Opinião
- 20 de abril de 2018
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A luta pela justiça social tem respaldo bíblico?
“A busca da justiça social não é uma opção para a igreja, mas um mandato.”
– Maurício Cunha
Quais os perigos que corre o cristão ou a igreja que se envolve com ação social? Quais cuidados tomar para evitá-los? Porque muitos cristãos interpretam que lutar pela justiça social e pelos direitos básicos das pessoas significa “defender bandidos”? Afinal, lutar pela justiça social tem respaldo bíblico?
Quem responde essas e outras perguntas é uma figura bastante conhecida entre os evangélicos por seu trabalho na área de desenvolvimento comunitário e luta pela justiça social. Maurício José Silva Cunha, mais conhecido como Maurício Cunha, é autor de dois livros nessas áreas. O primeiro, “O Reino Entre Nós – Transformação de comunidades pelo evangelho integral”, escrito em parceria com Beth Wood e publicado em 2003, já se tornou referência no assunto e foi traduzido para inglês e francês. O segundo, “O Reino de Deus e a Transformação Social – Fundamentos, Princípios e Ferramentas”, acaba de ser lançado na Conferência anual do Cadi, realizada no início de abril em Curitiba, PR.
Formado em agronomia, administração e mestre em antropologia social, Maurício Cunha é fundador e presidente do Centro de Assistência e Desenvolvimento Integral – Cadi, conselheiro nacional de Assistência Social e professor universitário. Atualmente mora em Campo Largo, Paraná, com a esposa, Aline, e dois filhos, Natália e Vitor. Em entrevista ao portal Ultimato, ele falou sobre a descoberta da sua vocação, o exercício da escrita, sua atuação em defesa dos direitos humanos e sobre a vida. Confira o bate-papo.
Como você entendeu que sua vocação estava relacionada com a questão da justiça social?
Com 22 anos de idade eu já havia me formado em duas faculdades e estava no campo missionário, mas ainda sem uma direção firme a seguir e sem uma visão ministerial claramente delineada. Os modelos reducionistas, triunfalistas, fundamentalistas e dicotômicos da missão não eram capazes de prover respostas consistentes aos desafios que eu observava no campo missionário. Foi aí que eu fiz um curso de desenvolvimento comunitário na sede do Mercy Ships, na Jocum do Texas, e tudo fez muito mais sentido para mim, especialmente quando pensamos na realidade brasileira. Entendi a integralidade da missão e que a igreja é o único organismo capaz de ministrar às necessidades integrais do homem. Nesta descoberta, cresceu o desejo de servir no campo da transformação integral e nasceu o Cadi.
Alguma pessoa, em especial, lhe serve de inspiração e exemplo para o desenvolvimento da sua vocação?
O meu pastor, Edson Barbosa, e meu professor Darrow Miller, da DNA (Disciple Nations Alliance). Hoje, tenho aprendido também com outros “ícones” do passado, desde Francisco de Assis, até Abraham Kuyper.
Quais os perigos ou riscos que corre o cristão ou a igreja que se envolve com ação social, e quais cuidados tomar para evitá-los?
Há muitos perigos, os quais descrevo em meu primeiro livro, O Reino Entre Nós, entre eles: assistencialismo, impessoalidade, obras mortas, autoexaltação, messianismo, etc. Talvez o maior perigo hoje seja uma ação autocentrada, que promove o “doador”, e não mudanças efetivas e sustentáveis. O antídoto está na dependência de Deus e na busca por conhecimento e sabedoria, aprendendo em humildade com os outros e andando em redes e conexões, mas sem cair num tecnicismo inerte e sem vida.
Em sua opinião, porque muitos cristãos interpretam que lutar pela justiça social e pelos direitos básicos das pessoas significa “defender bandidos”?
Essa visão corresponde a não somente uma miopia acerca da realidade social e do que realmente significa a defesa de direitos e da população vulnerável, mas também um desconhecimento profundo da essência e do caráter do próprio Deus de justiça e compaixão descrito na Bíblia. Quem pensa assim, está andando segundo os padrões de pensamento do mundo, e não os do Reino.
A luta pela justiça social tem respaldo bíblico?
Total! Está na essência da lei, dos profetas e dos ensinamentos de Cristo. Isso é inegável, por isso a busca da justiça social não é uma opção para a Igreja, mas um mandato. Está no cerne do próprio agir redentor de Deus. O desafio está na aplicação contextualizada dos princípios fundamentais e fundantes da palavra de Deus nos dias de hoje.
Como o cristão e as igrejas podem se engajar socialmente sem comprometer o seu testemunho?
Há inúmeras maneiras, dependendo de cada contexto e das vocações e chamados do povo de Deus. Para mim, ao contrário de comprometer, é justamente isso que valida o seu testemunho. Um dos princípios de ação está no chamado “engajamento desinteressado”, isso é, no serviço incondicional, não-proselitista, como resultado do amor de Deus em nossas vidas.
Alguma pessoa ou livro, em especial, influenciou sua aproximação da leitura e da escrita?
Sempre gostei de ler e escrever, creio que isso é um dom dado por Deus. Ler é uma das grandes expressões da liberdade. Ao ler, posso viajar para realidades e domínios infinitos. Quando escrevo, multiplico a mim mesmo, superando a minha limitação espaço-temporal. Eu estou falando com quem está me lendo agora, mesmo não estando aqui. Não consigo pensar em alguma coisa mais fascinante do que isso!
Quando a inspiração para escrever não vem...
Alguém já disse que escrever, ou mesmo criar, corresponde a 1% de inspiração e 99% de trabalho árduo. Então, quando a inspiração não vem, a gente faz do mesmo jeito (risos).
O que os adultos devem ler para as crianças?
Livros que agucem a imaginação e as ensinem a sonhar.
O que mais o anima e o que mais o incomoda no meio evangélico?
Não sabemos mais o que significa, no Brasil, a expressão “meio evangélico”. O que isso abrange? Mas, pensando na igreja em geral, o que mais me anima é que Deus não tem um plano B. Apesar de todas as críticas, creio que há muito mais coisas positivas do seio da Igreja do que negativas, e aconteça o que acontecer, Deus nunca desistirá dela.
O que me incomoda muito é ver a igreja, principalmente alguns líderes, sucumbindo a valores do mundo e sendo “discipulada” por ele, aceitando o materialismo (e sua filha, a teologia da prosperidade) como verdade, o fascínio por poder e títulos, a inércia, a omissão diante de injustiças, o voltar-se quase que exclusivamente somente para si.
Que conselho você gostaria de ter recebido na sua juventude?
Não tenha medo nem vergonha de dizer que ama.
Como você lida com o envelhecer?
Não lido... Ainda está muito longe (risos).
Qual a diferença e qual a semelhança entre o seu primeiro e o seu segundo livro?
O segundo livro é um aprofundamento do primeiro em alguns temas, especialmente na questão da fundamentação bíblica e filosófica da ação social cristã, e no tema da cosmovisão. Além disso, ele contempla alguns “gaps” da literatura cristã e que são necessidades atuais, como o tema do advocacy e incidência em políticas públicas, e o de ferramentas para a transformação social, ou seja, como fazer o trabalho, e não apenas porquê.
***
>> Conheça a nova edição ampliada do livro O Reino Entre Nós.
Leia mais
» Justiça e transformação social: os sinais do reino
– Maurício Cunha
Quais os perigos que corre o cristão ou a igreja que se envolve com ação social? Quais cuidados tomar para evitá-los? Porque muitos cristãos interpretam que lutar pela justiça social e pelos direitos básicos das pessoas significa “defender bandidos”? Afinal, lutar pela justiça social tem respaldo bíblico?
Quem responde essas e outras perguntas é uma figura bastante conhecida entre os evangélicos por seu trabalho na área de desenvolvimento comunitário e luta pela justiça social. Maurício José Silva Cunha, mais conhecido como Maurício Cunha, é autor de dois livros nessas áreas. O primeiro, “O Reino Entre Nós – Transformação de comunidades pelo evangelho integral”, escrito em parceria com Beth Wood e publicado em 2003, já se tornou referência no assunto e foi traduzido para inglês e francês. O segundo, “O Reino de Deus e a Transformação Social – Fundamentos, Princípios e Ferramentas”, acaba de ser lançado na Conferência anual do Cadi, realizada no início de abril em Curitiba, PR.
Formado em agronomia, administração e mestre em antropologia social, Maurício Cunha é fundador e presidente do Centro de Assistência e Desenvolvimento Integral – Cadi, conselheiro nacional de Assistência Social e professor universitário. Atualmente mora em Campo Largo, Paraná, com a esposa, Aline, e dois filhos, Natália e Vitor. Em entrevista ao portal Ultimato, ele falou sobre a descoberta da sua vocação, o exercício da escrita, sua atuação em defesa dos direitos humanos e sobre a vida. Confira o bate-papo.
Como você entendeu que sua vocação estava relacionada com a questão da justiça social?
Com 22 anos de idade eu já havia me formado em duas faculdades e estava no campo missionário, mas ainda sem uma direção firme a seguir e sem uma visão ministerial claramente delineada. Os modelos reducionistas, triunfalistas, fundamentalistas e dicotômicos da missão não eram capazes de prover respostas consistentes aos desafios que eu observava no campo missionário. Foi aí que eu fiz um curso de desenvolvimento comunitário na sede do Mercy Ships, na Jocum do Texas, e tudo fez muito mais sentido para mim, especialmente quando pensamos na realidade brasileira. Entendi a integralidade da missão e que a igreja é o único organismo capaz de ministrar às necessidades integrais do homem. Nesta descoberta, cresceu o desejo de servir no campo da transformação integral e nasceu o Cadi.
Alguma pessoa, em especial, lhe serve de inspiração e exemplo para o desenvolvimento da sua vocação?
O meu pastor, Edson Barbosa, e meu professor Darrow Miller, da DNA (Disciple Nations Alliance). Hoje, tenho aprendido também com outros “ícones” do passado, desde Francisco de Assis, até Abraham Kuyper.
Quais os perigos ou riscos que corre o cristão ou a igreja que se envolve com ação social, e quais cuidados tomar para evitá-los?
Há muitos perigos, os quais descrevo em meu primeiro livro, O Reino Entre Nós, entre eles: assistencialismo, impessoalidade, obras mortas, autoexaltação, messianismo, etc. Talvez o maior perigo hoje seja uma ação autocentrada, que promove o “doador”, e não mudanças efetivas e sustentáveis. O antídoto está na dependência de Deus e na busca por conhecimento e sabedoria, aprendendo em humildade com os outros e andando em redes e conexões, mas sem cair num tecnicismo inerte e sem vida.
Em sua opinião, porque muitos cristãos interpretam que lutar pela justiça social e pelos direitos básicos das pessoas significa “defender bandidos”?
Essa visão corresponde a não somente uma miopia acerca da realidade social e do que realmente significa a defesa de direitos e da população vulnerável, mas também um desconhecimento profundo da essência e do caráter do próprio Deus de justiça e compaixão descrito na Bíblia. Quem pensa assim, está andando segundo os padrões de pensamento do mundo, e não os do Reino.
A luta pela justiça social tem respaldo bíblico?
Total! Está na essência da lei, dos profetas e dos ensinamentos de Cristo. Isso é inegável, por isso a busca da justiça social não é uma opção para a Igreja, mas um mandato. Está no cerne do próprio agir redentor de Deus. O desafio está na aplicação contextualizada dos princípios fundamentais e fundantes da palavra de Deus nos dias de hoje.
Como o cristão e as igrejas podem se engajar socialmente sem comprometer o seu testemunho?
Há inúmeras maneiras, dependendo de cada contexto e das vocações e chamados do povo de Deus. Para mim, ao contrário de comprometer, é justamente isso que valida o seu testemunho. Um dos princípios de ação está no chamado “engajamento desinteressado”, isso é, no serviço incondicional, não-proselitista, como resultado do amor de Deus em nossas vidas.
Alguma pessoa ou livro, em especial, influenciou sua aproximação da leitura e da escrita?
Sempre gostei de ler e escrever, creio que isso é um dom dado por Deus. Ler é uma das grandes expressões da liberdade. Ao ler, posso viajar para realidades e domínios infinitos. Quando escrevo, multiplico a mim mesmo, superando a minha limitação espaço-temporal. Eu estou falando com quem está me lendo agora, mesmo não estando aqui. Não consigo pensar em alguma coisa mais fascinante do que isso!
Quando a inspiração para escrever não vem...
Alguém já disse que escrever, ou mesmo criar, corresponde a 1% de inspiração e 99% de trabalho árduo. Então, quando a inspiração não vem, a gente faz do mesmo jeito (risos).
O que os adultos devem ler para as crianças?
Livros que agucem a imaginação e as ensinem a sonhar.
O que mais o anima e o que mais o incomoda no meio evangélico?
Não sabemos mais o que significa, no Brasil, a expressão “meio evangélico”. O que isso abrange? Mas, pensando na igreja em geral, o que mais me anima é que Deus não tem um plano B. Apesar de todas as críticas, creio que há muito mais coisas positivas do seio da Igreja do que negativas, e aconteça o que acontecer, Deus nunca desistirá dela.
O que me incomoda muito é ver a igreja, principalmente alguns líderes, sucumbindo a valores do mundo e sendo “discipulada” por ele, aceitando o materialismo (e sua filha, a teologia da prosperidade) como verdade, o fascínio por poder e títulos, a inércia, a omissão diante de injustiças, o voltar-se quase que exclusivamente somente para si.
Que conselho você gostaria de ter recebido na sua juventude?
Não tenha medo nem vergonha de dizer que ama.
Como você lida com o envelhecer?
Não lido... Ainda está muito longe (risos).
Qual a diferença e qual a semelhança entre o seu primeiro e o seu segundo livro?
O segundo livro é um aprofundamento do primeiro em alguns temas, especialmente na questão da fundamentação bíblica e filosófica da ação social cristã, e no tema da cosmovisão. Além disso, ele contempla alguns “gaps” da literatura cristã e que são necessidades atuais, como o tema do advocacy e incidência em políticas públicas, e o de ferramentas para a transformação social, ou seja, como fazer o trabalho, e não apenas porquê.
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