Opinião
- 19 de março de 2021
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12 discípulos, “discípulas” e “apóstolas” ao lado do Mestre
Por Lidice Meyer P. Ribeiro
Numa época em que temos discutido muito sobre o papel da mulher na igreja, é mais que necessário revisitar as Escrituras com um olhar isento de pré-julgamentos. É inegável que Jesus escolheu doze discípulos homens, mas os evangelistas destacam a grande quantidade de mulheres que O seguiam como discípulas informais do Mestre (Lc 8.1-3, 23.49; Jo 19.25). No judaísmo a posição corporal característica de um discípulo é assentar-se aos pés de seu mestre enquanto este ensina (At 22.3). Curiosamente, os evangelhos só se referem a mulheres assumindo esta posição junto a Cristo (Lc 10.39-42). O discipulado também implica em uma relação de proximidade entre mestre e discípulo, intimidade, cumplicidade até. E mais uma vez são as mulheres que têm a coragem e a audácia de acompanhar Jesus desde a Galiléia até a cruz (Mt 27.55-56). Os ensinamentos mais difíceis dos Evangelhos foram direcionados às mulheres. Logo a elas, que segundo a Torá não possuíam inteligência suficiente para compreender o ensino da Lei de Moisés! À mulher Samaritana foi confiado o ensino sobre a “Água da Vida” e sobre a adoração “em espírito e em verdade” (Jo 4), e foi a Maria e Marta que Jesus ensinou sobre Ele ser a “Ressurreição e a Vida” (Jo 11).
Também foi dentre as discípulas que Cristo chamou apóstolas. O apóstolo é um enviado, um portador de uma mensagem de um líder a quem segue. E, se sentado é a posição de um discípulo, a do apóstolo é estar levantado. Assim foi que o Cristo ressurreto se dirigiu às mulheres que o adoravam aos seus pés: após levantá-las (fisicamente, espiritualmente e emocionalmente) as enviou para testemunhar sobre a Boa Nova da ressurreição (Mt.27.9-10). Mulheres, cujo testemunho nada valia nos tribunais judaicos, mas que foram enviadas por Jesus como primeiras testemunhas da Igreja nascente.
Enquanto os discípulos são duramente criticados por sua pouca fé (Mt 6.30, 8.26, 14.31, 17.20) mulheres anônimas são lembradas nos Evangelhos pela admiração de Jesus por sua fé (Mt 9.22, 15.28, Mc 12.42-44, Mc 14.3-9). “Onde for pregado em todo o mundo este evangelho, será também contado o que ela fez, para memória sua” (Mt 26.13). A memória de uma fé preservada nas sombras do anonimato a que tantas mulheres líderes de ontem e de hoje são colocadas em prol de um patriarcalismo extra-bíblico.
Jesus resgatou a harmonia da criação exposta em Gn 2.20 onde o termo “ezer neged” é traduzido por auxiliar semelhante. Só Deus e Eva recebem na Bíblia o termo de “ezer”. A mulher é comparável a Deus como fonte de auxílio ao homem! É por isso que Jesus se posiciona contrariamente à situação social do século I: “Não foi assim desde o princípio”. (Mt 19.4-5, 8).
O apóstolo Paulo também recupera a harmonia da criação em Gálatas 3.28: “…não pode haver…nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus”. Jesus e Paulo, apesar de viverem dentro do patriarcalismo reinante no século I, propõem um retorno ao modelo original em que a mulher e o homem gozam de oportunidades iguais sob o olhar do divino criador.
Enquanto estes textos bíblicos continuarem mal compreendidos, a totalidade e a beleza do Reino de Deus ficarão comprometidos. E, como na caverna de Platão, as sombras das mulheres da Bíblia continuarão a contar histórias de fé e a apontar teimosamente para a possibilidade de uma vida plena baseada na cooperação, respeito e honra entre homens e mulheres.
• Lidice Meyer P. Ribeiro é doutora em Antropologia e professora convidada na Universidade Lusófona, Portugal.
Foto: LUMO project | FreeBibleimages
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Lidice Meyer P. Ribeiro é doutora em Antropologia e professora na Universidade Lusófona, Portugal.
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