Opinião
- 10 de setembro de 2021
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A Bíblia... sempre a Bíblia – o livro que me entende
Por Valdir Steuernagel
Voltar-nos para a Bíblia, entrar nela e deixá-la entrar em nós é sempre um exercício fascinante e revelador de sentido e esperança. O fato de que esse livro, composto de tantos livros com diferentes enfoques, narrativas, estilos e entonações, tenha atravessado o tempo e a história sempre aponta para esse fascínio. Um fascínio que conversa com a busca humana por sentido e por esperança.
A experiência de Émile Cailliet com a Bíblia aponta nessa direção. Nascido na França em 1894, aos 20 anos de idade os seus estudos foram interrompidos pela Primeira Guerra Mundial, quando foi ferido no campo de batalha. Depois disso, voltou aos livros e seguiu uma brilhante carreira acadêmica, à qual deu continuidade nos Estados Unidos como professor de literatura francesa e, por fim, de filosofia cristã, no Princeton Theological Seminary. Tendo recebido uma educação “fortemente naturalista”, como ele a descreve, Cailliet não tinha tido contato algum com a fé cristã antes de casar-se com uma jovem “profundamente evangélica”, em meio ao longo período de nove meses no hospital onde se recuperava do ferimento de guerra. Ali ele deixou bem claro que na casa deles “religião seria um tabu”.
A história tem mais detalhes do que podem ser aqui retratados. Mas, quando voltou ao universo acadêmico, Émile se viu envolto por um profundo anseio por significado, a ponto de produzir um manuscrito pessoal no qual registrava citações e conceitos que pudessem representar uma resposta para esse seu insaciável anseio. Esse seria, como ele disse, “um livro que me entenderia”. É melhor deixá-lo contar como isso aconteceu:
“Chegou o dia de dar o toque final no ‘livro que me entenderia’, que falaria de mim e da minha condição e me ajudaria a enfrentar os acontecimentos da vida. O dia estava lindo e ensolarado. Saí, sentei-me debaixo de uma árvore e abri minha preciosa antologia. À medida que eu lia, no entanto, um desapontamento crescente foi tomando conta de mim. Em vez de falar sobre a minha condição, as várias passagens me lembravam do seu contexto, das circunstâncias que envolveram o meu trabalho ao selecioná-las. Então eu vi que todo aquele empreendimento não daria certo, simplesmente porque era de minha autoria. Não tinha força de persuasão. Desanimado, coloquei o livrinho de volta no meu bolso. Justo naquele momento, minha esposa – que, aliás, nada sabia do projeto em que eu vinha trabalhando – apareceu no portão do jardim, empurrando o carrinho do bebê.”
Sem nada saber do que estava acontecendo com o seu esposo e sem que ele soubesse nada do que acabara de se passar com ela (uma história intrigante que não dá para contar aqui), ela falou, meio se desculpando, que havia conseguido uma Bíblia.
“‘Uma Bíblia, você disse? Onde está? Me mostre! Eu nunca vi uma Bíblia!’ Ela acedeu e eu literalmente agarrei o livro e corri com ele para o meu estúdio. Abri ‘ao acaso’ e caí nas bem-aventuranças! Eu li, e li, e li... agora em voz alta, com um calor indescritível surgindo dentro de mim. Não conseguia encontrar palavras para expressar minha estupefação e surpresa. E de repente me dei conta: este era o livro que me entenderia! Continuei a ler noite adentro, principalmente os Evangelhos. E eis que, ao olhar através deles, aquele de quem falavam, aquele que falava e agia neles, tornou-se vivo para mim. As circunstâncias providenciais em que o livro me encontrou deixavam claro que, embora parecesse absurdo falar de um livro compreendendo um homem, isso poderia ser dito acerca da Bíblia, pois suas páginas ganhavam vida pela presença do Deus vivo e dos seus atos poderosos. A este Deus eu orei naquela noite, e o Deus que me respondeu foi o mesmo Deus de quem o livro falava.”1
A experiência de Émile Cailliet com o Deus que fala por meio das Escrituras, e o faz de forma tocante e transformadora, é uma experiência que se repete, ainda que com outros contornos, sabores e temperos. Vale registrar que somos mais propensos a ser encontrados por esse “livro que nos entende” quando estamos confusos, em crise e com medo, como agora, nestes tempos de pandemia.
A pandemia e o seu “pós” é um momento fértil para dizermos: “Uma Bíblia, você disse?”, e assim nos abrirmos para uma conversa com o Deus que se revela nas Escrituras; nos abrirmos para uma conversa na qual desistimos das nossas “certezas” anteriores e escutamos uma palavra nova que aponta para um significado e uma esperança que estão além de nós mesmos e nos alcançam com a força, a clareza e a amabilidade do eterno.
Precisamos voltar a nos abrir para esse livro e deixar que as suas narrativas, versos e orações nos levem ao encontro com a esperança e com o outro, um encontro tão necessário neste tempo de tantas perdas e tantos desencontros. Tenho saudade de uma igreja assim. Uma igreja que abra “o livro que nos entende” e, através deste, nos leve a escutar e deixar-nos abraçar pelo Deus que nos ama. Uma igreja que abra o livro que nos envia ao outro como sinal da reconciliação, da paz e da justiça que marcam o caráter do próprio Deus. Uma igreja que se torne o livro aberto de Deus para uma sociedade que precisa saber que Deus nos entende.
Nota
1. Relato do autor publicado no Eternity Magazine, em julho de 1974. Tradução minha.
Publicado originalmente na edição 391 (setembro/outubro de 2021) de Ultimato.
• Valdir Steuernagel é pastor luterano e integrante da Aliança Cristã Evangélica Brasileira e da Visão Mundial. @silva.steuernagel.
Leia mais:
» E-book “Conversando sobre a Bíblia”
Voltar-nos para a Bíblia, entrar nela e deixá-la entrar em nós é sempre um exercício fascinante e revelador de sentido e esperança. O fato de que esse livro, composto de tantos livros com diferentes enfoques, narrativas, estilos e entonações, tenha atravessado o tempo e a história sempre aponta para esse fascínio. Um fascínio que conversa com a busca humana por sentido e por esperança.
A experiência de Émile Cailliet com a Bíblia aponta nessa direção. Nascido na França em 1894, aos 20 anos de idade os seus estudos foram interrompidos pela Primeira Guerra Mundial, quando foi ferido no campo de batalha. Depois disso, voltou aos livros e seguiu uma brilhante carreira acadêmica, à qual deu continuidade nos Estados Unidos como professor de literatura francesa e, por fim, de filosofia cristã, no Princeton Theological Seminary. Tendo recebido uma educação “fortemente naturalista”, como ele a descreve, Cailliet não tinha tido contato algum com a fé cristã antes de casar-se com uma jovem “profundamente evangélica”, em meio ao longo período de nove meses no hospital onde se recuperava do ferimento de guerra. Ali ele deixou bem claro que na casa deles “religião seria um tabu”.
A história tem mais detalhes do que podem ser aqui retratados. Mas, quando voltou ao universo acadêmico, Émile se viu envolto por um profundo anseio por significado, a ponto de produzir um manuscrito pessoal no qual registrava citações e conceitos que pudessem representar uma resposta para esse seu insaciável anseio. Esse seria, como ele disse, “um livro que me entenderia”. É melhor deixá-lo contar como isso aconteceu:
“Chegou o dia de dar o toque final no ‘livro que me entenderia’, que falaria de mim e da minha condição e me ajudaria a enfrentar os acontecimentos da vida. O dia estava lindo e ensolarado. Saí, sentei-me debaixo de uma árvore e abri minha preciosa antologia. À medida que eu lia, no entanto, um desapontamento crescente foi tomando conta de mim. Em vez de falar sobre a minha condição, as várias passagens me lembravam do seu contexto, das circunstâncias que envolveram o meu trabalho ao selecioná-las. Então eu vi que todo aquele empreendimento não daria certo, simplesmente porque era de minha autoria. Não tinha força de persuasão. Desanimado, coloquei o livrinho de volta no meu bolso. Justo naquele momento, minha esposa – que, aliás, nada sabia do projeto em que eu vinha trabalhando – apareceu no portão do jardim, empurrando o carrinho do bebê.”
Sem nada saber do que estava acontecendo com o seu esposo e sem que ele soubesse nada do que acabara de se passar com ela (uma história intrigante que não dá para contar aqui), ela falou, meio se desculpando, que havia conseguido uma Bíblia.
“‘Uma Bíblia, você disse? Onde está? Me mostre! Eu nunca vi uma Bíblia!’ Ela acedeu e eu literalmente agarrei o livro e corri com ele para o meu estúdio. Abri ‘ao acaso’ e caí nas bem-aventuranças! Eu li, e li, e li... agora em voz alta, com um calor indescritível surgindo dentro de mim. Não conseguia encontrar palavras para expressar minha estupefação e surpresa. E de repente me dei conta: este era o livro que me entenderia! Continuei a ler noite adentro, principalmente os Evangelhos. E eis que, ao olhar através deles, aquele de quem falavam, aquele que falava e agia neles, tornou-se vivo para mim. As circunstâncias providenciais em que o livro me encontrou deixavam claro que, embora parecesse absurdo falar de um livro compreendendo um homem, isso poderia ser dito acerca da Bíblia, pois suas páginas ganhavam vida pela presença do Deus vivo e dos seus atos poderosos. A este Deus eu orei naquela noite, e o Deus que me respondeu foi o mesmo Deus de quem o livro falava.”1
A experiência de Émile Cailliet com o Deus que fala por meio das Escrituras, e o faz de forma tocante e transformadora, é uma experiência que se repete, ainda que com outros contornos, sabores e temperos. Vale registrar que somos mais propensos a ser encontrados por esse “livro que nos entende” quando estamos confusos, em crise e com medo, como agora, nestes tempos de pandemia.
A pandemia e o seu “pós” é um momento fértil para dizermos: “Uma Bíblia, você disse?”, e assim nos abrirmos para uma conversa com o Deus que se revela nas Escrituras; nos abrirmos para uma conversa na qual desistimos das nossas “certezas” anteriores e escutamos uma palavra nova que aponta para um significado e uma esperança que estão além de nós mesmos e nos alcançam com a força, a clareza e a amabilidade do eterno.
Precisamos voltar a nos abrir para esse livro e deixar que as suas narrativas, versos e orações nos levem ao encontro com a esperança e com o outro, um encontro tão necessário neste tempo de tantas perdas e tantos desencontros. Tenho saudade de uma igreja assim. Uma igreja que abra “o livro que nos entende” e, através deste, nos leve a escutar e deixar-nos abraçar pelo Deus que nos ama. Uma igreja que abra o livro que nos envia ao outro como sinal da reconciliação, da paz e da justiça que marcam o caráter do próprio Deus. Uma igreja que se torne o livro aberto de Deus para uma sociedade que precisa saber que Deus nos entende.
Nota
1. Relato do autor publicado no Eternity Magazine, em julho de 1974. Tradução minha.
Publicado originalmente na edição 391 (setembro/outubro de 2021) de Ultimato.
• Valdir Steuernagel é pastor luterano e integrante da Aliança Cristã Evangélica Brasileira e da Visão Mundial. @silva.steuernagel.
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