Opinião
30 de junho de 2022
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Świdnica e Auschwitz – Entre a paz e a guerra
Por Carlos Caldas
Nos últimos dias de maio e nos primeiros de junho de 2022, sob os auspícios da Escola de Teologia Evangélica de Wroclaw, Polônia, pude participar do meu primeiro congresso presencial desde 2020. O tema geral da conferência que tive a honra de participar foi Wrocławskie drogi do wolności – “Os caminhos de Wroclaw para a liberdade”. Antes de prosseguir, breves notas históricas: Wroclaw fica na região conhecida como Baixa Silésia. Por séculos foi uma região da Alemanha. Nos séculos em que foi uma cidade alemã, a cidade tinha o nome de Breslau (no português lusitano, “Breslávia”). Com o fim da Segunda Guerra, em 1945, a região passou a fazer da parte da Polônia, tendo então seu nome mudado para Wroclaw (pronuncia-se “vrotsuáv”). Personalidades ilustres nasceram lá quando a cidade ainda era Breslau, dentre as quais podem ser citadas o místico cristão Angelus Silesius (1624-1677), o teólogo Friedrich Schleiermacher (1768-1834), o filósofo Ernst Cassirrer (1874-1945), o sociólogo Norbert Elias (1897-1990) e, por último, mas não menos importantes, Edith Stein (1891-1942) intelectual judia convertida ao cristianismo católico, tendo sido canonizada como Santa Teresa Bendita da Cruz, e Dietrich Bonhoeffer (1906-1945), pastor luterano e teólogo, um dos mais influentes do século passado. A conferência teve como foco o pensamento destas duas últimas figuras. Foi um evento ecumênico, tendo algumas atividades na mencionada Escola de Teologia Evangélica e outras na Pontifícia Faculdade de Teologia da cidade. Além da própria Polônia, participaram pessoas provenientes dos seguintes países: Hungria, Romênia, Escócia, Estados Unidos e Brasil e, via Zoom, Alemanha, Inglaterra e Austrália.
Em minha apresentação abordei os conceitos de liberdade e responsabilidade na ética teológica de Bonhoeffer e sua aplicabilidade para o momento conturbado que estamos a enfrentar, no Brasil e no mundo. Um resumo do resumo da questão pode ser apresentado da seguinte maneira: Bonhoeffer, seguindo Lutero, entende a liberdade do cristão não como liberdade de, mas liberdade para: a pessoa cristã não é livre para viver para si, mas para o outro, o próximo. Logo, a compreensão cristã de liberdade implica automaticamente em responsabilidade, para com o “outro”, isto é, o próximo, para com a sociedade, para com o meio ambiente. A liberdade cristã não é egoísta nem egocêntrica. Antes, é solidária e comprometida com as dores do mundo que Deus amou e ama. E Cristo é o paradigma absoluto de liberdade com responsabilidade.
As apresentações foram muito ricas e densas. Algumas das “falas” foram dadas em polonês, mas deverão até o final do ano ser traduzidas para o inglês e publicadas no periódico Theologica Wratislavensia, da mencionada Escola de Teologia Evangélica de Wroclaw.
Na programação do evento constaram dois momentos absolutamente únicos, duas “excursões”, por assim dizer, e a respeito das quais vou comentar a seguir, posto que de maneira reduzida e resumida, considerando que é impossível expressar em palavras toda a intensidade emocional que foi (que é) a visita aos dois lugares e, de igual maneira, o turbilhão de pensamentos que as visitas provocam em qualquer um que tenha um mínimo de sensibilidade humana.
Primeiramente, a visita à Igreja da Paz em Świdnica (pronuncia-se “Ishvidnitsa”), uma cidade pequena que fica a mais ou menos 50 quilômetros de distância de Wroclaw. Seu templo, em estética barroca, todo construído em madeira, é o maior da Europa no gênero, e consta da lista do Patrimônio Mundial da UNESCO. A igreja é a Paróquia de Świdnica da Igreja Evangélica (Luterana) da Confissão de Augsburgo na Polônia.
E exatamente no centro do templo, no teto, uma pintura representa o mistério da Trindade. A Igreja da Paz é um verdadeiro milagre, não apenas do engenho humano, capaz de fazer o (quase) impossível, mas um milagre da graça de Deus. É, no mínimo, impressionante que, tal como anteriormente mencionado, não tenha sido destruída em nenhuma das duas guerras do século XX. A igreja funciona ininterruptamente desde sua organização em 1657. Atualmente, um culto por semana, nas manhãs de domingo. Estar na Igreja da Paz transmitiu-me sensação de paz e leveza. Foi um momento de quietude, admiração e contemplação do que Deus pode fazer meio de pessoas que se dispõem a servi-lo.
Świdnica e Auschwitz – duas obras aparentemente impossíveis, mas que foram levadas a cabo. Uma, para celebrar o fim de uma guerra. A outra, para matar inocentes. Uma glorifica a Deus pela dádiva da engenhosidade humana. A outra, revela a maldade abissal, de inspiração demoníaca, que habita o coração humano. A visita aos dois lugares é marcante, como visto, por motivos totalmente diferentes. Mas a visita a Auschwitz é um alerta, para que tal não mais aconteça. Na entrada do museu do campo há uma placa com a frase conhecida do filósofo espanhol George Santayana: “quem não recorda o passado está condenado a repeti-lo”. Como humanos, criaturas caídas, manchadas e marcadas pelo pecado, somos tentados a querer eliminar o “outro”, que é diferente de nós, aquele que está errado mesmo quando está certo, que não pertence ao nosso grupo. O “outro” é e pode ser literalmente qualquer um: o esquerdista, o fascista, o homossexual, o pentecostal, o católico, o rico, o pobre, o quilombola, o indígena, o gordo, o magro, o feio, o bonito, o sem religião, o muçulmano, o usuário de drogas, o... A lista não tem fim. Auschwitz foi uma tentativa terrível de eliminar o “outro”. Deus nos guarde de tal tentação. Que possamos seguir não o caminho de Auschwitz, mas o de Świdnica.
Saiba mais:
» Bonhoeffer para Todos, de Stephen R. Haynes
» Bonhoeffer para Todos, de Stephen R. Haynes
» A Arte e a Bíblia, de Francis Schaeffer
É professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC Minas, onde coordena o GPRA – Grupo de Pesquisa Religião e Arte.
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