Opinião
- 22 de junho de 2021
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A arte que não imita a vida
Por Amanda Almeida
As complexidades da vida real vêm à tona nas histórias que contamos sobre sermos cristãos neste mundo?
Não sei se é assim para todo mundo, mas algo que me incomoda bastante é o fato de que muitas das histórias cristãs nos filmes e livros não soam tão reais assim.
Parece real que Edmundo se deixasse levar em troca de uma porção de manjar turco em As Crônicas de Nárnia. Parece bem real que Franz, um cristão que viveu na época da Segunda Guerra, fosse até as últimas consequências por não concordar em jurar lealdade a Hitler em Uma Vida Oculta. E parece mais crível que seja assim em contos infantis ou de fantasia, e em cenários baseados em fatos reais nos quais a fé é colocada à prova em situações drásticas. Mas, e no dia a dia? E ao viver a vida comum, sem guerras, sem reinos encantados?
Muitas das histórias ficcionais centradas em personagens ou em valores cristãos costumam ser aspiracionais. Levam-nos a pensar: “Eu queria ter a firmeza na oração que essa mulher tem”; “seria maravilhoso se eu conseguisse ter o mesmo compromisso que esse homem tem”. É raro que gerem em nós uma identificação como: “É assim mesmo que acontece comigo”; “eu também iria por esse caminho antes de finalmente deixar nas mãos de Deus”.
Outro dia comecei a ler um romance que figura na lista de mais vendidos, Teto para Dois. Nele, um enfermeiro precisa conseguir mais dinheiro para bancar um advogado para seu irmão que está na prisão, e decide alugar seu apartamento durante as noites e finais de semana, enquanto está no trabalho. E uma editora, que não ganha lá muito bem, precisa encontrar um lugar às pressas, já que o ex, com quem morava, está noivo de outra. E é assim que esses dois acabam dividindo a mesma cama, em horários diferentes, sem nunca terem se visto. Ainda não engatei na leitura, mas entendo o motivo para ter virado best-seller. Soa real no nosso mundo de hoje, algo que poderia acontecer com alguém que conhecemos.
Uma autora que conheço, cuja mãe é deficiente visual, estava comentando dia desses que já tinha lido alguns livros nos quais a personagem principal era filha de uma pessoa com deficiência, mas que na leitura atual era a primeira vez em que aquilo parecia real. Sem pintar a filha como uma heroína que se abnega para cuidar da mãe, e a mãe como alguém que tenta sempre se superar apesar das limitações. Na vida real, há mais complexidade do que isso.
Interessante é que a Bíblia não foge das complexidades. Não esconde o lado imperfeito das coisas. Não usa uma situação apenas como artifício para mostrar um argumento. Nela, vemos seres humanos como realmente são. Como somos. Egoístas, mesquinhos, invejosos, capazes de infligir o mal a outros. Mas, pela graça de Deus, também capazes de nos arrependermos, de mostrar misericórdia, de abandonar nossas próprias vontades por um bem maior.
Certa vez, enquanto lavava louças, ouvi de uma moça que “nossos sentimentos são reais, mas podem não ser verdadeiros”. Quando estamos ansiosos, amedrontados, com ciúmes e por aí vai, esses sentimentos existem em nosso coração, são reais. Mas podem não ser verdadeiros. Pode ser que sejam enganosos. Que, ao olhar para o que é verdade, vejamos que não temos motivos para temer. Mas, ainda assim, o temor existe.
Espero que, cada vez mais, as complexidades da vida real venham à tona nas histórias que contamos sobre sermos cristãos neste mundo, apontando para a Verdade. Da minha parte, é isso que estou tentando fazer.
• Amanda Almeida, 27. Trabalha com palavras todos os dias, e agora também quer escrever histórias ficcionais que soem reais. Mora em Belo Horizonte com seu marido e congrega na Lagoinha Mineirão. @amandaeafins.
Leia mais
» Histórias que não gostamos de ouvir
» Por que amamos histórias comuns? This is Us e o nosso apreço por espetáculos cotidianos
As complexidades da vida real vêm à tona nas histórias que contamos sobre sermos cristãos neste mundo?
Não sei se é assim para todo mundo, mas algo que me incomoda bastante é o fato de que muitas das histórias cristãs nos filmes e livros não soam tão reais assim.
Parece real que Edmundo se deixasse levar em troca de uma porção de manjar turco em As Crônicas de Nárnia. Parece bem real que Franz, um cristão que viveu na época da Segunda Guerra, fosse até as últimas consequências por não concordar em jurar lealdade a Hitler em Uma Vida Oculta. E parece mais crível que seja assim em contos infantis ou de fantasia, e em cenários baseados em fatos reais nos quais a fé é colocada à prova em situações drásticas. Mas, e no dia a dia? E ao viver a vida comum, sem guerras, sem reinos encantados?
Muitas das histórias ficcionais centradas em personagens ou em valores cristãos costumam ser aspiracionais. Levam-nos a pensar: “Eu queria ter a firmeza na oração que essa mulher tem”; “seria maravilhoso se eu conseguisse ter o mesmo compromisso que esse homem tem”. É raro que gerem em nós uma identificação como: “É assim mesmo que acontece comigo”; “eu também iria por esse caminho antes de finalmente deixar nas mãos de Deus”.
Outro dia comecei a ler um romance que figura na lista de mais vendidos, Teto para Dois. Nele, um enfermeiro precisa conseguir mais dinheiro para bancar um advogado para seu irmão que está na prisão, e decide alugar seu apartamento durante as noites e finais de semana, enquanto está no trabalho. E uma editora, que não ganha lá muito bem, precisa encontrar um lugar às pressas, já que o ex, com quem morava, está noivo de outra. E é assim que esses dois acabam dividindo a mesma cama, em horários diferentes, sem nunca terem se visto. Ainda não engatei na leitura, mas entendo o motivo para ter virado best-seller. Soa real no nosso mundo de hoje, algo que poderia acontecer com alguém que conhecemos.
Uma autora que conheço, cuja mãe é deficiente visual, estava comentando dia desses que já tinha lido alguns livros nos quais a personagem principal era filha de uma pessoa com deficiência, mas que na leitura atual era a primeira vez em que aquilo parecia real. Sem pintar a filha como uma heroína que se abnega para cuidar da mãe, e a mãe como alguém que tenta sempre se superar apesar das limitações. Na vida real, há mais complexidade do que isso.
Interessante é que a Bíblia não foge das complexidades. Não esconde o lado imperfeito das coisas. Não usa uma situação apenas como artifício para mostrar um argumento. Nela, vemos seres humanos como realmente são. Como somos. Egoístas, mesquinhos, invejosos, capazes de infligir o mal a outros. Mas, pela graça de Deus, também capazes de nos arrependermos, de mostrar misericórdia, de abandonar nossas próprias vontades por um bem maior.
Certa vez, enquanto lavava louças, ouvi de uma moça que “nossos sentimentos são reais, mas podem não ser verdadeiros”. Quando estamos ansiosos, amedrontados, com ciúmes e por aí vai, esses sentimentos existem em nosso coração, são reais. Mas podem não ser verdadeiros. Pode ser que sejam enganosos. Que, ao olhar para o que é verdade, vejamos que não temos motivos para temer. Mas, ainda assim, o temor existe.
Espero que, cada vez mais, as complexidades da vida real venham à tona nas histórias que contamos sobre sermos cristãos neste mundo, apontando para a Verdade. Da minha parte, é isso que estou tentando fazer.
• Amanda Almeida, 27. Trabalha com palavras todos os dias, e agora também quer escrever histórias ficcionais que soem reais. Mora em Belo Horizonte com seu marido e congrega na Lagoinha Mineirão. @amandaeafins.
> Artigo publicado originalmente na edição 388 da revista Ultimato.
>> Conheça o livro A Espiritualidade na Prática, de R. Paul Stevens
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