Opinião
- 02 de junho de 2022
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A natureza é nossa irmã
Por Carlos Nomoto
O propósito deste texto é promover uma reflexão missiológica sobre a perspectiva ambiental. Ou uma reflexão ambiental sobre a perspectiva missiológica, tentando organizar e reorganizar algumas imagens e ideias que temos sobre o que o Criador de todas as coisas visíveis e invisíveis espera da relação entre o ser humano e as demais criaturas.
No contexto brasileiro, e mesmo no internacional, não é possível tratar deste tema sem incluir a Amazônia, palco de recente repercussão global devido às queimadas.
A Amazônia não é o pulmão do mundo.
Pesquisas científicas revelam que a Amazônia é a “grande caixa d´água” do mundo: bilhões de litros de água evaporam diariamente da maior floresta tropical do planeta formando um fenômeno chamado “rios voadores”. Outras duas florestas tropicais contribuem com evaporação de água para tal fenômeno: a da Bacia do Congo e a do Sudeste Asiático. De forma magistral, correntes de ar conectam e distribuem esse volume de água evaporada em formato de gotículas por todo o globo terrestre, contribuindo diretamente para a regulação do clima e do regime de chuvas. Um sistema natural fantástico que pode ser observado através de uma sequência de fotos de satélites da NASA.1
Não é necessário ir muito longe para compreender os impactos de qualquer desequilíbrio nesse sistema natural sobre setores como agricultura, geração de energia, saúde pública e gestão de grandes centros urbanos. A previsibilidade sobre locais e volumes de chuva tem sido cada vez menos acertadas se, para a formularmos, considerarmos apenas os dados históricos. Fica cada vez mais complexo prever o volume de colheitas, volume de água para geração de energia (em particular para países com fontes de energia hídrica, como o Brasil), locais com possíveis epidemias e destruição de infraestrutura em decorrência de enchentes.
Não é necessário ir muito longe para compreender os impactos de qualquer desequilíbrio nesse sistema natural sobre setores como agricultura, geração de energia, saúde pública e gestão de grandes centros urbanos. A previsibilidade sobre locais e volumes de chuva tem sido cada vez menos acertadas se, para a formularmos, considerarmos apenas os dados históricos. Fica cada vez mais complexo prever o volume de colheitas, volume de água para geração de energia (em particular para países com fontes de energia hídrica, como o Brasil), locais com possíveis epidemias e destruição de infraestrutura em decorrência de enchentes.
Esse é um simples extrato contextual das discussões em torno do que se chama hoje de mudanças climáticas.
Nas discussões mundiais sobre o clima, fala-se sobre como os sistemas naturais estão sendo alterados por ações antropogênicas, ou seja, provocadas pelo ser humano. A velocidade com que a humanidade consome os recursos naturais e gera resíduos é maior do que a velocidade que a natureza consegue gerar mais recursos e absorver tal volume de resíduos.
A temperatura média do planeta Terra vem alcançando recordes de alta de temperatura.2 Emissões de gases tóxicos e de efeito estufa estão entre os principais causadores do desequilíbrio dos sistemas naturais. Tais gases: (1) destroem uma camada gasosa que regula a entrada de raios solares ultravioleta na crosta terrestre, e (2) impedem que o calor gerado na crosta terrestre seja dissipado “para o espaço”. Por conta disso, ocorre o efeito estufa. Dentre outras fontes, esses gases são gerados por processos industriais, desmatamento, motores de veículos aéreos, marítimos e terrestres e geração de energia (termoelétricas, queima de carvão).
A natureza não consegue absorver o crescente volume de emissão de gases de efeito estufa
A emissão desses gases – bem como a geração e o descarte de outros tipos de resíduos (sólidos, líquidos e gasosos), a redução de cobertura vegetal (essencial para a regulagem da umidade e do clima) e o uso intensivo de insumos químicos sobre o solo e a urbanização – tem impactado diretamente os sistemas naturais.
Por que se vive assim?
- Porque o fundamento que rege a competitividade entre as nações está construído sobre a premissa de crescer economicamente de forma infinita por meio do aumento do consumo da população. Esse modelo – extrair, produzir, consumir e descartar – vem sendo aperfeiçoado há 200 anos, desde a Revolução Industrial.
- Porque assumiu-se que as necessidades humanas são infinitas: estilo de vida baseado no consumo crescente.
- Por conta da educação e dos valores morais. Ao longo de décadas, a natureza não foi incluída na formação educacional. E, quando abordada, foi tratada como uma fonte infinita de recursos que existem apenas para atender às necessidades humanas que, por sua vez, também são infinitas.
É esse modelo econômico, social, mental e educacional baseado no consumo crescente de bens e serviços a causa principal de praticamente todo o desequilíbrio dos sistemas naturais.
Contudo, há grupos que discordam dessas causas e conclusões.
Não é objetivo deste texto debater a veracidade científica das afirmações acima apresentadas e confirmadas por mais de mais de 2 mil cientistas envolvidos há mais de uma década no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU) – sem mencionar os demais núcleos científicos ao redor do globo. Há material suficiente e disponível na internet.
Também não é objetivo deste texto propor soluções para o complexo sistema produtivo em nível global. Modelos em menor escala estão sendo testados em nível macro e microeconômico em todo o Planeta, e os resultados estão sendo animadores! Esforços de entidades multilaterais e de organizações não governamentais têm ajudado a incluir pautas ambientais nos fóruns de debate globais. Tecnologia é uma ferramenta indispensável para encontrar soluções que conciliem o atendimento das necessidades desta geração sem comprometer a capacidade de as próximas gerações atenderem às suas necessidades.3 Mas ainda temos uma longa jornada pela frente, afinal, são 200 anos aperfeiçoando esse modelo atual de produção e de vida.
Os sistemas naturais são perfeitos e implacáveis
Perfeitos porque, sem a intervenção humana, providenciam todo o necessário para o bom funcionamento do planeta: volume de água correto nos lugares certos, intensidade luminosa adequada para o desenvolvimento dos vegetais, clima e ciclo de nutrientes. Aliás, esses sistemas já funcionavam perfeitamente antes mesmo de o homem e a mulher serem criados por Deus.
Implacáveis porque beneficiam ou dificultam a vida dos seres humanos independentemente de posições políticas, religiosas ou ideológicas. Não reconhecem fronteiras geográficas, e tampouco fazem distinção entre os “salvos” e “não salvos” em Cristo Jesus.
Possíveis origens do distanciamento da Igreja Cristã da pauta ambiental global
As políticas econômicas, conforme mencionadas anteriormente, seguem ainda sob o modelo da competividade por meio do estímulo ao consumo infinito da população, modelo esse que está exaurindo os recursos naturais e provocando alterações nos ciclos hidrológicos e climáticos devido ao aumento de emissões de gases poluentes na atmosfera.
A Igreja Cristã, de modo geral, tem ficado distante dos assuntos relacionados ao meio ambiente, sendo que poderia oferecer perspectivas valiosas e ainda mobilizar milhares de pessoas dentro de suas paróquias.
Durante os últimos 200 ou 300 anos, a natureza foi abordada sob diversas formas que, com poucas exceções, assustaram e afastaram as igrejas, em particular as evangélicas (incluindo as protestantes), dos temas ambientais.
Possivelmente, a trajetória que levou a esse distanciamento é a descrita a seguir e envolve: o pensamento mecanicista, o deísmo, os hippies, o panteísmo, o racionalismo, o platonismo e a desmaterialização da prática da fé.
Revolução Industrial: pensamento mecanicista distanciou a Igreja das questões ambientais
Antes mesmo de influenciar a Revolução Industrial há 200 anos, marco histórico que trouxe a humanidade e os sistemas naturais para a condição atual, o pensamento mecanicista ajudou a construir perspectivas sobre a natureza que foram resumidas em frases como –
“A natureza funciona como um relógio –, ou seja, de forma ordenada, cíclica e precisa. De fato, esse reconhecimento levou a uma clássica indagação do cientista Isaac Newton, utilizada sem restrições em debates apologéticos: “Se há um relógio, quem é o relojoeiro?” 4, construindo uma ponte entre a ciência e a fé.
O pensamento mecanicista sobre a natureza evoluiu em algumas frentes e uma delas foi o Deísmo. Essa linha de pensamento afirma que a natureza, de fato, fora criada e funcionava de forma tão perfeita que tornou Deus desnecessário. Ela se autossustentava de forma autônoma.5
A Revolução Industrial foi uma das expressões óbvias do pensamento mecanicista.
Em seguida, veio a Revolução dos Combustíveis Fósseis. Em especial, o petróleo, que teve um de seus apogeus durante a década de 70, quando o preço do barril saltou de 23,93 dólares americanos em dezembro de 1973 para 55,67 em janeiro de 1974.
Um pouco antes dessa década, surgia um grupo de contracultura no Ocidente, os hippies e, dentre as suas pautas, estavam a poluição atmosférica, a preservação de espécies em extinção e o fim da guerra do Vietnã. Nas palavras de Francis Schaeffer:
Os hippies de 1960 entenderam alguma coisa. Eles estavam certos ao lutar contra a cultura plástica (da época) e a igreja deveria estar lutando também, há muito, muito tempo atrás, antes mesmo desta contracultura entrar em cena. Mais do que isso, eles estavam certos sobre o fato de que aquela cultura plástica – o homem moderno, a visão mecanicista sobre o mundo presente nos livros ensinados nas universidades e posta em prática, a ameaça real das máquinas, a imposição da tecnologia, a burguesia da classe média alta – é sensitivamente pobre em relação à natureza. Isso tudo estava totalmente correto. Este grupo utópico de contracultura compreendeu muito bem a realidade, tanto o aspecto cultural como também o raso conceito que o homem moderno tem sobre a natureza e a forma como a mecanização está engolindo a natureza por todo lado.6
Para complicar e afastar ainda mais a Igreja Cristã das questões ambientais, na década de 70 outra afirmação bastante difundida entre ambientalistas e simpatizantes foi: “A Natureza é a nossa mãe”. Tal afirmação foi reforçada pela teoria da Hipótese de Gaia, desenvolvida por James Lovelock, e teve grande utilidade ao chamar a atenção da sociedade – juntamente com outras publicações –, invertendo a lógica de que a natureza dependia da humanidade. A humanidade é quem dependia totalmente da natureza e estava caminhando, sem perceber, para uma catástrofe de proporções imprevisíveis. A ideia de tratar a Terra com adjetivos femininos, como uma mãe provedora de todos os frutos e protetora dos seres viventes, venerada por defensores da natureza modernos chamando-a de Gaia, é encontrada já na época medieval.7
Os limiares dessa discussão sobre quem depende mais de quem, a natureza do ser humano ou vice-versa, são bastante interessantes. Em alguns momentos, lembram o panteísmo ao igualar o ser humano às demais criaturas em essência. Nesse processo argumentativo de unificação, não há espaço para particularidades, o que é totalmente oposto à visão judaico-cristã sobre o homem como imagem e semelhança do Criador, e tampouco há espaço para um Deus presente que sustenta o Universo.
Embora corretos em sua luta pela natureza, a proposta ambiental dos hippies baseada no panteísmo apresentava lacunas existenciais. Segundo Schaeffer:
O Panteísmo oferece uma resposta através da unidade (de todas as coisas), mas retira todo o significado da diversidade. Qualquer perspectiva apresentada pelo panteísmo é obtida através da projeção dos sentimentos do homem sobre e na natureza. (…) Ao olhar para uma galinha, assumimos que ela ama sua própria vida através de qualidades humanas. Mas seguir nesta linha significa invadir a “realidade” da galinha. O panteísmo sempre levará o homem a uma posição inferior ao invés de elevá-lo. Neste pensamento, não é a natureza que é elevada, mas o homem é rebaixado.8
Na década de 90, algumas igrejas evangélicas no Brasil, influenciadas por movimentos dos Estados Unidos, começaram a travar uma guerra espiritual contra um complô de proporções globais chamado Nova Era.
Parecia uma mistura de panteísmo com movimento hippie, mas melhor vestidos, menos ativistas e com uma agenda sofisticada e alinhada com algumas pautas da ONU, dentre elas o rápido crescimento populacional replicando os hábitos de consumo dos países ricos e contribuindo para a destruição do Planeta. O plano deles era considerado diabólico e já prenunciava o anticristo: dominar o mundo ocupando posições de influência na sociedade, valorizando práticas místicas orientais, promovendo a redução da população através de uniões homoafetivas e estimulando o vegetarianismo. A veneração a Gaia, a mãe Terra, era uma das expressões desse movimento, seja defendendo-a ou adorando-a.
Durante os últimos 50 anos, na tentativa de se proteger dos valores imorais praticados pelos místicos ambientalistas que evocavam Gaia andando nus pelas florestas, praticando sexo livre, erguendo um círculo com uma cruz quebrada de ponta cabeça (símbolo de paz e amor) e financiando ONGs que atacavam barcos baleeiros, grande parte das igrejas encontrou refúgio nos partidos políticos conservadores de suas jurisdições. Até porque governantes, empresários e industriais que representavam o próprio status quo da época faziam – e continuam fazendo – parte do rol de membros dessas igrejas.
O ambientalismo passa, então, a ser coisa dos liberais, não dos conservadores.
Entre os católicos, também houve algumas diferenças. O ambientalismo foi bastante associado ao movimento da Teologia da Libertação, o que é coerente uma vez que, ao se aproximar de questões sociais, dentre elas as que envolvem a propriedade da terra, é inevitável incluir a dimensão ambiental.
Atualmente, tanto conservadores quanto liberais, de direita ou esquerda, não se arriscam a desprezar as questões ambientais. No mínimo devem dizer algo sobre isso em público, ainda que de forma errática. A pauta ambiental avançou nas agendas políticas em nível global e, como nenhum grupo social pode ser considerado um bloco único, os próprios conservadores contam com grupos que incluem propostas ambientais em suas plataformas.
Testemunhamos o discurso de líderes conservadores atualmente no poder fazendo afirmações como: “As mudanças climáticas são invenção dos chineses”, “O Brasil é alvo de uma psicose ambientalista” e “O Brasil é uma virgem que todo tarado de fora quer”.9
Não são afirmações que expressam a opinião de todos os conservadores de todos os países.
Em entrevista ao jornal Financial Times em março de 2019, Sir Roger Scruton, arquiteto, filósofo e conservador influente do Reino Unido, chama a atenção para o fato de que, se as mudanças climáticas são um problema de nível global, as soluções também devem ser elaboradas no mesmo nível, de forma transnacional. Em nível local, Sir Roger concentra suas intenções políticas ambientais em uma palavra: oikophilia (amigos da casa, ou do lar), enfatizando tanto a importância de cuidar do nosso lar comum, o Planeta Terra, como o direito de todo cidadão britânico residir em casas e bairros agradáveis, seguros e funcionais.10
Outra possível origem do distanciamento da Igreja Cristã de debates e de movimentos em favor da natureza é a desmaterialização da prática da fé cristã. Ao longo das últimas décadas, os evangélicos passaram a demonstrar mais interesse “naquilo que é do alto”, nas coisas espirituais, do que nas coisas materiais. São diversos os fatores que podem ter levado a esse fenômeno, dentre eles uma mistura esquisita de racionalismo com platonismo.
Teólogos atuais do Oriente observam a influência dessas duas correntes de pensamento sobre a teologia formulada no Ocidente, o que, segundo eles, tem levado a uma prática de fé estritamente intelectualizada, sentimentalista e moralista, distante da salvação terapêutica da alma (nous), da purificação aperfeiçoada através da disciplina dos desejos (asceticismo) e condicionamento da alma e do corpo para adoração (hesychia).11
O racionalismo contribuiu para levar a prática da fé cristã ao nível daquilo que podemos compreender, o que trouxe avanços significativos no lado ocidental do mundo em, pelo menos, duas frentes interessantes: a academia e a população. Ao comprovar que a fé cristã pode ser explicada e defendida por métodos de análise científica, o pensamento cristão conquistou espaços importantes na academia. Outro resultado positivo, e talvez não planejado, foi abrir a possibilidade para qualquer pessoa compreender e ensinar a Bíblia, retirando a exclusividade do ensino bíblico concedida corporativamente somente aos clérigos ou teólogos. Ou seja, entender a Bíblia não era um processo limitado a uma iluminação divina randomicamente predestinada a alguns poucos notáveis da sociedade.
Sentidos foram amortecidos na prática da fé cristã no Ocidente: base abstrata
Entretanto, um dos efeitos paradoxais da influência do racionalismo na formação do pensamento cristão ocidental foi tornar a prática da fé cristã abstrata, imaterial. Isso porque o pensamento humano é, em essência, abstrato e imaterial.
Rituais praticados durante séculos pelos cristãos antigos foram abandonados, seja pelo suposto caráter idólatra ou pela simples desnecessidade de tais rotinas dado que compreender a fé cristã em dimensões diametralmente opostas – racionalidade e êxtase emocional – tornou-se a grande evidência de transformação, de conversão.
Ao desconectar o intenso envolvimento do corpo humano na prática da fé, em especial durante as celebrações comunitárias, criou-se entre os evangélicos ocidentais uma espiritualidade manca, incompleta.
Os sentidos, concedidos graciosamente pelo Criador, que criam memórias olfativas, visuais e auditivas, foram amortecidos por mensagens dominicais construídas apenas sobre bases lógicas e um conjunto de canções cujas letras são ainda mais abstratas, ambos executados geralmente em ambientes opacos e estéreis. Os incensos, utilizados desde o Antigo Testamento, desapareceram entre os protestantes evangélicos, assim como as iconografias. Às vezes, o olfato é ativado durante as santas ceias, celebradas com suco de uva e pães de fôrma industrializados.
Uma vez desestimulados a utilizar o corpo como expressão da fé em Cristo, como abordar o tema da natureza criada se é através do corpo que compreendemos nossa relação com ela e não somente com o pensamento? A beleza de uma paisagem, os aromas mais intensos e diversos de uma floresta, o sabor de uma refeição produzida com ingredientes de todo tipo, a temperatura refrescante de um rio, a sombra proveniente de um conjunto de grandes árvores…
Uma vez que o corpo é tratado como elemento secundário na prática da fé, o que esperar do entendimento e envolvimento dos cristãos e cristãs protestantes evangélicos com a biodiversidade?
Além do racionalismo, o platonismo também tem sua parcela de influência nessa trajetória de desmaterialização da prática da fé, que possivelmente contribuiu para o distanciamento da Igreja Cristã dos temas ambientais. Schaeffer afirma:
Qualquer tipo de Cristianismo que tenha a influência de algum conceito platônico não apresentará uma resposta (convincente) para a natureza; e temos que admitir que muito do Cristianismo evangélico tem suas raízes no pensamento platônico. Neste tipo de Cristianismo, há interesse somente “nas coisas do alto”, nas coisas celestiais que são a “salvação da alma” e ir para o céu. Este é um conceito platônico aonde há pouco ou nenhum interesse nos prazeres do corpo ou mesmo no uso do intelecto. Neste tipo de Cristianismo, há uma forte tendência de ver na natureza nada mais do que uma prova clássica da existência de Deus. “Olhe para natureza”, “olhe para as montanhas”: “elas foram criadas por Deus”. E paramos por aí. A natureza se tornou uma prova meramente acadêmica da existência do Criador, com pouco valor em si mesma. Cristãos com esta perspectiva não mostram interesse na natureza em si. Eles a usam simplesmente como uma arma apologética ao invés de pensar e falar sobre o valor intrínseco da natureza.12
É interessante refletir sobre como e por que os evangélicos chegaram a esse ponto dado que a compreensão bíblica sobre aquilo que é material é muito clara e, para o propósito deste texto, essa compreensão é fundamental.
Além do fato de que Deus criou um planeta material, não é algo etéreo, Ele próprio veio a este mundo em formato material: Jesus Cristo, o Filho de Deus. O Divino tornou-se “matéria”. Foi morto e ressuscitou materialmente, corporalmente.
O processo todo, do nascimento à ressurreição do Senhor Jesus Cristo, deu-se através da matéria, do corpo. Tomé tocou o corpo de Cristo. Cristo comeu peixe com os apóstolos após ressuscitar. E mais de 500 pessoas viram o Senhor após a sua ressurreição (1Coríntios 15.6).
Quanto aos cristãos e cristãs, seus corpos serão ressuscitados. E isso era tão real para os cristãos antigos que não permitiam que seus corpos fossem cremados por dois motivos: era uma prática idólatra e ressuscitariam um dia, em seus corpos para viver com Cristo.13
Por fim, a vida após a morte é descrita de forma absolutamente material. Na casa do Pai há muitas moradas. A Nova Jerusalém é uma cidade com medidas e projeto arquitetônico descritos em detalhes. Haverá um rio atravessando essa cidade.
O distanciamento dos formadores de opinião, teólogos e pastores das questões ambientais tem causas sérias, possivelmente geradas pela entrada sutil de ideias e pensamentos dominantes no Ocidente, alguns deles abordados brevemente nos parágrafos anteriores.
E consequências ainda mais sérias, dentre elas a ineficácia na luta em favor dos mais fracos, dos mais pobres, do órfão e da viúva, pois são esses os que mais sofrem e sofrerão com os desequilíbrios dos sistemas naturais.
Mudanças climáticas: a nova face da injustiça social
Grande parte das profissões de fé cristãs concordam em um ponto: combater as injustiças sociais é uma das tarefas centrais da Igreja. E onde há uma crise ambiental, há desigualdade social e violência. Países do continente africano, receptores de grande número de missionários de países americanos e europeus ao longo de décadas, apresentam o já conhecido histórico de guerras movidas por ideologias, financiadas pela extração e venda de recursos naturais minerais por vias comerciais ilícitas.14
Temos a ideia de que é somente o ouro, mas atualmente os minerais valiosos extraídos do solo africano são os “3T1G”, letras iniciais em inglês para estanho, tungstênio, tântalo e ouro, os quais são transformados em componentes de celulares e computadores vendidos em todo o mundo. As condições de trabalho são degradantes, assim como a poluição do solo e dos rios devido ao manejo inadequado do processo de extração. A exigência de comprovações auditáveis sobre a origem desses e de outros minérios já é uma realidade em setores produtivos que os utilizam.
Da perspectiva ambiental, houve duas grandes transições na história que impactaram o uso dos recursos naturais e contribuíram para o aumento da desigualdade: a invenção da agricultura e a exploração dos combustíveis fósseis.15
O impacto da agricultura
A agricultura está sendo desenvolvida pela humanidade há milhares de anos. Ao deixar seu estilo de vida como caçador-coletor, portanto nômade, o ser humano passou a cultivar seus próprios alimentos vegetais e animais. Com poucas exceções, grupos de pessoas instalaram-se em assentamentos permanentes.
Os primeiros efeitos foram na alimentação. Como nômades, alimentavam-se com o que encontravam pelo caminho, o que forçava uma dieta variada e, por isso, saudável. Como sedentários, a diversificação alimentar reduziu-se drasticamente.16
O segundo efeito foi a estratificação social: o superávit agrícola, produzir alimento além do necessário para as necessidades do grupo, levou algumas tribos a se transformarem em grandes nações. O excedente de alimento armazenado em grandes estoques ofereceu tempo disponível para uma camada da população desenvolver outras habilidades e conhecimentos além da agricultura. Essa camada, naturalmente, passou a dominar os demais agricultores. Além disso, a comercialização do excedente de alimentos com outros grupos menos afortunados permitiu o enriquecimento de determinado grupo, tendo como moeda de troca a submissão política.
Excedente de alimento: tempo disponível para uma camada da população desenvolver outras habilidades e conhecimentos além da agricultura
Conflitos entre grupos foram inevitáveis à medida em que ficavam conhecidos os locais mais férteis; simultaneamente, aumentaram as concentrações de pessoas vivendo juntas, demandando maior área para produção e habitação. Foi necessário formar grupos armados para defender seus respectivos territórios. Crescia a noção sobre propriedade da terra e soberania nacional.
E o terceiro efeito foi sobre o uso da terra. Os caçadores-coletores não manipulavam a terra. Já os agricultores desenvolveram técnicas para o manejo de grandes áreas de cultivo, desviando o curso comum de rios para irrigação, selecionando as melhores sementes, pavimentando estradas para o transporte da colheita. O desmatamento foi uma necessidade óbvia.
Clive Ponting, historiador britânico, exemplifica o ciclo destruidor por meio do qual grandes nações da Mesopotâmia foram extintas. A diversidade vegetal foi substituída pela monocultura, diminuindo a cobertura vegetal natural durante o ano todo. O solo, durante o período em que a monocultura não está produzindo, fica exposto ao vento e à chuva, levando ao aumento da erosão. O ciclo dos nutrientes é afetado, demandando fertilização adicional, o que pode alterar os níveis de acidez e alcalinidade do solo. Sistemas de irrigação pioram ainda mais a qualidade do solo, inclusive pelo excesso de água, que drena os poucos nutrientes disponíveis.17
De acordo com o historiador britânico, foi esse processo que extinguiu, por exemplo, o império sumério, na conhecida região bíblica de Ur dos Caldeus, assim como outras grandes civilizações.18
O solo é um dos indicadores que revelam a conexão ou desconexão do ser humano com o Criador. Quando o ser humano se desconecta de Deus, o solo é o primeiro a sofrer, assim como, quando ele é redimido dos seus pecados, o solo volta a ser fértil.19
Se vocês seguirem os meus decretos e obedecerem aos meus mandamentos, e os colocarem em prática, eu lhes mandarei chuva na estação certa, e a terra dará a sua colheita e as árvores do campo darão o seu fruto. A debulha prosseguirá até a época da plantação, e vocês comerão até ficarem satisfeitos e viverão em segurança em sua terra. (…) Se depois disso tudo vocês não me ouvirem, eu os castigarei sete vezes mais pelos seus pecados. Eu lhes quebrarei o orgulho rebelde e farei que o céu sobre vocês fique como bronze. A força de vocês será gasta em vão, porque a terra não lhes dará colheita, nem as árvores da terra lhe darão fruto. (Levíticos 26.2-5 e 18-19)
Esse trecho de Levíticos revela elementos centrais para a compreensão dos sistemas naturais e da necessidade de o ser humano ser redimido pelo Criador. Caso contrário, é o próprio ser humano que viverá de forma miserável. O solo pode ser deteriorado pela intervenção divina ou pelo manejo inadequado do ser humano. Na primeira situação, o Criador é soberano e proprietário de toda a Criação, atuando conforme a sua vontade, como o fez em diversas ocasiões descritas na Bíblia (o dilúvio, as pragas no Egito, os três anos sem chuvas na época do profeta Elias). Na segunda situação, ainda assim, permanece a atuação e soberania do Criador porque foi Ele quem criou os sistemas naturais, os ciclos hídricos, os fenômenos físicos e químicos em funcionamento diariamente. O manejo inadequado do solo afeta esses sistemas, e suas consequências deterioram tanto o solo quanto a qualidade de vida do ser humano.
Ainda em Levíticos, a prática do ano sabático deveria ser aplicada também ao uso do solo, que deve descansar, assim como os servos e senhores, revelando a coerência sobre o cuidado com toda a criação.
Milhares de anos depois, a agricultura cresceu em volume graças aos avanços tecnológicos. O lema é alimentar o mundo todo. Entretanto, o desafio atual não é alimentar mais pessoas, mas alimentá-las melhor. Em 2010, fome e subnutrição mataram cerca de 1 milhão de pessoas, enquanto a obesidade matou 3 milhões.20 Preço versus valor nutritivo (não somente quantidade de calorias) é a nova equação a ser resolvida, e deve estar no escopo da redução da desigualdade social.
Na dimensão ambiental, o uso do solo continua sendo um grande desafio para o agronegócio, não tão distante do apresentado logo acima, e existe uma pressão para que se equilibre o cultivo em larga escala com a conservação dos biomas.
Exploração dos combustíveis fósseis
A segunda transição na história é marcada pela exploração dos combustíveis fósseis. Os últimos 200 anos apresentam como característica marcante o uso dos combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural) e o crescente consumo de energia.
Antes desse período, as alternativas de fonte de energia eram basicamente provenientes do ser humano, dos animais, vento e água. Até o século 19, cerca de 3/4 da energia mecânica gerada no mundo era proveniente de seres humanos, e praticamente todo o restante, de animais. Energia eólica e hídrica eram apenas fontes marginais de energia.21
É no século 17 que surge o uso do carvão, cujo consumo vem caindo ao longo das décadas, mas ainda é uma fonte relevante dentro da matriz energética de diversos países. Aumento do desmatamento, contaminação do solo e condições de trabalho precárias continuam sendo aspectos críticos derivados do consumo de energia proveniente do carvão (termoelétricas).
Entre o final de 1800 e início de 1900, foi descoberto o uso do petróleo, e é desnecessário listar suas contribuições para o formato de consumo, indústria, distribuição de renda e estilo de vida a que chegamos hoje. A queima do petróleo e de seus derivados, juntamente com os gases tóxicos emitidos por fontes de energia poluentes, pelos processos industriais e pelo desmatamento, está impactando o funcionamento dos sistemas naturais e, consequentemente, desequilibrando o clima do Planeta Terra, conforme abordado anteriormente.
As mudanças climáticas como a nova face da injustiça social exigirão recursos financeiros dos países mais ricos para garantir a resiliência das comunidades e países mais pobres. E é exatamente nesse tema que é muito difícil obter avanços nas negociações multilaterais e transnacionais: a criação de um fundo global para combate às mudanças climáticas.
A Igreja está, mais uma vez na história, diante de uma enorme janela de oportunidade, e deve atuar de forma transversal em todos os níveis de influência e setores da sociedade.
- Teólogos podem influenciar o pensamento acadêmico.
- Pastores podem inspirar suas ovelhas a adotar um modo de vida menos consumista, sendo, eles próprios, um exemplo.
- Empreendedores cristãos podem criar soluções que conectem a escassez iminente de recursos naturais com geração de renda para comunidades.
- Políticos cristãos podem incluir temas críticos da agenda ambiental em suas plataformas.
Mas, para isso, é necessário resgatar algumas perspectivas bíblicas fundamentais a respeito da criação.
Cristãos são criaturas antes mesmo de serem cristãos
Preocupado com essa nova face da injustiça social provocada pelas mudanças climáticas, em maio de 2015, o Papa Francisco publicou a primeira Encíclica que trata exclusivamente do meio ambiente: Laudato si – Sobre o Cuidado da Casa Comum.
Ainda que contemple algumas desatualizações científicas (por exemplo, afirmar que a Amazônia é o pulmão do mundo), a Encíclica contribuiu enormemente ao apresentar fundamentos e diretrizes para uma das profissões de fé com maior número de seguidores no planeta – os católicos – sobre a natureza, reforçando a necessidade de inclusão da pauta ambiental na agenda política, econômica e social em nível global.
Igreja católica publica Encíclica que alerta “Sobre o Cuidado da Casa Comum” em 2015
O título da Encíclica faz uma homenagem a São Francisco de Assis, que compôs uma canção chamada Cantico delle creature, em que ele repete diversas vezes Laudato Si, Mi Signore (Louvado seja, meu Senhor). Nessa composição, São Francisco de Assis faz referência a elementos da natureza como nossos irmãos e irmãs: “Nobre sol irmão que faz o dia e com ele nos ilumina, irmã lua e estrelas, irmão vento, irmã água”.22
Durante a década de 70, o teólogo norte americano Francis Schaeffer, já citado algumas vezes neste artigo, publica o livro Poluição e a Morte do Homem, no qual faz afirmação consonante à do Papa Francisco: “A natureza é nossa irmã”.23 Ela não é superior, tampouco inferior, às criaturas humanas. Ela é a irmã da humanidade, originada pelo mesmo Criador.
Essa afirmação de Schaeffer foi uma reação a alguns trechos de um artigo publicado pelo professor Lynn White Jr. na renomada revista científica Science com o título “The Historical Roots of Our Ecological Crisis” (As Raízes Históricas da Nossa Crise Ecológica). No artigo, White faz duas críticas ao pensamento judaico-cristão sobre a natureza:
- Em se tratando de ecologia, os cristãos são piores do que os animistas, pois estes últimos, por acreditarem que as árvores têm espíritos, não as derrubam de forma descuidada. 24
- O homem deu nomes a todos os animais, desta forma concretizando seu domínio sobre eles. Deus preparou tudo isso explicitamente para o benefício do homem. Nenhum elemento dentre tudo o que foi criado (por Deus) fisicamente tem outra finalidade senão atender aos propósitos do homem.25
Essas críticas do Dr. White Jr. estavam baseadas no texto de Gênesis 1.26 e 28:
Então disse Deus: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança. Domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais grandes de toda a terra e sobre todos os pequenos animais que se movem rente ao chão”.
Deus os abençoou, e lhes disse: “Sejam férteis e multipliquem-se! Encham e subjuguem a terra! Dominem sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem pela terra”.
O contexto era bastante propício para levar o Dr. White Jr. a essa conclusão: o petróleo emergia como a grande fonte de energia disponível, mais barata e eficiente frente às demais fontes disponíveis na época; os hippies denunciavam a exploração; a poluição e o monopólio das grandes companhias petrolíferas cresciam; e a Igreja Cristã parecia estar muito mais alinhada ao status quo da maioria do que em defesa da natureza e dos marginalizados por esse sistema.
Outra reação imediata contra esse artigo veio do premiado cientista norte-americano de ascendência judaica, Dr. Daniel Hillel:
Aos seres humanos não foi dado o poder para explorar como quiserem as demais criaturas. O poder que eles têm para criar e transformar coisas deve ser utilizado com diligência e responsabilidade. A tarefa dos seres humanos (frente às demais criaturas) não é uma ordenação, mas um compromisso. Os seres humanos não são proprietários e tampouco mestres da Terra. Ao contrário, eles são custodiados aos quais foi confiada a tarefa de cuidar do jardim de Deus: “ A terra não pode ser vendida definitivamente, porque ela é minha, e vocês são apenas estrangeiros e imigrantes”, Levíticos 25.23, e também “Do Senhor é a terra e tudo o que nela existe”, Salmo 24.1. (…) Tomada fora de contexto e apresentada como mensagem bíblica central, a voracidade pelo domínio da natureza tem sido utilizada por gerações como um racional religioso para suportar a exploração descontrolada da natureza pelo ser humano e dada como justificativa para destruição de ecossistemas e extinção de espécies. E essa atitude tem persistido apesar de sua autocontradição: o poder de controle (concedido ao ser humano para dominar as demais criaturas) não deve carregar o direito de destruir a criação de Deus, porque esse direito implicaria não somente colocar a humanidade em “pé de igualdade” com Deus, mas, de fato, colocaria a humanidade em posição superior ao próprio Deus. 26
A Bíblia é tão generosa que pode ser utilizada conforme a conveniência de cada um e essa é a crítica do Dr. Hillel ao afirmar que Gênesis 1 deve ser sempre lido juntamente com Gênesis 2, onde se encontram 2 versos (8 e 15) fundamentais para a compreensão de toda a tarefa dada ao ser humano: “Ora, o Senhor Deus tinha plantado um jardim no Éden, para os lados do leste; e ali colocou o homem que formara” e “O Senhor Deus colocou o homem no jardim do Éden para cuidar dele e cultivá-lo”.
Quando o Criador conferiu essas tarefas a Adão e Eva, o pecado ainda não havia entrado na existência humana. A compreensão de Adão e Eva sobre essa tarefa de dominar, subjugar, cuidar e cultivar o jardim do Éden – antes e depois do pecado – certamente mudou muito.
Ora, pertencendo à mesma “categoria” de criaturas, se após o pecado a relação entre Adão e Eva deixa de ser voltada à satisfação um do outro e passa a ser dominada pelo desejo de satisfazer a si próprios, o que esperar de sua relação com as demais criaturas diferentes de ambos? Todas as coisas passaram a ser vistas e compreendidas num sentido despótico. Subjugar e dominar deixam de ser lidos no sentido de administrar e cuidar de uma herança recebida do Pai.27
E o que dizer sobre o espaço vazio, antes ocupado pela presença de Deus, deixado dentro de Adão e Eva? O desespero do ser humano para encontrar sua identidade é um dos maiores estimuladores do consumo. Enquanto sua alma permanecer sem Cristo, qualquer leitura sobre Gênesis 1 e 2 será distorcida pelo domínio do pecado.
É evidente que a mensagem central do Criador a partir dos verbos dominar, subjugar, cuidar e cultivar leva ao sentido de manutenção de uma relação saudável, respeitosa e próspera do ser humano para com as demais criaturas visíveis e invisíveis. Jamais deve ser lida de acordo com a conveniência econômica e social.
O ser humano exerce o domínio sobre a natureza, mas ele não é soberano sobre ela e tampouco o seu proprietário. Somente Deus é o Soberano Senhor sobre toda a criação. Um paralelo para ilustrar esse entendimento é a parábola dos talentos, onde os administradores não eram proprietários do dinheiro. Cabia a eles fazer o melhor uso para garantir o valor principal mais os juros. Assim deve ser a nossa relação com a natureza: exercer o domínio sobre ela, abaixo do domínio de Deus.28
O Jardim do Éden (em hebraico gan eden) significa jardim de deleites. Um lugar para satisfazer as necessidades, mas também para apreciar as cores, os aromas, os perfumes, os sabores, a temperatura, a umidade, as texturas.
Um dos verbos em hebraico presentes em Gênesis 1 e 2 caracteriza a forma cuidadosa como Deus criou todas as coisas, incluindo o ser humano: vayitzer. Esse verbo também é utilizado em outros trechos bíblicos para a produção de vasos por um oleiro (Isaías 41.25; Jeremias 18.4; Lamentações 4.2). Ou seja, um trabalho manual, de um artesão que pega uma massa sem forma e delicadamente inicia um processo de modelagem. Não transmite a ideia representada na imagem pintada por Michelangelo na Capela Sistina ao criar Adão, tocando-o com apenas um dos dedos.29
A imagem de Michalangelo não transmite a ideia do Deus Criador como um artesão.
Tampouco remete a um processo mecanizado de produção em série, onde o grande êxito está em obter produtos idênticos, despersonalizados. “Quando contemplo os teus céus, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que ali firmaste, pergunto: ‘Que é o homem para que com ele te importes?’”, Salmo 8.3-4.
O pensamento mecanicista e o antropocentrismo parecem influenciar a forma como os cristãos no Ocidente compreendem a criação (e, portanto, a si próprios!) e o Criador. Cristãos são criaturas antes mesmo de serem cristãos. E há uma aparente dificuldade em aceitar essa condição, em especial quando colocados ao lado das demais criaturas. Gera incômodo ser comparado a um invertebrado, a um mineral.
Há, ainda, uma conexão intrínseca e indissociável entre o ser humano e a terra, expressa no próprio nome “Adão”, cuja raiz deriva da palavra adamah – que, em hebraico, significa “solo” ou “terra”. Adão, assim como toda a humanidade, foi criado a partir de elementos da terra, diferentemente de todas as demais criaturas. E Eva (hava, em hebraico) teria como tradução mais próxima a palavra “vida”. Juntos, Adão e Eva significam terra e vida. Terra e humanidade estão conectadas.30
É necessário desprogramar a visão mecanicista sobre o mundo para compreender um pouco melhor o processo da criação e o valor de todas as criaturas. Foi o trabalho de um artesão. Cada obra produzida veio de uma intenção, de uma expressão. Cada obra é única. E todas são de autoria e propriedade do Criador.
O Povo de Deus cuida de todas as criaturas porque reconhece o valor intrínseco de cada uma delas. E é exatamente nesse ponto que a perspectiva cristã sobre a natureza diferencia-se das demais. A visão utilitarista sobre a natureza é bastante difundida, e um dos exemplos é a campanha para economizar água: “Economizar para não faltar”. Outra abordagem que ficou conhecida entre os ambientalistas – “A floresta deve valer (economicamente) mais em pé que derrubada” – reflete o esforço para monetizar os ativos ambientais de forma a evitar que sejam destruídos, dada a força do capital sobre todas as coisas, incluindo a natureza.
Essas abordagens são verdadeiras e têm grande valor na conscientização da população. Mas o Cristianismo oferece perspectivas mais dignificadoras. A natureza é dotada de valor intrínseco. Ela foi criada e pertence ao Criador. Ela não surgiu despretensiosamente, por acaso. Ela é obra intencional de um artista.31
Uma árvore esteve envolvida na queda do homem. E uma árvore estará envolvida no processo de cura das nações.
Então o anjo me mostrou o rio da água da vida que, claro como cristal, fluía do trono de Deus e do Cordeiro, no meio da rua principal da cidade. De cada lado do rio estava a árvore da vida, que dá doze colheitas, dando fruto todos os meses. As folhas da árvore servem para a cura das nações. (Apocalipse 22.1-2)
Por que cuidar da casa, se ela é alugada?
Uma pergunta que emerge com facilidade nas discussões formais e informais sobre a missão dos cristãos para com a natureza é esta: “Por que deveríamos cuidar deste planeta se, ao final dos tempos, tudo será destruído e haverá novo céu e nova terra?”.
As interpretações sobre os misteriosos textos de Apocalipse têm mudado ao longo da história, naturalmente influenciadas pelas ameaças de suas respectivas épocas.
As sete cabeças do dragão já foram comparadas aos déspotas imperadores romanos, e o número da besta foi interpretado como uma possível referência a Nero.32 A criação da União Europeia foi citada, na década de 90, como a união de nações para o domínio do anticristo sobre o mundo. Atualmente, é nítida a confusão que o “Brexit” está provocando na Europa, e o anticristo ainda vai levar muito tempo até organizar tudo isso e criar uma nova ordem mundial.
O fato de haver novo céu, nova terra, nova Jerusalém, implica necessariamente a destruição fulminante do atual Planeta Terra? O que exatamente significam novo céu e nova terra? Poderia ser uma restauração definitiva do atual Planeta Terra e de todo o Universo?
Os judeus esperavam pelo Messias na época do império romano, assim como os cristãos no Ocidente esperam pelo final dos tempos.
O império romano era o grande opressor, e a esperança dos judeus daquela época era que o Messias viria e destruiria fulminantemente esse império, libertando-os – mais uma vez – de uma tirania criada pelos homens.
Há uma ideia instalada no pensamento cristão ocidental de que o mundo atual e material é ruim, impuro. E isso não é novidade. O apóstolo Paulo teve de lidar com ideias semelhantes. Como consequência, a esperança cristã foi reduzida a aguardar a destruição deste mundo para viver na nova Jerusalém ao lado do Senhor Jesus Cristo, finalmente purificados e santificados.
De fato, o Criador decidiu destruir parte da humanidade e da biodiversidade em alguns momentos da história. Mas, infelizmente, esse foi o único meio que Ele encontrou para chamar a atenção dos seres humanos para a necessidade de uma renovação. Tragédias alertam a humanidade sobre suas próprias fragilidades e, talvez, levem parte dela a reconhecer a necessidade de se arrepender de seus pecados.
Por outro lado, a Bíblia contém dezenas, se não centenas, de menções à renovação nas mais diversas esferas e dimensões: renovação da mente, do corpo, da identidade. A própria ressurreição será uma renovação da condição dos corpos humanos. Por que deveríamos pensar que o Planeta Terra será destruído e não renovado? N. T. Wright afirma: “A criação não é um projeto que deve ser abandonado nem um processo evolutivo. O que ela precisa é de redenção e renovação; e isso é prometido e garantido pela ressurreição de Jesus dentre os mortos. É isso o que o mundo inteiro está aguardando”.33
As sociedades no Ocidente foram organizadas a partir de imigrantes e, nesse processo, é mais difícil manter a conexão com a terra, com o solo e a história dos ascendentes. No Oriente Médio, assim como em outras poucas regiões no Planeta, esse apego ao solo dos ancestrais é vibrante. Comerciantes relatam com orgulho que suas lojas estão há séculos naquele mesmo local, sob gestão da mesma família. Pequenos agricultores contam as aventuras e desventuras das vezes que defenderam dos invasores a terra que veio de seus ancestrais ao longo de séculos.
Essas pequenas sociedades parecem compreender melhor o sentido de renovação sobre o lugar onde viverão para sempre. Suas histórias vêm sendo construídas a partir dos seus ascendentes sobre aquele solo há séculos. Elas conhecem sua própria identidade étnica, genealógica e territorial, e sabem exatamente em que parte da linha do tempo histórico estão incluídas. Viver em outro lugar, simplesmente, não se encaixa em suas perspectivas.
Algo semelhante poderia ser aprendido com esses povos. A humanidade vive neste Planeta há milhares de anos. Por que o Criador moveria aqueles que foram salvos para outro lugar se, originalmente, Ele criou este Planeta para que a humanidade vivesse nele, dele e sobre ele, cujo nome inicial era jardim dos prazeres?
A natureza criada aguarda, com grande expectativa, que os filhos de Deus sejam revelados. Pois ela foi submetida à futilidade, não pela sua própria escolha, mas por causa da vontade daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria natureza criada será libertada da escravidão da decadência em que se encontra para a gloriosa liberdade dos filhos de Deus. Sabemos que toda a natureza criada geme até agora, como em dores de parto. E não só isso, mas nós mesmos, que temos os primeiros frutos do Espírito, gememos interiormente, esperando ansiosamente nossa adoção como filhos, a redenção do nosso corpo. (Romanos 8.19-23)
O pecado contaminou toda a criação. Por isso, a redenção e a renovação final serão, necessariamente, cósmicas.
Considerar que “apenas” a humanidade estaria incluída nisso é influência do antropocentrismo sobre a interpretação bíblica. A humanidade poderá ocupar um lugar especial, mas não será o centro dessa grande redenção e renovação final. Tampouco será a única espécie participante deste glorioso dia. O Criador renovará toda a criação. Absolutamente tudo. Por amor ao Seu Nome.
E haverá penalidades para os que destroem a terra:
As nações se iraram; e chegou a tua ira. Chegou o tempo de julgares os mortos e de recompensares os teus servos, os profetas, os teus santos e os que temem o teu nome, tanto pequenos como grandes, e de destruir os que destroem a terra. (Apocalipse 11.18)
Torna-se evidente que um dos aspectos de uma vida de santidade é o cuidado da biodiversidade, cujo proprietário é Elohim, o Criador: “Pois todos os animais da floresta são meus, como são as cabeças de gado aos milhares nas colinas. Conheço todas as aves dos montes, e cuido das criaturas do campo”, Salmo 50.10-11.
A Igreja Cristã, em sua tarefa missionária, deve estar em todas as frentes de confronto com aqueles que destroem a terra e, ao mesmo tempo, encorajar o Corpo de Cristo a tomar posições concretas e sérias frente à manipulação das massas para o consumo. É esse modelo consumista a principal causa do estrangulamento da disponibilidade de recursos naturais e alterações nos sistemas naturais.
Se, nas décadas de 80 e 90, acreditava-se que a prioridade do anticristo era controlar o fluxo de dinheiro, e, no início do século 21, os meios de pagamentos, certamente hoje seria o controle sobre os ativos ambientais.
Controlar terras férteis, fontes de água potável e remanescentes de florestas levará milhares de pessoas a implorar por alimento, água e clima suportável, os quais poderão ser oferecidos gratuitamente, em troca de adoração. Controlar a criação estaria entre as maiores ambições de alguém que, um dia, quis tomar o lugar do Criador.
Em perspectiva global, cientistas renomados confirmam com dados históricos as alterações nos padrões climáticos e hidrológicos na atmosfera e na crosta terrestre, municiando os ambientalistas que, por sua vez, sofisticaram suas estratégias de mobilização.
Políticos continuam utilizando as questões ambientais de acordo com interesses comerciais, mas, ainda assim, é um avanço. Exemplo recente são as tentativas de estabelecimento de um acordo entre Mercosul e Comunidade Europeia, em desenvolvimento enquanto este texto é escrito. Questões ambientais, que se misturam com questões sanitárias, são levantadas como motivo para elevar as barreiras tarifárias.
Queimadas na Amazônia: Igreja Cristã deve estar em todas as frentes de confronto com aqueles que destroem a terra e encorajar o Corpo de Cristo a tomar posições concretas frente à manipulação das massas para o consumo.
Educadores já incluem os sistemas ambientais no currículo educacional e é gratificante ouvir alunos com 8 ou 9 anos de idade falando sobre os “rios voadores” da Amazônia.
Empresários e CEOs estão atravessando a fronteira do “por que” deveriam incluir a dimensão ambiental em suas estratégias e agora perguntam “como” incluí-la.
Empreendedores estão emergindo com soluções de mobilidade urbana, energia limpa, inteligência artificial aplicada aos agronegócios que devem levar a uma otimização no uso dos recursos naturais e financeiros sem precedentes.
E a Igreja Cristã?
Ela está presente em todos esses públicos por meio dos discípulos e discípulas do Senhor Jesus Cristo. Ela está no governo, nas academias, nas empresas globais, nas escolas, nas startups. Ela está nos prédios corporativos e nas comunidades. Nos comitês de aprovação de grandes obras de infraestrutura e nos movimentos sociais em favor de toda criação.
Paradoxalmente, o local mais eficaz para cuidar da criação é dentro dos escritórios e salas de reunião, e não dentro das florestas ou sobre os oceanos:
- Desenvolvendo produtos mais inteligentes com menor uso de recursos naturais;
- Aprovando – e recusando – orçamentos para projetos de acordo com seus impactos ambientais e sociais;
- Incorporando as dimensões ambientais e sociais na avaliação de planos de negócios e nos currículos acadêmicos;
- Influenciando as agendas de políticos;
- Divulgando avanços positivos nas redes sociais;
- E, no nível individual, consumindo com mais inteligência e menos aparências.
A tarefa missionária sobre a perspectiva ambiental é a redenção e reconciliação de toda a criação.34
Ele é a cabeça do corpo, que é a igreja; é o princípio e o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a supremacia. Pois foi do agrado de Deus que nele habitasse toda a plenitude, e por meio dele reconciliasse consigo todas as coisas, tanto as que estão na terra quanto as que estão no céu, estabelecendo a paz pelo seu sangue derramado na cruz. (Colossenses 1.18-20)
A perspectiva ambiental sobre a tarefa missionária é o chamado para todos os discípulos e discípulas do Senhor Jesus Cristo, sem exceções, cuidarem da criação.
- Carlos Nomoto atua na área de Desenvolvimento Sustentável há 17 anos. Desenvolveu e implementou projetos de larga escala no mercado financeiro, agronegócios, florestas e saúde pública. Em caráter voluntário, liderou organizações missionárias globais com presença em países pobres e com alto nível de perseguição aos cristãos. É professor da FGV – Fundação Getúlio Vargas, com MBA pelo Insper e especializações em Sustentabilidade pela Harvard Business School e University of Cambridge.
Notas
1 https://www.youtube.com/watch?v=yANWh_Inmrg The Global Water Cycle – using data from NASA/Goddard Space Flight Visualization Centre
2 https://climate.nasa.gov/climate_resources/9/graphic-earths-temperature-record/
3 https://sustainabledevelopment.un.org/content/documents/5987our-common-future.pdf
4 Mc GRATH, Alister, The Science of God. New York: Free Press, 2009, 1985, p. 39
5 Ibid, p. 54.
6 SCHAEFFER, Francis A. “The Complete Works of Francis A. Schaeffer: A Christian Worldview”, Vol. 5, Book One, Pollution and The Death of Man. Wheaton: Crossway Books, 1985, p. 14.
7 McGRATH, Alister. The Science of God: An Introduction to Scientific Theology. London: Bloomsbury, 2005, p. 38.
8 SCHAEFFER, Francis A. “The Complete Works of Francis A. Schaeffer: A Christian Worldview”, Vol. 5, Book One, Pollution and The Death of Man. Wheaton: Crossway Books, 1985, p. 18-19.
9 https://twitter.com/realdonaldtrump/status/265895292191248385?lang=pt
https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/06/29/bolsonaro-diz-ter-falado-para-merkel-que-brasil-e-alvo-de-psicose-ambientalista.ghtml
https://oglobo.globo.com/brasil/bolsonaro-brasil-a-virgem-que-todo-tarado-quer-23789972
10 https://www.ft.com/content/43e6ef1e-464b-11e9-a965-23d669740bfb
11 HIEROTHEUS. Orthodox Spirituality: A Brief Introduction. Birth of the Theotokos Monastery, 1996, p. 28-30.
12 SCHAEFFER, Francis A. “The Complete Works of Francis A. Schaeffer: A Christian Worldview”, Vol. 5, Book One, Pollution and The Death of Man. Wheaton: Crossway Books, 1985, p. 23
13 WRIGHT, N. T. Surpreendido pela Esperança. Viçosa: Ultimato, 2009, p. 40.
14 ROSS, Michael. “Natural Resources and Violent Conflicts – The Natural Resource Curse: How Wealth Can Make You Poor”, p. 18 -21.
15 PONTING, Clive. A New Green History of The World: The Enviroment and the Collapse of Great Civilizations. London: Penguin Books, 2007, p. 36 e 265.
16 HARARI, Yuval N. Sapiens: Uma Breve História da Humanidade. Santos: Harper, 2011, p. 60.
17 PONTING, Clive. A New Green History of The World: The Enviroment and the Collapse of Great Civilizations. London: Penguin Books, 2007, p. 68.
18 Ibid., p. 69-86.
19 DAVIS, Ellen F., Learning Environmental Responsibility from Old Testament, I-59 The Green Bible.
20 HARARI, Yuval. Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã. São Paulo: Companhia da Letras, 2016, p. 123.
21 PONTING, Clive. A New Green History of The World: The Enviroment and the Collapse of Great Civilizations. London: Penguin Books, 2007, p. 266.
22 FRANCISCO, Papa. Laudato Si, p. 9.
23 SCHAEFFER, Francis A. “The Complete Works of Francis A. Schaeffer: A Christian Worldview”, Vol. 5, Book One, Pollution and The Death of Man. Wheaton: Crossway Books, 1985, p. 43.
24 Ibid., p. 34.
25 Ibid., p. 57.
26 HILLEL, Daniel. The Natural History of The Bible: An Enviromental Exploration of the Hebrew Scriptures. New York: Columbia University Press, 2007, p. 243 e 245.
27 BOFF, Leonardo. Ecologia, Mundialização, Espiritualidade: A Emergência de um Novo Paradigma. Rio de Janeiro: Record, 2008, p. 46.
28 SCHAEFFER, Francis A. “The Complete Works of Francis A. Schaeffer: A Christian Worldview”, Vol. 5, Book One, Pollution and The Death of Man. Wheaton: Crossway Books, 1985, p. 40.
29 HILLEL, Daniel. The Natural History of The Bible: An Enviromental Exploration of the Hebrew Scriptures. New York: Columbia University Press, 2007, p. 243.
30 Ibid., p. 243-244.
31 BETTO, Frei. A Obra do Artista: Uma Visão Holística do Universo. São Paulo: Ática, 1997, p. 213.
32 PAGELS, Elaine. Revelations: Visions, Prophecy and Politics in The Book of Revelation. London: Penguin Books, 2013, p. 33
33 WRIGHT, N. T. Surpreendido pela Esperança. Viçosa: Ultimato, 2009, p. 123.
34 WRIGHT, Christopher J. H. A Missão do Povo de Deus. São Paulo: Vida Nova, 2012, p. 72 e 73.
Artigo originalmente publicado por Martureo.com. Reproduzido com permissão.
Artigo originalmente publicado por Martureo.com. Reproduzido com permissão.
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- 02 de junho de 2022
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