Opinião
- 17 de março de 2006
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A Mosca Azul – Frei Betto (excertos)
Nota Introdutória do Bispo Robinson Cavalcanti
Foi lançado nacionalmente esta semana o livro do frade dominicano e militante social, Frei Betto, A Mosca Azul – Reflexão sobre o Poder, Ed. Rocco, Rio de Janeiro, um texto mais do que oportuno para uma reflexão cristã sobre a conjuntura brasileira, que recomendo a todos. Além de seu leitor, convivi com Betto por cerca de 7 meses, em 1994, quando juntos coordenamos, na esfera religiosa, a candidatura do atual Presidente da República. Ele é um espécime raro de intelectual cristão engajado, longe do modelo dos intelectuais de gabinete, ou, por outro lado, dos militantes avessos ao pensar. Apesar de nossas diferenças teológicas e políticas, temos muito em comum, e tenho aprendido com sua vida e sua obra. Diante da Crise da Civilização, da Cristandade (mundial e brasileira), do Anglicanismo, do Governo Federal, e do parto inconcluso de nossa Diocese e de um Episcopado sempre por vir, os textos que a seguir transcrevemos são alentadores:
“...Sei que não haverei de participar da colheita. Mas faço questão de ficar ao lado dos que lançam, ainda que em terra árida, as sementes de um futuro melhor.
Às vezes também tenho vontade de mandar tudo às favas. Pensa que não me invadem esse sentimento de frustração, essa amargura oca, essa acidez na boca da alma? Sim, tem hora em que me canso de carregar ladeira acima essa pesada pedra de uma esperança esburacada. Tem hora que me sinto Prometeu acorrentado, mas sem revolta, agradecido por ter as mãos atadas. E a única coisa que me passa pela cabeça é embriagar-me de alienação e ficar na varanda, contemplando silenciosamente a cidade lá embaixo, miríades de cristais reluzindo, anônimos, indiferentes ao meu estupor.
É muito frustrante semear esperança. São grãos miúdos, delicados, quase invisíveis, ora plantados no caminho acidentado, ora num coração angustiado, sempre no terreno árido da pobreza insolente. E depois vem o árduo trabalho de regar todos os dias, ver emergir o primeiro broto, um fiapo de verde aflorando sobre a terra negra, e a gente é tomado por esse sentimento feminino do querer cuidar e começa então a acreditar que a primeira existe.
A esperança é um pássaro em vôo permanente. Segue adiante e acima de nossos olhos, flutua sob o céu azul, não se lhe opõe nenhuma barreira. É assim em tudo aquilo que se nutre de esperança: o amor, a educação de um filho, o sonho de um mundo melhor.
A política sempre foi alvo predileto da esperança, aparece no passado (Jardim do Éden), no futuro (A Terra Prometida) e no presente (a confiança nas promessas de Javé). Os Profetas sabiam ajardinar a esperança.
A esperança é uma fênix. Sempre a renascer das cinzas... Um sonho se tece de mil fios delicados, até que um dia a imagem se transporta da mente à realidade. Talvez não se saiba exatamente se pretende chegar. É como no amor, os sentimentos criam vínculos sem que se saiba ou se saiba ou se possa adivinhar o porvir. Sabe-se contudo por onde não ir. Como no poema de José Régio, “não sei por onde vou,/ não sei para onde vou,/ sei que não vou por aí!”. Não vou pelas vias que conduzem os passos do inimigo...
Não há ética sem humildade, ser do tamanho que se é, nem maior nem menor do que ninguém. E sustentar a esperança na certeza de que só haverá colheita se desde agora se cuidar, delicada e anonimamente, da semeadura. Enquanto uns saem para caçar borboletas, prefiro cuidar do jardim para que elas venham”, declara Mário Quintana.
Dom Robinson Cavalcanti é bispo da Diocese Anglicana do Recife e autor de, entre outros, Cristianismo e Política – teoria bíblica e prática histórica e A Igreja, o País e o Mundo – desafios a uma fé engajada. <www.dar.org.br>
Foi lançado nacionalmente esta semana o livro do frade dominicano e militante social, Frei Betto, A Mosca Azul – Reflexão sobre o Poder, Ed. Rocco, Rio de Janeiro, um texto mais do que oportuno para uma reflexão cristã sobre a conjuntura brasileira, que recomendo a todos. Além de seu leitor, convivi com Betto por cerca de 7 meses, em 1994, quando juntos coordenamos, na esfera religiosa, a candidatura do atual Presidente da República. Ele é um espécime raro de intelectual cristão engajado, longe do modelo dos intelectuais de gabinete, ou, por outro lado, dos militantes avessos ao pensar. Apesar de nossas diferenças teológicas e políticas, temos muito em comum, e tenho aprendido com sua vida e sua obra. Diante da Crise da Civilização, da Cristandade (mundial e brasileira), do Anglicanismo, do Governo Federal, e do parto inconcluso de nossa Diocese e de um Episcopado sempre por vir, os textos que a seguir transcrevemos são alentadores:
“...Sei que não haverei de participar da colheita. Mas faço questão de ficar ao lado dos que lançam, ainda que em terra árida, as sementes de um futuro melhor.
Às vezes também tenho vontade de mandar tudo às favas. Pensa que não me invadem esse sentimento de frustração, essa amargura oca, essa acidez na boca da alma? Sim, tem hora em que me canso de carregar ladeira acima essa pesada pedra de uma esperança esburacada. Tem hora que me sinto Prometeu acorrentado, mas sem revolta, agradecido por ter as mãos atadas. E a única coisa que me passa pela cabeça é embriagar-me de alienação e ficar na varanda, contemplando silenciosamente a cidade lá embaixo, miríades de cristais reluzindo, anônimos, indiferentes ao meu estupor.
É muito frustrante semear esperança. São grãos miúdos, delicados, quase invisíveis, ora plantados no caminho acidentado, ora num coração angustiado, sempre no terreno árido da pobreza insolente. E depois vem o árduo trabalho de regar todos os dias, ver emergir o primeiro broto, um fiapo de verde aflorando sobre a terra negra, e a gente é tomado por esse sentimento feminino do querer cuidar e começa então a acreditar que a primeira existe.
A esperança é um pássaro em vôo permanente. Segue adiante e acima de nossos olhos, flutua sob o céu azul, não se lhe opõe nenhuma barreira. É assim em tudo aquilo que se nutre de esperança: o amor, a educação de um filho, o sonho de um mundo melhor.
A política sempre foi alvo predileto da esperança, aparece no passado (Jardim do Éden), no futuro (A Terra Prometida) e no presente (a confiança nas promessas de Javé). Os Profetas sabiam ajardinar a esperança.
A esperança é uma fênix. Sempre a renascer das cinzas... Um sonho se tece de mil fios delicados, até que um dia a imagem se transporta da mente à realidade. Talvez não se saiba exatamente se pretende chegar. É como no amor, os sentimentos criam vínculos sem que se saiba ou se saiba ou se possa adivinhar o porvir. Sabe-se contudo por onde não ir. Como no poema de José Régio, “não sei por onde vou,/ não sei para onde vou,/ sei que não vou por aí!”. Não vou pelas vias que conduzem os passos do inimigo...
Não há ética sem humildade, ser do tamanho que se é, nem maior nem menor do que ninguém. E sustentar a esperança na certeza de que só haverá colheita se desde agora se cuidar, delicada e anonimamente, da semeadura. Enquanto uns saem para caçar borboletas, prefiro cuidar do jardim para que elas venham”, declara Mário Quintana.
Dom Robinson Cavalcanti é bispo da Diocese Anglicana do Recife e autor de, entre outros, Cristianismo e Política – teoria bíblica e prática histórica e A Igreja, o País e o Mundo – desafios a uma fé engajada. <www.dar.org.br>
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