Opinião
- 11 de dezembro de 2014
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A Nova Tradução na Linguagem de Hoje é confiável?
A Bíblia na Linguagem de Hoje, conhecida, desde 2001, como Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH), surgiu a partir de uma necessidade sentida por tradutores do Novo Testamento, além de ser uma resposta ao anseio da igreja brasileira. Uma equipe de tradução bíblica que atuava na região amazônica se dirigiu à Sociedade Bíblica Americana para indagar a respeito da possibilidade de conseguir um Novo Testamento em linguagem popular. Fizeram o pedido, porque sabiam que um projeto semelhante estava sendo executado em língua espanhola. Isto foi no começo da década de 1960. Mas como os primeiros ensaios de tradução foram feitos por brasileiros que moravam nos Estados Unidos, o projeto não foi bem visto por algumas lideranças brasileiras e teve de ser abandonado. Assim, pode-se dizer que a Bíblia na Linguagem de Hoje tem até mesmo uma pré-história marcada por controvérsia. (Para um relato mais pormenorizado desta história, veja o livro “40 anos de Bíblia na Linguagem de Hoje”, publicado pela SBB).
O projeto de uma “versão popular”, como se falava naquela época, foi retomado no Brasil, em 1966. E, depois de algumas idas e vindas, o Novo Testamento na Linguagem de Hoje foi finalmente publicado, em 1973, no ano do Jubileu de Prata da Sociedade Bíblica do Brasil.
Algumas porções já haviam sido lançadas antes de 1973 e muitos artigos tinham sido publicados em revistas evangélicas (especialmente “A Bíblia no Brasil”), com vistas a preparar o público evangélico para a nova tradução. Mas quando o Novo Testamento completo estava finalmente disponível, a discussão recomeçou. Alguns saudaram a Bíblia na Linguagem de Hoje com entusiasmo; outros a rejeitaram com veemência. Algumas das objeções formuladas naquele tempo ainda circulam por aí, na Internet.
Num olhar retrospectivo, pode-se dizer que a Bíblia na Linguagem de Hoje pagou o preço pelo pioneirismo. Surgiu numa época em que boa parte do público evangélico brasileiro não contava com a possibilidade de uma nova tradução da Bíblia, muito menos uma tradução tão diferente. Se a Almeida Revista e Atualizada, de meados do século XX, já sofreu resistência, por afastar-se da antiga Almeida numa proporção de 30%, que dizer de uma tradução em que os leitores da Bíblia não mais encontravam os seus termos teológicos favoritos! A reação foi – e, em muitos casos, continua sendo – “tiraram tudo da Bíblia”. Mas como sempre de novo se precisa responder: “Nada se perdeu, mas tudo se transformou!”
Transformação é uma palavra importante para se entender a Bíblia na Linguagem de Hoje. Eugene Nida, que desenvolveu a teoria da “tradução dinâmica”, gostava de fazer distinção entre “estrutura profunda” e “estrutura de superfície”. Na prática, isto significa que uma mesma mensagem (a estrutura profunda) pode ser expressa de várias maneiras (estruturas de superfície). Um exemplo é o uso de voz ativa e voz passiva para dizer, essencialmente, a mesma coisa. Muda, com certeza, a ênfase, mas a mensagem acaba sendo a mesma. Muitas línguas, inclusive indígenas do Brasil, não têm voz passiva. Isto significa que sempre será preciso transformar construções passivas em ativas. A Bíblia na Linguagem de Hoje optou por fazer isto, em muitos momentos, não porque não temos voz passiva em português, mas porque entendeu que é mais natural e comum, em português contemporâneo, usar a voz ativa. Na medida em que a voz ativa tende a explicitar o sujeito, isto contribui para a clareza da tradução. [Um caso típico é o assim chamado “passivo divino”, ou seja, uma construção passiva que foi adotada pelo escritor bíblico para, em atitude de respeito a um dos dez mandamentos, não ter de fazer uso do nome de Deus. Como em nossos dias não temos mais o mesmo receio, nada impede que se transformem esses “passivos divinos” em construções ativas. Um caso clássico são as Bem-Aventuranças, em que, por exemplo, “serão consolados” aparece em voz ativa como “Deus as consolará”.]
Por vezes se diz que “só se ama o que se conhece”. Muitos não conseguem aceitar a Bíblia na Linguagem de Hoje porque não conhecem os princípios de tradução que foram adotados. Ela é uma tradução dinâmica, o que significa que não adota uma consistência cega, em que se traduz um termo (por exemplo, “carne”) sempre da mesma forma, pouco importando o que significa nos diferentes contextos. Este caráter dinâmico transparece na forma diversificada de se traduzir o conceito “carne” na NTLH. Em João 1.14, “carne” foi traduzido por “ser humano”; em Atos 2.17, por “pessoas”; em Romanos 2.28, por “corpo”; em Romanos 7.5, por “a nossa natureza humana”, e assim por diante.
Contexto é outro conceito fundamental, no caso da Bíblia na Linguagem de Hoje. Não se faz tradução “palavra por palavra”, nem “versículo por versículo”, mas de unidades de texto maiores. A tão discutida tradução de Salmo 116.15 (“O SENHOR Deus sente pesar quando vê morrerem os que são fiéis a ele”) se justifica em grande parte por razões de ordem contextual. O contexto do Salmo 116 como que requer esta tradução.
Além de dinâmica e contextual, a NTLH é comunicativa (ou semântica). Entende que, por mais importantes que sejam as palavras uma por uma, um texto não é simples coleção de palavras. Um texto sempre é mais do que a soma das palavras. Um texto comunica como um todo, no parágrafo, e não no versículo ou em palavras isoladas. Mas continua forte a tradição de procurar (e pregar) apenas palavras, temas, e não textos. E, como Eugene Nida se expressou certa vez, “muita gente teme mais as palavras do que teme a Deus”.
Muitos dos que não gostam da NTLH integram um grupo de pessoas que não são o público-alvo dessa tradução. Ela não foi feita para pastores ou crentes antigos, acostumados com o texto de Almeida, mas para a maioria do povo brasileiro, pessoas com escolaridade média de sétima ou oitava série do ensino fundamental. Ela foi feita para quem tem dificuldade de ler textos mais longos, não tem muita familiaridade com a Bíblia ou nunca leu o texto sagrado. Raramente se ouvem reclamações vindas deste público. Quem a critica são pastores, líderes, bons conhecedores da Bíblia de Almeida e, em muitos casos, biblistas, que deveriam estar mais bem informados sobre as complexidades da tradução bíblica e das várias possibilidades tradutórias que determinado texto oferece. Há por trás dessa atitude um pretenso desejo de “defender a Palavra de Deus”, mas essa atitude acaba por revelar um sentimento elitista. “Se eu consegui entender (ou penso que entendo), todos podem fazer o mesmo esforço e chegar lá”. Ou, “se eu não preciso de uma Bíblia assim, ninguém precisa”.
Por que, então, ler a Nova Tradução na Linguagem de Hoje? Para muitos, a resposta é simples: para, pela primeira vez, entender o que a Bíblia diz. Mas a Nova Tradução na Linguagem de Hoje é muito boa para quem quer fazer uma leitura rápida da Bíblia. Especialmente em textos narrativos, que são 75% da Bíblia, a NTLH é imbatível. No caso desta tradução, ler trechos maiores, de forma mais rápida, é ler da forma correta, pois ela foi feita para ser lida exatamente assim.
• Dr. Vilson Scholz é consultor de Traduções da Sociedade Bíblica do Brasil.
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O projeto de uma “versão popular”, como se falava naquela época, foi retomado no Brasil, em 1966. E, depois de algumas idas e vindas, o Novo Testamento na Linguagem de Hoje foi finalmente publicado, em 1973, no ano do Jubileu de Prata da Sociedade Bíblica do Brasil.
Algumas porções já haviam sido lançadas antes de 1973 e muitos artigos tinham sido publicados em revistas evangélicas (especialmente “A Bíblia no Brasil”), com vistas a preparar o público evangélico para a nova tradução. Mas quando o Novo Testamento completo estava finalmente disponível, a discussão recomeçou. Alguns saudaram a Bíblia na Linguagem de Hoje com entusiasmo; outros a rejeitaram com veemência. Algumas das objeções formuladas naquele tempo ainda circulam por aí, na Internet.
Num olhar retrospectivo, pode-se dizer que a Bíblia na Linguagem de Hoje pagou o preço pelo pioneirismo. Surgiu numa época em que boa parte do público evangélico brasileiro não contava com a possibilidade de uma nova tradução da Bíblia, muito menos uma tradução tão diferente. Se a Almeida Revista e Atualizada, de meados do século XX, já sofreu resistência, por afastar-se da antiga Almeida numa proporção de 30%, que dizer de uma tradução em que os leitores da Bíblia não mais encontravam os seus termos teológicos favoritos! A reação foi – e, em muitos casos, continua sendo – “tiraram tudo da Bíblia”. Mas como sempre de novo se precisa responder: “Nada se perdeu, mas tudo se transformou!”
Transformação é uma palavra importante para se entender a Bíblia na Linguagem de Hoje. Eugene Nida, que desenvolveu a teoria da “tradução dinâmica”, gostava de fazer distinção entre “estrutura profunda” e “estrutura de superfície”. Na prática, isto significa que uma mesma mensagem (a estrutura profunda) pode ser expressa de várias maneiras (estruturas de superfície). Um exemplo é o uso de voz ativa e voz passiva para dizer, essencialmente, a mesma coisa. Muda, com certeza, a ênfase, mas a mensagem acaba sendo a mesma. Muitas línguas, inclusive indígenas do Brasil, não têm voz passiva. Isto significa que sempre será preciso transformar construções passivas em ativas. A Bíblia na Linguagem de Hoje optou por fazer isto, em muitos momentos, não porque não temos voz passiva em português, mas porque entendeu que é mais natural e comum, em português contemporâneo, usar a voz ativa. Na medida em que a voz ativa tende a explicitar o sujeito, isto contribui para a clareza da tradução. [Um caso típico é o assim chamado “passivo divino”, ou seja, uma construção passiva que foi adotada pelo escritor bíblico para, em atitude de respeito a um dos dez mandamentos, não ter de fazer uso do nome de Deus. Como em nossos dias não temos mais o mesmo receio, nada impede que se transformem esses “passivos divinos” em construções ativas. Um caso clássico são as Bem-Aventuranças, em que, por exemplo, “serão consolados” aparece em voz ativa como “Deus as consolará”.]
Por vezes se diz que “só se ama o que se conhece”. Muitos não conseguem aceitar a Bíblia na Linguagem de Hoje porque não conhecem os princípios de tradução que foram adotados. Ela é uma tradução dinâmica, o que significa que não adota uma consistência cega, em que se traduz um termo (por exemplo, “carne”) sempre da mesma forma, pouco importando o que significa nos diferentes contextos. Este caráter dinâmico transparece na forma diversificada de se traduzir o conceito “carne” na NTLH. Em João 1.14, “carne” foi traduzido por “ser humano”; em Atos 2.17, por “pessoas”; em Romanos 2.28, por “corpo”; em Romanos 7.5, por “a nossa natureza humana”, e assim por diante.
Contexto é outro conceito fundamental, no caso da Bíblia na Linguagem de Hoje. Não se faz tradução “palavra por palavra”, nem “versículo por versículo”, mas de unidades de texto maiores. A tão discutida tradução de Salmo 116.15 (“O SENHOR Deus sente pesar quando vê morrerem os que são fiéis a ele”) se justifica em grande parte por razões de ordem contextual. O contexto do Salmo 116 como que requer esta tradução.
Além de dinâmica e contextual, a NTLH é comunicativa (ou semântica). Entende que, por mais importantes que sejam as palavras uma por uma, um texto não é simples coleção de palavras. Um texto sempre é mais do que a soma das palavras. Um texto comunica como um todo, no parágrafo, e não no versículo ou em palavras isoladas. Mas continua forte a tradição de procurar (e pregar) apenas palavras, temas, e não textos. E, como Eugene Nida se expressou certa vez, “muita gente teme mais as palavras do que teme a Deus”.
Muitos dos que não gostam da NTLH integram um grupo de pessoas que não são o público-alvo dessa tradução. Ela não foi feita para pastores ou crentes antigos, acostumados com o texto de Almeida, mas para a maioria do povo brasileiro, pessoas com escolaridade média de sétima ou oitava série do ensino fundamental. Ela foi feita para quem tem dificuldade de ler textos mais longos, não tem muita familiaridade com a Bíblia ou nunca leu o texto sagrado. Raramente se ouvem reclamações vindas deste público. Quem a critica são pastores, líderes, bons conhecedores da Bíblia de Almeida e, em muitos casos, biblistas, que deveriam estar mais bem informados sobre as complexidades da tradução bíblica e das várias possibilidades tradutórias que determinado texto oferece. Há por trás dessa atitude um pretenso desejo de “defender a Palavra de Deus”, mas essa atitude acaba por revelar um sentimento elitista. “Se eu consegui entender (ou penso que entendo), todos podem fazer o mesmo esforço e chegar lá”. Ou, “se eu não preciso de uma Bíblia assim, ninguém precisa”.
Por que, então, ler a Nova Tradução na Linguagem de Hoje? Para muitos, a resposta é simples: para, pela primeira vez, entender o que a Bíblia diz. Mas a Nova Tradução na Linguagem de Hoje é muito boa para quem quer fazer uma leitura rápida da Bíblia. Especialmente em textos narrativos, que são 75% da Bíblia, a NTLH é imbatível. No caso desta tradução, ler trechos maiores, de forma mais rápida, é ler da forma correta, pois ela foi feita para ser lida exatamente assim.
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