Opinião
- 16 de julho de 2009
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A gripe suína e suas relações-lições
Eduardo Ribeiro Mundim
Após algumas semanas, a gripe suína, ou influenza H1N1, vai caindo na rotina. Sua mortalidade, até agora, parece ser menor que a da gripe comum. Informação verdadeira, mas que precisa de cautela na sua interpretação: a mortalidade é pequena, mas o que ocorrerá se milhões forem infectados?
No seu início, circulou pela internet a foto de uma criança “beijando” um porco, com a legenda “Assim começou a gripe suína”. Logo a Organização Mundial de Saúde (OMS) mudou o nome, para poupar o comércio de carne suína. A transmissão não se faz por meio da carne de porco, mas a associação da carne com uma doença transmissível afetaria os negócios, sem dúvida.
O que não foi divulgado de modo amplo é como o vírus foi relacionado àquele animal. Segundo a repórter especializada Laurie Garret, em artigo publicado há dois meses,1 o H1N1 é um vírus que carrega em si partes do código genético de três vírus: um humano, um suíno e um aviário. Ou seja, o vírus tem uma alta capacidade de mutação, de se transformar em outro, a partir daquilo que ele encontra no ambiente. Na sua evolução, a interação entre humanos e animais, potencializada pelo confinamento de grande quantidade de animais em áreas reduzidas, desencadeou um novo vírus (o atual), que já circulava há alguns anos, mas em locais isolados. A famosa gripe espanhola, de 1918, que matou estimados 100 milhões de pessoas em 18 meses, era uma variante do H1N1 que havia sido transmitido do homem para o porco e deste retornado.
Hoje a facilidade de locomoção contribui para a disseminação de qualquer doença transmissível, em questão de horas. É o preço de nossa atual sociedade: produção de alimentos de origem animal em escala industrial (um ambiente favorável à evolução de diversos vírus, no qual circulam funcionários muitas vezes mal pagos e sem equipamentos de segurança individual), associada à nossa capacidade de rápida circulação.
E como respondemos a isto? Os governos devem informar, sem disseminar pânico (sempre indesejável); medidas protetoras devem ser tomadas, sem gerar preconceito. Mudaremos nossos hábitos de viagem? Reduziremos o consumo de carne na tentativa de reduzir o número de animais confinados?
Nos Estados Unidos houve uma onda de xenofobia contra os mexicanos, supostamente a origem da atual epidemia. Contudo, o vírus foi isolado pela primeira vez em solo norte-americano. Como os cristãos de lá se comportaram? Como os profissionais cristãos especializados em infectologia e epidemiologia transmitiram informações?
O que fez o México, uma economia que não está nas melhores situações? Fechou escolas, locais públicos, proibiu eventos. Houve queda de arrecadação por parte do governo e queda de rendimentos nos locais turísticos, entregues às moscas. Quantas vidas foram salvas porque o governo mexicano decidiu que pessoas são mais importantes que negócios?
A Copa Libertadores da América ficou maculada pela recusa do São Paulo em ir ao México, e a COMEBOL lavou as mãos, como se não fosse problema seu. Agora, o Cruzeiro vai a Buenos Aires. Dois pesos e duas medidas...
Quais as possíveis causas de diferentes letalidades entre diversos países? Uma delas é a capacidade do Estado de proteger seus cidadãos (medicina preventiva) e de tratá-los com eficiência. O Estado pratica a boa medicina preventiva quando provê saneamento básico a todos, nutrição adequada e qualidade de vida.
Curiosamente, segundo a revista “Radis”,2 a OMS não incentiva o uso de antivirais genéricos, mas apenas aqueles comercializados por duas gigantes farmacêuticas. Houve até uma tentativa internacional de classificar os medicamentos genéricos como “falsificações”...
Em questões de saúde, o desnível tecnológico ameaça vidas. Pouquíssimos países têm a capacidade de rápido reconhecimento de novos vírus, e o Brasil não é um deles. O medo norte-americano de terrorismo biológico atrasou o reconhecimento do que ocorria no México. Não é à-toa que o Brasil propôs recentemente que os sequenciamentos genéticos de vírus sejam declarados patrimônio mundial.
Além da tarefa de eleger seus líderes, a sociedade deve se informar melhor (precisamos de repórteres habilitados, experientes, bem pagos), discutir mais (por meio de fóruns de discussão com moderação equilibrada, com capacidade de síntese) e agir corretamente (mesmo que isso implique em perda de pequenos ou grandes luxos do dia-a-dia) -- se não quiser ser responsável pelo seu auto-holocausto.
Notas
1. www.newsweek.com/id/195692
2. www4.ensp.fiocruz.br/radis/82/02.html
• Eduardo Ribeiro Mundim é médico endocrinologista, co-editor da página www.bioeticaefecrista.med.br e responsável pela área de bioética dos Médicos de Cristo.
Após algumas semanas, a gripe suína, ou influenza H1N1, vai caindo na rotina. Sua mortalidade, até agora, parece ser menor que a da gripe comum. Informação verdadeira, mas que precisa de cautela na sua interpretação: a mortalidade é pequena, mas o que ocorrerá se milhões forem infectados?
No seu início, circulou pela internet a foto de uma criança “beijando” um porco, com a legenda “Assim começou a gripe suína”. Logo a Organização Mundial de Saúde (OMS) mudou o nome, para poupar o comércio de carne suína. A transmissão não se faz por meio da carne de porco, mas a associação da carne com uma doença transmissível afetaria os negócios, sem dúvida.
O que não foi divulgado de modo amplo é como o vírus foi relacionado àquele animal. Segundo a repórter especializada Laurie Garret, em artigo publicado há dois meses,1 o H1N1 é um vírus que carrega em si partes do código genético de três vírus: um humano, um suíno e um aviário. Ou seja, o vírus tem uma alta capacidade de mutação, de se transformar em outro, a partir daquilo que ele encontra no ambiente. Na sua evolução, a interação entre humanos e animais, potencializada pelo confinamento de grande quantidade de animais em áreas reduzidas, desencadeou um novo vírus (o atual), que já circulava há alguns anos, mas em locais isolados. A famosa gripe espanhola, de 1918, que matou estimados 100 milhões de pessoas em 18 meses, era uma variante do H1N1 que havia sido transmitido do homem para o porco e deste retornado.
Hoje a facilidade de locomoção contribui para a disseminação de qualquer doença transmissível, em questão de horas. É o preço de nossa atual sociedade: produção de alimentos de origem animal em escala industrial (um ambiente favorável à evolução de diversos vírus, no qual circulam funcionários muitas vezes mal pagos e sem equipamentos de segurança individual), associada à nossa capacidade de rápida circulação.
E como respondemos a isto? Os governos devem informar, sem disseminar pânico (sempre indesejável); medidas protetoras devem ser tomadas, sem gerar preconceito. Mudaremos nossos hábitos de viagem? Reduziremos o consumo de carne na tentativa de reduzir o número de animais confinados?
Nos Estados Unidos houve uma onda de xenofobia contra os mexicanos, supostamente a origem da atual epidemia. Contudo, o vírus foi isolado pela primeira vez em solo norte-americano. Como os cristãos de lá se comportaram? Como os profissionais cristãos especializados em infectologia e epidemiologia transmitiram informações?
O que fez o México, uma economia que não está nas melhores situações? Fechou escolas, locais públicos, proibiu eventos. Houve queda de arrecadação por parte do governo e queda de rendimentos nos locais turísticos, entregues às moscas. Quantas vidas foram salvas porque o governo mexicano decidiu que pessoas são mais importantes que negócios?
A Copa Libertadores da América ficou maculada pela recusa do São Paulo em ir ao México, e a COMEBOL lavou as mãos, como se não fosse problema seu. Agora, o Cruzeiro vai a Buenos Aires. Dois pesos e duas medidas...
Quais as possíveis causas de diferentes letalidades entre diversos países? Uma delas é a capacidade do Estado de proteger seus cidadãos (medicina preventiva) e de tratá-los com eficiência. O Estado pratica a boa medicina preventiva quando provê saneamento básico a todos, nutrição adequada e qualidade de vida.
Curiosamente, segundo a revista “Radis”,2 a OMS não incentiva o uso de antivirais genéricos, mas apenas aqueles comercializados por duas gigantes farmacêuticas. Houve até uma tentativa internacional de classificar os medicamentos genéricos como “falsificações”...
Em questões de saúde, o desnível tecnológico ameaça vidas. Pouquíssimos países têm a capacidade de rápido reconhecimento de novos vírus, e o Brasil não é um deles. O medo norte-americano de terrorismo biológico atrasou o reconhecimento do que ocorria no México. Não é à-toa que o Brasil propôs recentemente que os sequenciamentos genéticos de vírus sejam declarados patrimônio mundial.
Além da tarefa de eleger seus líderes, a sociedade deve se informar melhor (precisamos de repórteres habilitados, experientes, bem pagos), discutir mais (por meio de fóruns de discussão com moderação equilibrada, com capacidade de síntese) e agir corretamente (mesmo que isso implique em perda de pequenos ou grandes luxos do dia-a-dia) -- se não quiser ser responsável pelo seu auto-holocausto.
Notas
1. www.newsweek.com/id/195692
2. www4.ensp.fiocruz.br/radis/82/02.html
• Eduardo Ribeiro Mundim é médico endocrinologista, co-editor da página www.bioeticaefecrista.med.br e responsável pela área de bioética dos Médicos de Cristo.
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