Opinião
- 30 de outubro de 2012
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495 anos de Reforma Protestante
Amanhã, 31 de outubro, comemoram-se muitas coisas: no Brasil é o “Dia D”, mas este não tem nada a ver com 6 de junho de 1944, quando os aliados desembarcaram na Normandia, o que efetivamente provocou o início do fim da Segunda Guerra Mundial. O nosso “Dia D” é o Dia Drummond, em homenagem a Carlos Drummond de Andrade, talvez o mais famoso poeta brasileiro, que nasceu neste dia em 1902. Homenagem justa e merecida. 31 de outubro é nos países de cultura anglo-saxã o famigerado Halloween, o "Dia das Bruxas", fortemente detestado pelos evangélicos, pelo menos no Brasil. Mas não só os brasileiros evangélicos detestam o Halloween. Outro grupo de brasileiros detesta esta comemoração com tanta veemência quanto os evangélicos, se bem que por motivos diferentes. Considerando que este não é um costume de tradição, pelo menos ibérica, alguns nacionalistas, decerto influenciados por Monteiro Lobato, resolveram criar no Brasil o “Dia do Saci-Pererê” para ser comemorado no mesmo 31 de outubro...
Mas, o objetivo desta breve reflexão é focalizar outra data: a Reforma Protestante do século 16. É de conhecimento de boa parte dos evangélicos a história de como Martim Lutero iniciou um movimento que teria repercussões em, literalmente, todas as áreas da sociedade europeia, influente não apenas em questões de natureza religiosa. "São conhecidos os lemas da Reforma: Sola Scriptura, Sola Gratia, Sola Fide e Solo Christo (ou Solus Christus)”, respectivamente, "Somente a Escritura", "Somente a Graça", "Somente a Fé" e "Somente Cristo". No contexto original, estes lemas têm a ver com a soteriologia, o estudo da salvação, que acontece não por mérito ou esforço humano. Por isso temos Sola Gratia, as orientações seguras para obter a salvação não são encontradas na tradição, mas nas Escrituras. Sola Scriptura, pois a salvação é obtida pela fé, não comprada. Sola Fide, não realizada por ninguém, a não ser por Cristo. E, por fim, Solo Christo. O programa da Reforma mudou a vida de nações e de pessoas, e se espalhou de seu berço no norte da Europa para literalmente todo o globo.
Quase cinco séculos depois o Brasil apresenta uma das maiores populações evangélicas do mundo. Não obstante, a Reforma apresenta desafios tremendos para esta população. Por um lado, muitos evangélicos a desconhecem por completo. Esta frase pode parecer exagerada para alguns leitores. Mas, infelizmente, a verdade é que muitas igrejas e muitos líderes evangélicos neste país jamais ouviram falar de Lutero ou de Calvino e não sabem o que significa ser protestante. Muitos confundem ser protestante com ser evangélico (não se trata exatamente de trocar seis por meia dúzia). Trocam a liberdade descoberta e divulgada por Lutero por uma escravidão em muitos sentidos. Muitos promovem uma revitalização da superstição religiosa medieval e trazem de volta tudo que os protestantes se esforçaram tanto para libertar.
Outro desafio está no lado daqueles que conhecem, mas praticam inconscientemente (pelo menos, penso que não há consciência disto) uma idolatria à história da Reforma. Neste caso, a abordagem à Reforma é sempre ingênua, romântica e idealizada. É triste perceber como, faço questão de repetir, consciente ou inconscientemente, muitos que se pretendem herdeiros da Reforma no Brasil são soberbos, arrogantes, orgulhosos, empafiosos, considerando-se melhores que os cristãos de outras tradições. Para estas pessoas os reformadores são vistos não como seres humanos de carne e osso, mas como semideuses ou coisa parecida. Vá a alguém em um ambiente destes, por exemplo, falar de algum problema pessoal de João Calvino para ver o que acontece... Nestes círculos a tendência é jamais submeter qualquer texto dos reformadores a um exame crítico ou a um esforço de contextualização da mensagem da Reforma para a realidade nacional. Neste sentido, vive-se um fundamentalismo travestido de protestantismo. Idealiza-se uma mensagem do passado, que se transforma em objeto de culto. Os reformadores seriam os primeiros a protestar contra esta situação.
Ainda há muito que estudar e conhecer quanto à Reforma no Brasil. Muitos em nossa pátria pensam até hoje que a Reforma se limita a Lutero e a Calvino. Há uma riqueza muito grande em textos de outros reformadores que para nós continuam como "ilustres desconhecidos". Praticamente nada se sabe no Brasil sobre Heinrich Bullinger, Martin Bucer, Johannes Oecalampadius, Pietro Martire Vermigle e vários outros.
Graças sejam dadas a Deus pela Reforma. E que o Brasil, que desponta como potência emergente em vários sentidos, e, tal como já afirmado com uma população evangélica crescente, possa apresentar ao mundo o verdadeiro sentido da Reforma. Não suas deturpações, como desafortunadamente acontece com frequência.
É professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC Minas, onde coordena o GPRA – Grupo de Pesquisa Religião e Arte.
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