Opinião
- 11 de dezembro de 2017
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A chave para compreender a necessidade de uma contínua reforma
Por Justo González
Traduzido por Wagner Guimarães
Quando falamos sobre a Reforma Protestante do século 16, costumamos começar falando de toda a corrupção que existia antes dessa Reforma. Falamos da prática de comprar e vender cargos eclesiásticos. Falamos do pluralismo e do absentismo. Falamos de crianças de 10 ou 12 anos que se tornavam bispos e até arcebispos. Falamos de um descuido com os estudos bíblicos. Falamos de práticas e superstições que era necessário suprimir. Falamos de um papado corrompido e mais interessado na política italiana que em suas obrigações pastorais.
Então, em contraste com toda essa corrupção, falamos sobre personagens como Martinho Lutero, João Calvino e muitos outros, que se dedicaram assiduamente à reforma da igreja.
Desse modo, somos levados a entender que a reforma da igreja acontece quando, no meio de uma igreja corrompida, tanto em suas práticas quanto em sua doutrina, surgem aqueles que se veem com a necessidade de protestar contra tal corrupção.
Porém, ao falar da Reforma como resultado disso, esquecemo-nos de que a verdadeira causa de toda boa reforma dentro da igreja não é a corrupção existente, tampouco o zelo e a devoção dos reformadores. A verdadeira causa de toda boa reforma dentro da igreja é a obra do Espírito Santo. E o Espírito Santo reforma a igreja não somente porque ela está corrompida ou equivocada, mas porque a reforma é um elemento essencial dentro da vida da igreja.
Isto se deve a duas razões. A primeira delas tem a ver com o caráter da igreja como povo sacerdotal e missionário. O contexto no qual a igreja dá seu testemunho e cumpre sua missão deve afetar o modo como a igreja atua, se organiza e entende a si mesma. Uma igreja que foi pertinente há cem anos pode muito bem sê-lo hoje. E, nesse caso, necessita de reforma, não porque haja nela pecados egrégios, mas simplesmente porque, como povo sacerdotal e missionário, tem de se relacionar com as circunstâncias em que vive.
Santos pelo que o Espírito Santo faz em nós
A segunda razão pela qual a reforma da igreja é necessária é melhor entendida se a relacionarmos com o que Lutero e outros reformadores diziam, no sentido de que todo crente “é, ao mesmo tempo, justo e pecador”. A justiça do pecador não está em que ele deixe de pecar, mas na graça de Jesus Cristo, que o declara justo. Naturalmente, isto não quer dizer que tal crente deva, então, se desentender da vontade divina e se entregar ao pecado, mas que há uma diferença importante entre a santidade e a pureza de vida. Somos santos não porque somos bons, mas porque Deus é bom. Somos santos não pelo que fazemos, mas pelo que o Espírito Santo faz em nós. Há uma diferença entre a santidade e a pureza. Somos santos não porque somos puros, mas porque buscamos ser puros.
O que é certo em relação aos cristãos individuais também o é em relação à igreja. A santidade é, certamente, marca essencial da igreja, e falar de uma igreja que não seja santa é uma contradição. No entanto, essa santidade não depende da pureza da igreja, mas se deve ao fato de que seu cabeça é santo.
É precisamente porque o cabeça da igreja é santo e porque estamos unidos a ele que acontece nos crentes o processo de santificação. Se tal processo não existe, isto pode ser sintoma de que não se está verdadeiramente unido ao cabeça da igreja. O que acontece é que nós, os crentes, que nos tornamos santos em virtude da nossa união com Jesus Cristo, ainda temos que ser santificados, ou seja, tornados aptos a pertencer a este santo corpo que é a igreja.
Ao mesmo tempo em que ser santo não é o mesmo que ser puro, a santidade implica um processo de santificação. E isto é certo em relação aos crentes individuais e também em relação à igreja como um corpo.
>>> A Reforma - O que você precisa saber e por quê <<<
Quando falamos de uma reforma da igreja na América Latina, isto é de suma importância. Se não levarmos isto em conta, corremos o risco de começar discutindo todas as coisas que estão mal dentro da nossa igreja. Certamente há práticas, pregações e ideias em nossas igrejas que deixam a desejar. Entretanto, se, ao falarmos de uma reforma da igreja na América Latina, começarmos nos referindo a essas práticas, poderemos cair no perigo de pensar que, se a igreja necessita de reforma, é porque está corrompida; que nós somos reformadores e que, quando se estabelecerem as medidas e práticas que sugerirmos, a igreja não terá mais a necessidade de reforma.
Quando entendemos as coisas assim e falamos assim, não há de nos surpreender o fato de que surja uma forte resistência contra o que dizemos. A impressão que dá é que estamos dizendo às demais pessoas: “A igreja de vocês está corrompida, e nós somos os que podem ajudá-los a reformá-la”. Então, nos apresentamos como se soubéssemos, melhor que ninguém, do que a igreja necessita hoje e como mudá-la.
Ecclesia reformata semper reformanda secundum Verbum Dei
Mas não. Se a igreja está necessitando de uma reforma, isto se deve ao fato de que, por sua própria natureza, tem de estar sempre em processo de reforma. Há uma máxima famosa que se emprega frequentemente entre os teólogos reformados: Ecclesia reformata semper reformanda secundum Verbum Dei – uma igreja reformada sempre em processo de reforma segundo a Palavra de Deus.
A primeira coisa que temos de dizer é que toda reforma acontece por obra do Espírito Santo, e os chamados reformadores não são outra coisa senão instrumentos imperfeitos que esse Espírito emprega para seus divinos propósitos.
A segunda coisa, no mínimo tão importante quanto a primeira, é que a necessidade de uma reforma nem sempre é sinal de corrupção nem de erro, mas de obediência e bênção de Deus.
E a terceira coisa – talvez a mais surpreendente – é que os próprios reformadores, mesmo em meio ao processo reformador e depois de obter sucesso, sempre diriam que a igreja está necessitando de reforma. Para Lutero, isto é simplesmente reflexo da condição humana e do fato de que cada um de nós, como ele diz, “é, ao mesmo tempo, justo e pecador”. Os reformadores repetidamente se confessariam pecadores em constante necessidade da graça de Deus. Os reformadores nunca se consideraram santos porque suas atitudes e ações foram particularmente puras ou pias, mas porque sabiam que haviam sido reivindicados e justificados, mesmo em meio à sua pecaminosidade, pela graça de Deus. O que torna justo o pecador não é sua própria justiça, mas a graça de Deus, que declara justo e justifica quem ainda é pecador.
Se isso é certo em relação aos crentes individuais, também o é em relação à igreja. Da mesma maneira que não se é santo por ser mais puro, tampouco a santidade da igreja se origina em sua pureza. Certamente, os crentes hão de fazer tudo quanto estiver ao seu alcance para serem puros e obedientes à vontade de Deus, e assim aptos como membros do Corpo de Cristo. De igual maneira, a igreja há de fazer tudo quanto estiver ao seu alcance para ser pura e obediente à vontade de Deus. Mas tais esforços não são a verdadeira razão pela qual nós, os crentes, podemos nos chamar de santos, nem a verdadeira razão pela qual a igreja é santa. O cristão não é santo porque suas ações são boas, mas porque foi reivindicado pelo Senhor Altíssimo. A igreja não é santa pela pureza dos seus membros. A igreja é santa por causa da santidade do seu cabeça.
Na vida do crente individual, isto requer uma constante e renovada confissão de pecado. De maneira paralela, assim como um crente confessa repetidamente seu pecado em meio ao seu caminho de santificação, assim também a igreja está em constante necessidade de reforma em meio ao seu caminho rumo ao dia glorioso da consumação final.
Se o princípio de que a igreja há de ser reformata semper reformanda é certo, a necessidade de reforma da igreja é uma realidade tão cotidiana e tão constante quanto a necessidade de confissão de pecado e de correção de vida para cada crente. E não se pode ser verdadeiro crente sem buscar constantemente a reforma, não só pessoal, mas também da igreja.
Nota: Texto publicado originalmente na edição 368 da revista Ultimato.
• Justo González é bacharel em teologia pelo Seminário Evangélico de Matanzas, em Cuba, e doutor em filosofia pela Universidade de Yale, Estados Unidos. É casado com a professora de história Catherine Gunsalus González e mora em Atlanta, GA, onde se dedica ao ensino, à pesquisa e à produção de livros.
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Uma restauração da fé aqui e ali pode ser a ponta de algo maravilhoso que Deus irá realizar no país
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Quando falamos sobre a Reforma Protestante do século 16, costumamos começar falando de toda a corrupção que existia antes dessa Reforma. Falamos da prática de comprar e vender cargos eclesiásticos. Falamos do pluralismo e do absentismo. Falamos de crianças de 10 ou 12 anos que se tornavam bispos e até arcebispos. Falamos de um descuido com os estudos bíblicos. Falamos de práticas e superstições que era necessário suprimir. Falamos de um papado corrompido e mais interessado na política italiana que em suas obrigações pastorais.
Então, em contraste com toda essa corrupção, falamos sobre personagens como Martinho Lutero, João Calvino e muitos outros, que se dedicaram assiduamente à reforma da igreja.
Desse modo, somos levados a entender que a reforma da igreja acontece quando, no meio de uma igreja corrompida, tanto em suas práticas quanto em sua doutrina, surgem aqueles que se veem com a necessidade de protestar contra tal corrupção.
Porém, ao falar da Reforma como resultado disso, esquecemo-nos de que a verdadeira causa de toda boa reforma dentro da igreja não é a corrupção existente, tampouco o zelo e a devoção dos reformadores. A verdadeira causa de toda boa reforma dentro da igreja é a obra do Espírito Santo. E o Espírito Santo reforma a igreja não somente porque ela está corrompida ou equivocada, mas porque a reforma é um elemento essencial dentro da vida da igreja.
Isto se deve a duas razões. A primeira delas tem a ver com o caráter da igreja como povo sacerdotal e missionário. O contexto no qual a igreja dá seu testemunho e cumpre sua missão deve afetar o modo como a igreja atua, se organiza e entende a si mesma. Uma igreja que foi pertinente há cem anos pode muito bem sê-lo hoje. E, nesse caso, necessita de reforma, não porque haja nela pecados egrégios, mas simplesmente porque, como povo sacerdotal e missionário, tem de se relacionar com as circunstâncias em que vive.
Santos pelo que o Espírito Santo faz em nós
A segunda razão pela qual a reforma da igreja é necessária é melhor entendida se a relacionarmos com o que Lutero e outros reformadores diziam, no sentido de que todo crente “é, ao mesmo tempo, justo e pecador”. A justiça do pecador não está em que ele deixe de pecar, mas na graça de Jesus Cristo, que o declara justo. Naturalmente, isto não quer dizer que tal crente deva, então, se desentender da vontade divina e se entregar ao pecado, mas que há uma diferença importante entre a santidade e a pureza de vida. Somos santos não porque somos bons, mas porque Deus é bom. Somos santos não pelo que fazemos, mas pelo que o Espírito Santo faz em nós. Há uma diferença entre a santidade e a pureza. Somos santos não porque somos puros, mas porque buscamos ser puros.
O que é certo em relação aos cristãos individuais também o é em relação à igreja. A santidade é, certamente, marca essencial da igreja, e falar de uma igreja que não seja santa é uma contradição. No entanto, essa santidade não depende da pureza da igreja, mas se deve ao fato de que seu cabeça é santo.
É precisamente porque o cabeça da igreja é santo e porque estamos unidos a ele que acontece nos crentes o processo de santificação. Se tal processo não existe, isto pode ser sintoma de que não se está verdadeiramente unido ao cabeça da igreja. O que acontece é que nós, os crentes, que nos tornamos santos em virtude da nossa união com Jesus Cristo, ainda temos que ser santificados, ou seja, tornados aptos a pertencer a este santo corpo que é a igreja.
Ao mesmo tempo em que ser santo não é o mesmo que ser puro, a santidade implica um processo de santificação. E isto é certo em relação aos crentes individuais e também em relação à igreja como um corpo.
>>> A Reforma - O que você precisa saber e por quê <<<
Quando falamos de uma reforma da igreja na América Latina, isto é de suma importância. Se não levarmos isto em conta, corremos o risco de começar discutindo todas as coisas que estão mal dentro da nossa igreja. Certamente há práticas, pregações e ideias em nossas igrejas que deixam a desejar. Entretanto, se, ao falarmos de uma reforma da igreja na América Latina, começarmos nos referindo a essas práticas, poderemos cair no perigo de pensar que, se a igreja necessita de reforma, é porque está corrompida; que nós somos reformadores e que, quando se estabelecerem as medidas e práticas que sugerirmos, a igreja não terá mais a necessidade de reforma.
Quando entendemos as coisas assim e falamos assim, não há de nos surpreender o fato de que surja uma forte resistência contra o que dizemos. A impressão que dá é que estamos dizendo às demais pessoas: “A igreja de vocês está corrompida, e nós somos os que podem ajudá-los a reformá-la”. Então, nos apresentamos como se soubéssemos, melhor que ninguém, do que a igreja necessita hoje e como mudá-la.
Ecclesia reformata semper reformanda secundum Verbum Dei
Mas não. Se a igreja está necessitando de uma reforma, isto se deve ao fato de que, por sua própria natureza, tem de estar sempre em processo de reforma. Há uma máxima famosa que se emprega frequentemente entre os teólogos reformados: Ecclesia reformata semper reformanda secundum Verbum Dei – uma igreja reformada sempre em processo de reforma segundo a Palavra de Deus.
A primeira coisa que temos de dizer é que toda reforma acontece por obra do Espírito Santo, e os chamados reformadores não são outra coisa senão instrumentos imperfeitos que esse Espírito emprega para seus divinos propósitos.
A segunda coisa, no mínimo tão importante quanto a primeira, é que a necessidade de uma reforma nem sempre é sinal de corrupção nem de erro, mas de obediência e bênção de Deus.
E a terceira coisa – talvez a mais surpreendente – é que os próprios reformadores, mesmo em meio ao processo reformador e depois de obter sucesso, sempre diriam que a igreja está necessitando de reforma. Para Lutero, isto é simplesmente reflexo da condição humana e do fato de que cada um de nós, como ele diz, “é, ao mesmo tempo, justo e pecador”. Os reformadores repetidamente se confessariam pecadores em constante necessidade da graça de Deus. Os reformadores nunca se consideraram santos porque suas atitudes e ações foram particularmente puras ou pias, mas porque sabiam que haviam sido reivindicados e justificados, mesmo em meio à sua pecaminosidade, pela graça de Deus. O que torna justo o pecador não é sua própria justiça, mas a graça de Deus, que declara justo e justifica quem ainda é pecador.
Se isso é certo em relação aos crentes individuais, também o é em relação à igreja. Da mesma maneira que não se é santo por ser mais puro, tampouco a santidade da igreja se origina em sua pureza. Certamente, os crentes hão de fazer tudo quanto estiver ao seu alcance para serem puros e obedientes à vontade de Deus, e assim aptos como membros do Corpo de Cristo. De igual maneira, a igreja há de fazer tudo quanto estiver ao seu alcance para ser pura e obediente à vontade de Deus. Mas tais esforços não são a verdadeira razão pela qual nós, os crentes, podemos nos chamar de santos, nem a verdadeira razão pela qual a igreja é santa. O cristão não é santo porque suas ações são boas, mas porque foi reivindicado pelo Senhor Altíssimo. A igreja não é santa pela pureza dos seus membros. A igreja é santa por causa da santidade do seu cabeça.
Na vida do crente individual, isto requer uma constante e renovada confissão de pecado. De maneira paralela, assim como um crente confessa repetidamente seu pecado em meio ao seu caminho de santificação, assim também a igreja está em constante necessidade de reforma em meio ao seu caminho rumo ao dia glorioso da consumação final.
Se o princípio de que a igreja há de ser reformata semper reformanda é certo, a necessidade de reforma da igreja é uma realidade tão cotidiana e tão constante quanto a necessidade de confissão de pecado e de correção de vida para cada crente. E não se pode ser verdadeiro crente sem buscar constantemente a reforma, não só pessoal, mas também da igreja.
Nota: Texto publicado originalmente na edição 368 da revista Ultimato.
• Justo González é bacharel em teologia pelo Seminário Evangélico de Matanzas, em Cuba, e doutor em filosofia pela Universidade de Yale, Estados Unidos. É casado com a professora de história Catherine Gunsalus González e mora em Atlanta, GA, onde se dedica ao ensino, à pesquisa e à produção de livros.
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