Opinião
15 de junho de 2007
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A graça singular da evolução
Há dois tipos de cristão: os que acreditam na evolução e os que acreditam que há apenas um tipo de cristão.
Para muitos evangélicos de todas as estirpes o criacionismo — a noção de que Deus criou o universo e o nosso mundo em seis dias literais — faz parte do conjunto mais essencial de doutrinas cristãs, ao lado, digamos, da doutrina do pecado original e do sacrifício substitutivo de Jesus. Colocar em dúvida a literalidade da criação seria duvidar da inerrância das escrituras, duvidar do testemunho de Moisés, dos apóstolos e até de Cristo.
De nada adianta argumentar que grande parte dos patriarcas da igreja primitiva (e pensadores judeus contemporâneos desses) não interpretavam literalmente o relato da criação registrado nos primeiros capítulos de Gênesis. Esses primeiros cristãos não negavam que Deus tivesse criado o mundo; apenas sustentavam que o relato bíblico não era para ser entendido como descrição literal de como aconteceu. Liam a narrativa da criação como lemos as parábolas de Jesus: como narrativa metáforica, como mito, que aponta para uma verdade superior.
De nada adianta argumentar que muitos cristãos contemporâneos dentre os mais austeros e ortodoxos — digamos, John Stott — crêem que a evolução foi o modo peculiar através do qual Deus moldou o homem do barro. Stott crê que o universo, a vida na Terra e a humanidade vieram à luz mais ou menos como explicam os livros de ciência — porém sob a égide oculta de um interessado Produtor, um supervisor e patrocinador que interveio de forma esporádica mas decisiva em um processo natural e em muitos sentidos aleatório.
Pensadores como Stott parecem ter se dobrado a abraçar uma doutrina limitada da evolução diante do peso da evidência científica. Embora a evidência em favor da factualidade da evolução seja vasta e eloqüente, não é a autoridade (sempre arbitrária) da ciência o que de fato me atrai na idéia.
No fim das contas, creio na evolução por motivos literários — ou, para dizer de outra forma, motivos espirituais. A evolução soa-me como história melhor do que a narrativa literal da criação. Fala de um Deus mais próximo do Deus da Bíblia e da experiência cotidiana.
Como o da Bíblia, o Deus da evolução é comedido e introspectivo, intervindo apenas quando e na medida em que julga necessário; sendo independente das suas criaturas, ele deseja que suas criaturas sejam santas, isto é, autônomas e singulares, como ele o é. Ele deixa sua criação (ou seja, nós e o universo) correr o seu curso e o acaso fazer suas próprias escolhas. Como o Deus de Abraão e Moisés, ele é poderoso o bastante para lidar de forma criativa com o imprevisto, e escolhe escrever a história da criação e da vida em conjunto com as suas criaturas, e não a partir de um roteiro pré-estabelecido. Como o Deus de Paulo, ele pede que interpretemos o espírito, não a letra do que ele diz. Como o Deus do dia-a-dia, ele é presente e unânime e onipresente, e ao mesmo tempo tão recatado que pode tranqüilamente passar despercebido.
A narrativa do Gênesis foi escrita para que saibamos que Deus está espetacularmente por trás de tudo; a sacada da evolução, bem como o Deus distanciado da experiência do dia-a-dia, estão aí para dizer que Deus o faz da forma mais espetacularmente sutil. O Deus do criacionismo pode parecer grande, mas o Deus da evolução é necessariamente maior — é, portanto, apenas o retrato de mais uma face do Deus tremendo de Gênesis.
A evolução ensina que cada espécie (e cada espécime) de animal e de planta é um tipo particular e insubstituível de graça, e não a mera representação física de um projeto ideal numa prancheta eterna. Para o criacionista pouca diferença faz se tigres e florestas e bugios e campos gerais são extintos pela cegueira da ambição humana; para o evolucionista, a cada golpe na biodiversidade um milagre da graça mais improvável é apagado para sempre. Estamos habituados a louvar a criação, mas a evolução fala de milagres maiores; fala do conhecimento do bem e do mal e da responsabilidade de administrar com sabedoria o jardim da Terra, coisas das quais tentaremos sempre nos esquivar.
O notável é que a narrativa da criação do Gênesis poderia muito bem ser literal e factual; seria apenas uma solução menos extraordinária do que a da evolução. Às vezes penso que a evolução era [uma das coisas] que Jesus tinha em mente quando disse que o reino de Deus está no meio de nós. A lapidação lenta e improbabilíssima de galáxias e planetas e espécies e nações e indivíduos alinha-se de forma mais eloqüente com os métodos do Deus de Jesus, que tem como o Filho a ambição de estar em todos lugares e ser reconhecido, até a cortina final, em nenhum.
• Paulo Brabo é ilustrador, leitor compulsivo e mora em Campina Grande do Sul, Paraná. www.baciadasalmas.com
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Opinião do leitor
Carla G. Bueno Silva
São Paulo - SPO evolucionismo é uma teoria, não deve ser tomado como verdade(como ocorre nas escolas e universidades).A verdade é que nenhum ser vivo de hoje estava lá no momento da criação ou da explosão. Mas Deus nos deu o livro da vida, a Palavra dele que é rica e descreve tudo o que ele fez e o amor com que ele formou tudo! Ele é o Deus Criador, em nenhum momento a bíblia diz "Deus Evolutor".
Deus não está preso no tempo como nós, o tempo pra ele é nada! O homem tem essa mania de explicar o mundo através do argumento "foram milhões de anos..." Não é assim de acordo com a biblia!
Deus tudo pode!

Carla G. Bueno Silva
São Paulo - SPSe formos ler a bíblia pensando que ela é subjetiva estamos distorcendo a Palavra e duvidando do poder de Deus! Ou seja, os 7 dias não foram beeem 7 dias, mas uns 7 milhões de anos (ou mais!).
Então, em quanto tempo Jesus teria ressuscitado? Será que foram 3 dias mesmo? Ou não é beem assim "ressuscitar"...
Isso é colocar em dúvida o livro que foi inspirado por Deus e tudo o que Ele fez!
Se a bíblia não fosse clara (ela é!) somente as pessoas mais estudadas poderiam entendê-la. Mas Deus a fez para todos!
Que possamos ler a Palavra inspirados pelo Criador e não ocultá-la ou distorcê-la.

Marcelo LuÍs Nomura
Campinas - SPSou cristão, médico, mas não sou um criacionista fundamentalista literalista. Porém, não há evidência em favor da factualidade da evolução que seja vasta e eloqüente, muito pelo contrário. A genética moderna não consegue dar sustentação a teoria da evolução como descrita originalmente por Darwin. Para muitos bólogos, incluindo uma grande maioria de não-cristãos, a evolução das espécies é o protótipo da teoria aceita amplamente, divulgada como fato irrefutável e que carece seriamente de evidências a luz da biologia celular e molecular e da genética moderna, ciências seculares.

Marcelo LuÍs Nomura
Campinas - SPAlém disso, essa necessidade de setores evangélicos em se aproximar de teorias seculares e se mostrar progressistas pode levar a erros teológicos, que por sua vez podem macular a imagem da igreja cristã. Qual a relevância da teoria evolução das espécies para o entendimento cristão da Criação? Mais uma vez, a ciência "evolui" e muitas teorias caem por terra. Devemos ser cuidadosos ao endossar teses que possam ter qualquer conteúdo contrário a doutrina cristã, sob pena de poder confundir ou colocar dúvidas nas mentes de crentes sinceros.

Marcos David Muhlpointner
Santo André - SPInfelizmente um dos resultados de se considerar a evolução é colocar Deus num patamar muito parecido com o dos homens. O autor do artigo faz uma declaração perigosa e absurda: “...ele[Deus] é poderoso o bastante para lidar de forma criativa com o imprevisto...” Ora, quando é que Deus é pego num imprevisto? Quando é que Deus é pego com “as calças na mão”?
Ora, um Deus que tivesse que lidar com o “acaso” a toda hora e rever Seus planos não seria um Deus de fato. Isso está muito mais para uma projeção humana de Deus. Até mais, Marcos.

Fabiana
Sp - SPEstranho texto, parece q Paulo Brabo está na contramão. Qdo tantos cientistas criacionistas espalhados pelo mundo têm mostrado evidências dos enormes furos na teoria da evolução e de provas científicas da criação...
Seria interessante mais base antes de publicar um texto como esse. " Creio na evolução por motivos literários". Opa...

Ricardo Santos
Curitiba - PRÉ interessante que sempre que alguém levanta uma reflexão, frise bem, "reflexão", sempre surgem os advogados de Deus para colocar os devidos pingos nos is! A reflexão que o autor provocou foi simples e clara: a mensagem que o Genesis apresenta é que Deus criou o mundo. Ponto final. O modo como Deus criou o mundo é uma outra questão. E o que o Brabo parece desconfiar é que a idéia da "evolução" (não a teoria da evolução da espécies de Charles Darwin!), pode nos dar algumas mínimas, quase insignificantes, pistas a respeito do modo como Deus fez exsitir do nada todo este Universo que conhecemos.

Ricardo Santos
Curitiba - PRO fato é que se Deus fosse nos explicar, em detalhes, como ele criou exatamente o mundo, entederíamos tão bem quanto um chipanzé entenderia uma aula de física quantica. É evidente que o relato do Genesis não está preocupado em ensinar a maneira como Deus criou o mundo, e sim em transmitir uma mensagem religiosa.
Não há como deixar de fazer uma analogia entre este caso debatido aqui e o de Galileu Galilei. Ele quase foi queimado na fogueira como herege. Por que? Por sustentar que a Terra não era o centro do Universo. De onde seus inquisidores tiraram a idéia contrária? Do Gênesis.

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