Opinião
- 19 de agosto de 2009
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A crise ambiental, as mudanças climáticas e a mordomia
René Padilla
Membros da Rede Miqueias, reunidos no Quênia entre os dias 13 e 18 de julho de 2009, produziram a Declaração sobre Mordomia da Criação e Mudanças Climáticas. É possível que, com o passar do tempo, esta declaração venha a ser considerada como o documento mais significativo que já surgiu de círculos evangélicos sobre o tema, que até então não havia recebido a devida atenção do povo que confessa o Deus trino como o Deus da criação.
Redigido por uma comissão internacional que conseguiu organizar a participação dos grupos de discussão formados pelos participantes do encontro, o documento é um excelente resumo das preocupações ecológicas de uma rede plenamente comprometida com a missão integral de Deus, concebida como a proclamação e demonstração do evangelho. A esperança é que esta Declaração não apenas se constitua em uma agenda para os membros da Rede Miqueias, mas também incentive cristãos, em todo lugar, a levar a sério a crise ambiental global produzida por “ignorância, descuido, arrogância e cobiça”, a superar a tradicional dicotomia entre evangelização e responsabilidade socioecológica, e a se comprometer ativamente com a prática e a promoção do cuidado com a criação de Deus.
Formada em 1999, a Rede Miqueias cresceu até chegar a ser um movimento mundial de mais de 500 agências cristãs de serviço, desenvolvimento e justiça, igrejas e indivíduos. Conta atualmente com 300 membros ativos e 230 associados em mais de oitenta países. Seu objetivo principal é incentivar a prática daquilo que, segundo o texto do qual deriva o nome da Rede, Deus requer de todo cristão: “Praticar a justiça, amar a misericórdia e se humilhar diante de Deus” (Mq 6.8).
• René Padilla, autor de “O Que é Missão Integral?” (Editora Ultimato, no prelo), é um dos teólogos e pensadores protestantes latino-americanos mais conhecidos em todo o mundo. Nascido no Equador e residente em Buenos Aires, Argentina, é fundador e presidente da Fundação Kairós e da Rede Miqueias.
DECLARAÇÃO SOBRE MORDOMIA DA CRIAÇÃO E MUDANÇAS CLIMÁTICAS
17 de julho de 2009
Nós, membros da Rede Miqueias, vindos de 38 países dos cinco continentes, reunimo-nos em Limuru, no Quênia, de 13 a 18 de julho de 2009 para a Quarta Reunião Global Trienal. Com o tema Mordomia da Criação e Mudanças Climáticas, buscamos a sabedoria de Deus e clamamos pela orientação do Espírito Santo ao refletir sobre a crise ambiental global. Como resultado de nossas discussões, reflexões e orações, declaramos o seguinte:
1. Cremos em Deus -- Pai, Filho e Espírito Santo em comunidade -- que é o criador, sustentador e Senhor de tudo. Deus se deleita em sua criação e está comprometido com ela (Cl 1.15-16 e Rm 11.36).
2. No princípio, Deus estabeleceu relações justas entre todas as criaturas. Tanto as mulheres como os homens, portadores da imagem de Deus, são chamados a servir e amar o restante da criação e responsáveis por prestar contas a Deus como mordomos. Nosso cuidado com a criação é um ato de adoração e obediência ao nosso Criador (Gn 1.26-30 e 2.15).
3. Nem sempre fomos mordomos fiéis. Devido à nossa ignorância, negligência, arrogância e cobiça, temos causado danos à terra e rompido as relações da criação (Gênesis 3.13-24). Nosso fracasso tem causado a atual crise ambiental, que tem gerado a mudança climática e colocado em perigo os ecossistemas da Terra. Toda a criação está sujeita à inutilidade e a corrupção decorrentes de nossa desobediência (Rm 8.20).
4. Entretanto, Deus permanece fiel (Rm 8.21). Na encarnação, vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo, Deus reconciliou todas as coisas consigo mesmo (Cl 1.19-20 e Fp 2.6-8). Escutamos o gemido da criação como dores de parto. Esta é a promessa de que Deus agirá, e já está agindo, para renovar todas as coisas (Rm 8.22 e Ap 21.5). Esta é a esperança que nos mantém.
5. Confessamos que pecamos. Não cuidamos da Terra com o amor sacrifical e abnegado de Deus. Em vez disso, exploramos, consumimos e abusamos dela para benefício próprio. Com demasiada frequência, cedemos ante a idolatria da cobiça (Cl 3.5 e Mt 6.24). Abraçamos falsas dicotomias da teologia e da prática, separando o espiritual e o material, o eterno e o temporal, o celestial e o terreno. Em todas essas coisas, não atuamos de maneira justa com nossos semelhantes nem com a criação, além de não honramos a Deus.
6. Reconhecemos que a industrialização, o crescente desmatamento, a intensificação da agricultura e da pecuária, além do consumo exacerbado de petróleo e derivados, prejudicaram o equilíbrio dos sistemas naturais da Terra. O rápido aumento das emissões de gases de efeito estufa está causando o aumento da temperatura média global, com impactos devastadores que já estão sendo sentidos, especialmente pelas populações mais pobres e marginalizadas. O aumento previsto de 2 graus Celsius dentro das próximas décadas alterará substancialmente a vida na Terra e acelerará a perda da biodiversidade. Intensificará o risco e a gravidade de eventos climáticos extremos, como secas, inundações e furacões, causando deslocamentos de populações e fome. Os níveis do mar continuarão se elevando, contaminando as nascentes de água e submergindo ilhas e comunidades costeiras. Provavelmente, veremos migrações massivas, o que levará a conflitos por causa da escassez de recursos. Profundas mudanças na frequência de chuvas e nevascas, como também o derretimento das geleiras, ocasionarão uma aceleração da escassez de água para milhões de pessoas.
7. Arrependemo-nos de nossa teologia egocêntrica da criação e de nossa cumplicidade com as relações econômicas injustas a nível local e global. Arrependemo-nos daqueles aspectos de nosso estilo de vida pessoal e social que deterioram a criação e de nossa falta de ação política. Devemos mudar radicalmente nossa vida em resposta à indignação e à tristeza de Deus pela agonia de sua criação.
8. Comprometemo-nos, diante de Deus, e chamamos a toda a família de fé para dar testemunho da intenção redentora de Deus para toda a sua criação. Buscaremos formas apropriadas de restaurar e construir relações justas entre os seres humanos e com o restante da criação. Esforçaremo-nos para viver de forma responsável, negando o consumismo e a exploração que resulta disto (Mt 6.24). Ensinaremos e serviremos de modelo de mordomia da criação como parte da missão integral. Intercederemos diante de Deus pelos que mais sofrem os efeitos da degradação ambiental e das mudanças climáticas e atuaremos com justiça e misericórdia entre eles, por eles e com eles (Mq 6.8).
9. Unimos nossa voz à de toda a sociedade para demandar que os líderes locais, nacionais e globais cumpram com a responsabilidade que têm de enfrentar a crise das mudanças climáticas e da degradação ambiental mediante os mecanismos e convenções acordados no nível intergovernamental, e assegurar os recursos necessários para garantir um desenvolvimento sustentável. Suas reuniões, como parte do processo de Convênio Básico das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, devem produzir acordos justos, compreensivos e adequados. Os líderes devem apoiar os esforços das comunidades locais para se adaptarem às mudanças climáticas e devem atuar para proteger a vida e o sustento das pessoas mais vulneráveis ao impacto da degradação ambiental e das mudanças climáticas. Reconhecemos que entre os mais afetados estão as mulheres e meninas. Fazemos um chamado aos líderes para intervirem no desenvolvimento de novas tecnologias e fontes de energia limpa e sustentável e a apoiar adequadamente para que os pobres, vulneráveis e marginalizados façam uso efetivo delas.
10. Já não há mais tempo para postergações ou indiferença. Trabalharemos com paixão, persistência, oração e criatividade para proteger a integridade de toda a criação e deixar um ambiente e um clima seguros para nossos filhos e para os filhos de seus filhos.
Os que têm ouvido para ouvir, que ouçam (Marcos 4.23).
Membros da Rede Miqueias, reunidos no Quênia entre os dias 13 e 18 de julho de 2009, produziram a Declaração sobre Mordomia da Criação e Mudanças Climáticas. É possível que, com o passar do tempo, esta declaração venha a ser considerada como o documento mais significativo que já surgiu de círculos evangélicos sobre o tema, que até então não havia recebido a devida atenção do povo que confessa o Deus trino como o Deus da criação.
Redigido por uma comissão internacional que conseguiu organizar a participação dos grupos de discussão formados pelos participantes do encontro, o documento é um excelente resumo das preocupações ecológicas de uma rede plenamente comprometida com a missão integral de Deus, concebida como a proclamação e demonstração do evangelho. A esperança é que esta Declaração não apenas se constitua em uma agenda para os membros da Rede Miqueias, mas também incentive cristãos, em todo lugar, a levar a sério a crise ambiental global produzida por “ignorância, descuido, arrogância e cobiça”, a superar a tradicional dicotomia entre evangelização e responsabilidade socioecológica, e a se comprometer ativamente com a prática e a promoção do cuidado com a criação de Deus.
Formada em 1999, a Rede Miqueias cresceu até chegar a ser um movimento mundial de mais de 500 agências cristãs de serviço, desenvolvimento e justiça, igrejas e indivíduos. Conta atualmente com 300 membros ativos e 230 associados em mais de oitenta países. Seu objetivo principal é incentivar a prática daquilo que, segundo o texto do qual deriva o nome da Rede, Deus requer de todo cristão: “Praticar a justiça, amar a misericórdia e se humilhar diante de Deus” (Mq 6.8).
• René Padilla, autor de “O Que é Missão Integral?” (Editora Ultimato, no prelo), é um dos teólogos e pensadores protestantes latino-americanos mais conhecidos em todo o mundo. Nascido no Equador e residente em Buenos Aires, Argentina, é fundador e presidente da Fundação Kairós e da Rede Miqueias.
DECLARAÇÃO SOBRE MORDOMIA DA CRIAÇÃO E MUDANÇAS CLIMÁTICAS
17 de julho de 2009
Nós, membros da Rede Miqueias, vindos de 38 países dos cinco continentes, reunimo-nos em Limuru, no Quênia, de 13 a 18 de julho de 2009 para a Quarta Reunião Global Trienal. Com o tema Mordomia da Criação e Mudanças Climáticas, buscamos a sabedoria de Deus e clamamos pela orientação do Espírito Santo ao refletir sobre a crise ambiental global. Como resultado de nossas discussões, reflexões e orações, declaramos o seguinte:
1. Cremos em Deus -- Pai, Filho e Espírito Santo em comunidade -- que é o criador, sustentador e Senhor de tudo. Deus se deleita em sua criação e está comprometido com ela (Cl 1.15-16 e Rm 11.36).
2. No princípio, Deus estabeleceu relações justas entre todas as criaturas. Tanto as mulheres como os homens, portadores da imagem de Deus, são chamados a servir e amar o restante da criação e responsáveis por prestar contas a Deus como mordomos. Nosso cuidado com a criação é um ato de adoração e obediência ao nosso Criador (Gn 1.26-30 e 2.15).
3. Nem sempre fomos mordomos fiéis. Devido à nossa ignorância, negligência, arrogância e cobiça, temos causado danos à terra e rompido as relações da criação (Gênesis 3.13-24). Nosso fracasso tem causado a atual crise ambiental, que tem gerado a mudança climática e colocado em perigo os ecossistemas da Terra. Toda a criação está sujeita à inutilidade e a corrupção decorrentes de nossa desobediência (Rm 8.20).
4. Entretanto, Deus permanece fiel (Rm 8.21). Na encarnação, vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo, Deus reconciliou todas as coisas consigo mesmo (Cl 1.19-20 e Fp 2.6-8). Escutamos o gemido da criação como dores de parto. Esta é a promessa de que Deus agirá, e já está agindo, para renovar todas as coisas (Rm 8.22 e Ap 21.5). Esta é a esperança que nos mantém.
5. Confessamos que pecamos. Não cuidamos da Terra com o amor sacrifical e abnegado de Deus. Em vez disso, exploramos, consumimos e abusamos dela para benefício próprio. Com demasiada frequência, cedemos ante a idolatria da cobiça (Cl 3.5 e Mt 6.24). Abraçamos falsas dicotomias da teologia e da prática, separando o espiritual e o material, o eterno e o temporal, o celestial e o terreno. Em todas essas coisas, não atuamos de maneira justa com nossos semelhantes nem com a criação, além de não honramos a Deus.
6. Reconhecemos que a industrialização, o crescente desmatamento, a intensificação da agricultura e da pecuária, além do consumo exacerbado de petróleo e derivados, prejudicaram o equilíbrio dos sistemas naturais da Terra. O rápido aumento das emissões de gases de efeito estufa está causando o aumento da temperatura média global, com impactos devastadores que já estão sendo sentidos, especialmente pelas populações mais pobres e marginalizadas. O aumento previsto de 2 graus Celsius dentro das próximas décadas alterará substancialmente a vida na Terra e acelerará a perda da biodiversidade. Intensificará o risco e a gravidade de eventos climáticos extremos, como secas, inundações e furacões, causando deslocamentos de populações e fome. Os níveis do mar continuarão se elevando, contaminando as nascentes de água e submergindo ilhas e comunidades costeiras. Provavelmente, veremos migrações massivas, o que levará a conflitos por causa da escassez de recursos. Profundas mudanças na frequência de chuvas e nevascas, como também o derretimento das geleiras, ocasionarão uma aceleração da escassez de água para milhões de pessoas.
7. Arrependemo-nos de nossa teologia egocêntrica da criação e de nossa cumplicidade com as relações econômicas injustas a nível local e global. Arrependemo-nos daqueles aspectos de nosso estilo de vida pessoal e social que deterioram a criação e de nossa falta de ação política. Devemos mudar radicalmente nossa vida em resposta à indignação e à tristeza de Deus pela agonia de sua criação.
8. Comprometemo-nos, diante de Deus, e chamamos a toda a família de fé para dar testemunho da intenção redentora de Deus para toda a sua criação. Buscaremos formas apropriadas de restaurar e construir relações justas entre os seres humanos e com o restante da criação. Esforçaremo-nos para viver de forma responsável, negando o consumismo e a exploração que resulta disto (Mt 6.24). Ensinaremos e serviremos de modelo de mordomia da criação como parte da missão integral. Intercederemos diante de Deus pelos que mais sofrem os efeitos da degradação ambiental e das mudanças climáticas e atuaremos com justiça e misericórdia entre eles, por eles e com eles (Mq 6.8).
9. Unimos nossa voz à de toda a sociedade para demandar que os líderes locais, nacionais e globais cumpram com a responsabilidade que têm de enfrentar a crise das mudanças climáticas e da degradação ambiental mediante os mecanismos e convenções acordados no nível intergovernamental, e assegurar os recursos necessários para garantir um desenvolvimento sustentável. Suas reuniões, como parte do processo de Convênio Básico das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, devem produzir acordos justos, compreensivos e adequados. Os líderes devem apoiar os esforços das comunidades locais para se adaptarem às mudanças climáticas e devem atuar para proteger a vida e o sustento das pessoas mais vulneráveis ao impacto da degradação ambiental e das mudanças climáticas. Reconhecemos que entre os mais afetados estão as mulheres e meninas. Fazemos um chamado aos líderes para intervirem no desenvolvimento de novas tecnologias e fontes de energia limpa e sustentável e a apoiar adequadamente para que os pobres, vulneráveis e marginalizados façam uso efetivo delas.
10. Já não há mais tempo para postergações ou indiferença. Trabalharemos com paixão, persistência, oração e criatividade para proteger a integridade de toda a criação e deixar um ambiente e um clima seguros para nossos filhos e para os filhos de seus filhos.
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