, uma vez que seu interesse não é conservar, mas esperar que essa semente frutifique o mais possível.
O outro elemento decisivo é o terreno, que responde de diferentes maneiras segundo a “qualidade” da terra. A boa disposição de cada pedaço da parcela constitui o fator decisivo para o êxito do empreendimento. A semente é boa, mas nem sempre o terreno, que deverá responder de maneira desigual. A vida humana, por sua vez, é um portento, um fenômeno que não se compara a nenhuma outra forma de vida, tantas são as experiências possíveis, algumas até prodigiosas, que se dá a qualquer homem ou mulher. As que se perdem ou se diluem na memória, e as que vencem as barreiras do tempo e permanecem vivas para sempre.
A história de uma vida começa num determinado lugar, num ponto qualquer que as lembranças familiares descrevem. No meu caso, já na espreita dos últimos anos que vão se enfileirando no tempo com uma velocidade inesperada, muito maior que as que me permitiam um jipe que meu pai me dava para dirigir, ainda imberbe, nas estradas de terra de uma vila, no interior do Espírito Santo, depois município que ele próprio ajudou a fundar. Nas plantas, a vitalidade permanente é encontrada no rizoma. A vida invisível permanece, mesmo que uma espécie floral dure apenas uma primavera e desfolhe, feneça, murche, seque e desapareça no curto prazo de uma estação. Porém, o sentido da perenidade da vida, como lembrava Carl Jung, se estende por tempos sem memórias, mesmo quando as aparições, efêmeras ou não, deixam de ser registradas.
Precisamos da ajuda das Escrituras por inteiro, para compreender que o “quê” Deus nos comunica não é lançado no vazio, mas é dirigido aos “terrenos cultivados”. Ou seja, a todas as pessoas que com devoção e carinho preparam sua mente e seus sentimentos, para que seja eficaz, que elas recebem por meio dos profetas, aqueles que mostram os sinais dos tempos, enquanto observamos os ciclos da natureza. Deste modo, a comparação ressalta dois elementos muito importantes: a Palavra se dirige aos solos férteis onde a semente já repousa e a palavra retorna à sua fonte de origem: o coração dos homens.
Aprendo com ipês roxos, ou quaresmeiras, que se eternizam nas serras de Pontões, nas montanhas vertentes do Caparaó, bem próximas do lugar onde nasci, que a vida humana é uma floração sempre em substituição, enquanto a ceifa e a colheita vão ocorrendo estação pós estação, sem que o “rizoma”, a energia que faz gerar a vida, desapareça. Aprendo também que o estrondo de uma peroba de trinta metros, quando cortada no meio da mata, dura apenas alguns segundos. Porém, a floresta em silêncio continuará a abrigar os ninhos dos pássaros que se reproduziram por séculos, enquanto a árvore tombou, espalhando sementes que brotarão. Árvores vão nascer do seu tombo ruidoso. Os pássaros continuarão nascendo, e cantando o canto maravilhoso, as árvores crescerão, e produzirão frutos e sementes, anunciando a perenidade da vida sempre preservada por uma energia misteriosa e inexplicável.
A vida humana é frágil, sem a proteção contra as forças natureza, a agressão de seus semelhantes e do ambiente em que se encontra, condenada à destruição. Sofrendo sob finitudes comuns, sendo vulnerável, imperfeita e indefesa, as palavras proféticas e insurgentes não permitirão que a esperança seja sufocada no conformismo com o sofrimento e a dor da Criação e do homem, violentados sem piedade.
Entre os mais profundos anseios humanos, a salvação da Criação se inclui na concepção de um mundo sem males, uma existência defendida preservada como dom de Deus, conforme relatam os evangelhos. Entre nós, latino-americanos, o flagelo da injustiça, das desigualdades na exclusão social, a absoluta miséria de grande parte da população, confere o direito de clamar por salvação. Os gemidos lancinantes da terra toda, da humanidade, chegam ao trono do Deus que reina sobre os homens e o mundo criado. O cântico ecumênico clama: “Venha o teu Reino, Senhor,/a festa da vida recria, /a nossa espera e ardor/transforma em plena alegria!”, que meu amigo Silvio Meinck compôs.
Teillard Chardin (“Hino à Matéria”) faz uma leitura muito positiva nessa linha: este mundo não pode ignorar a evolução da Criação na direção da plena liberdade, o Criador não criou um mundo destinado a permanecer extático, para ser contemplado como imutável, desde priscas eras, nos primórdios do tempo. Se assim fosse, os seres vivos estariam condenados à fossilização, e com eles ao empedramento da própria vida. As forças cegas do caos jamais seriam vencidas. A obra de Deus está nas mãos do homem e da mulher. Desenvolvê-la de forma sustentável, não o contrário (exaurindo os recursos sem reaproveitá-los), reintegrando e recriando processos novos de preservação, torna-se essencial como parte das intenções de Deus, enquanto a questão de fundo é a sustentação da vida. A Criação, como o ser humano, também necessita de salvação, tem que participar do direito à libertação; o que se formou no universo criado é parte da história humana, de nosso ser, espera pela graça e pela salvação.
A vida de fé, comprometida com as lutas dos oprimidos, nesse caso a humanidade inteira, se pensamos numa ética salvadora inspirada na teologia paulina, refere-se ao confronto necessário com as grandes corporações, como o G-8, que controlam economicamente o mundo todo, determinando as consequências que assolam impiedosamente mais de 5 bilhões de seres humanos. Não promete servir ao bem comum, resulta na insistência de escolher apenas um hemisfério, acima da linha do Equador, para um desenvolvimento de privilegiados e já “incluídos” no mundo desenvolvido. A mudança da práxis exige também uma mudança da “fé”. Onde estão os cristãos? Onde está a Igreja? Com os que discriminam os povos, ou com os que incluem a humanidade inteira e a Criação no projeto de Deus em Jesus Cristo?
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A história de uma vida começa num determinado lugar, num ponto qualquer que as lembranças familiares descrevem. No meu caso, já na espreita dos últimos anos que vão se enfileirando no tempo com uma velocidade inesperada, muito maior que as que me permitiam um jipe que meu pai me dava para dirigir, ainda imberbe, nas estradas de terra de uma vila, no interior do Espírito Santo, depois município que ele próprio ajudou a fundar. Nas plantas, a vitalidade permanente é encontrada no rizoma. A vida invisível permanece, mesmo que uma espécie floral dure apenas uma primavera e desfolhe, feneça, murche, seque e desapareça no curto prazo de uma estação. Porém, o sentido da perenidade da vida, como lembrava Carl Jung, se estende por tempos sem memórias, mesmo quando as aparições, efêmeras ou não, deixam de ser registradas.
Precisamos da ajuda das Escrituras por inteiro, para compreender que o “quê” Deus nos comunica não é lançado no vazio, mas é dirigido aos “terrenos cultivados”. Ou seja, a todas as pessoas que com devoção e carinho preparam sua mente e seus sentimentos, para que seja eficaz, que elas recebem por meio dos profetas, aqueles que mostram os sinais dos tempos, enquanto observamos os ciclos da natureza. Deste modo, a comparação ressalta dois elementos muito importantes: a Palavra se dirige aos solos férteis onde a semente já repousa e a palavra retorna à sua fonte de origem: o coração dos homens.
Aprendo com ipês roxos, ou quaresmeiras, que se eternizam nas serras de Pontões, nas montanhas vertentes do Caparaó, bem próximas do lugar onde nasci, que a vida humana é uma floração sempre em substituição, enquanto a ceifa e a colheita vão ocorrendo estação pós estação, sem que o “rizoma”, a energia que faz gerar a vida, desapareça. Aprendo também que o estrondo de uma peroba de trinta metros, quando cortada no meio da mata, dura apenas alguns segundos. Porém, a floresta em silêncio continuará a abrigar os ninhos dos pássaros que se reproduziram por séculos, enquanto a árvore tombou, espalhando sementes que brotarão. Árvores vão nascer do seu tombo ruidoso. Os pássaros continuarão nascendo, e cantando o canto maravilhoso, as árvores crescerão, e produzirão frutos e sementes, anunciando a perenidade da vida sempre preservada por uma energia misteriosa e inexplicável.
A vida humana é frágil, sem a proteção contra as forças natureza, a agressão de seus semelhantes e do ambiente em que se encontra, condenada à destruição. Sofrendo sob finitudes comuns, sendo vulnerável, imperfeita e indefesa, as palavras proféticas e insurgentes não permitirão que a esperança seja sufocada no conformismo com o sofrimento e a dor da Criação e do homem, violentados sem piedade.
Entre os mais profundos anseios humanos, a salvação da Criação se inclui na concepção de um mundo sem males, uma existência defendida preservada como dom de Deus, conforme relatam os evangelhos. Entre nós, latino-americanos, o flagelo da injustiça, das desigualdades na exclusão social, a absoluta miséria de grande parte da população, confere o direito de clamar por salvação. Os gemidos lancinantes da terra toda, da humanidade, chegam ao trono do Deus que reina sobre os homens e o mundo criado. O cântico ecumênico clama: “Venha o teu Reino, Senhor,/a festa da vida recria, /a nossa espera e ardor/transforma em plena alegria!”, que meu amigo Silvio Meinck compôs.
Teillard Chardin (“Hino à Matéria”) faz uma leitura muito positiva nessa linha: este mundo não pode ignorar a evolução da Criação na direção da plena liberdade, o Criador não criou um mundo destinado a permanecer extático, para ser contemplado como imutável, desde priscas eras, nos primórdios do tempo. Se assim fosse, os seres vivos estariam condenados à fossilização, e com eles ao empedramento da própria vida. As forças cegas do caos jamais seriam vencidas. A obra de Deus está nas mãos do homem e da mulher. Desenvolvê-la de forma sustentável, não o contrário (exaurindo os recursos sem reaproveitá-los), reintegrando e recriando processos novos de preservação, torna-se essencial como parte das intenções de Deus, enquanto a questão de fundo é a sustentação da vida. A Criação, como o ser humano, também necessita de salvação, tem que participar do direito à libertação; o que se formou no universo criado é parte da história humana, de nosso ser, espera pela graça e pela salvação.
A vida de fé, comprometida com as lutas dos oprimidos, nesse caso a humanidade inteira, se pensamos numa ética salvadora inspirada na teologia paulina, refere-se ao confronto necessário com as grandes corporações, como o G-8, que controlam economicamente o mundo todo, determinando as consequências que assolam impiedosamente mais de 5 bilhões de seres humanos. Não promete servir ao bem comum, resulta na insistência de escolher apenas um hemisfério, acima da linha do Equador, para um desenvolvimento de privilegiados e já “incluídos” no mundo desenvolvido. A mudança da práxis exige também uma mudança da “fé”. Onde estão os cristãos? Onde está a Igreja? Com os que discriminam os povos, ou com os que incluem a humanidade inteira e a Criação no projeto de Deus em Jesus Cristo?
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Assim na terra como no céu: experiências socioambientais na igreja local
É pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e autor de livros como “Pedagogia da Ganância" (2013) e "O Dragão que Habita em Nós” (2010).
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