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Opinião

Você se sente culpado quando descansa?

Pablo Martinez | Entrevista

Take Care of Yourself: Survive and Thrive in Christian Ministry, (“Cuide de você: sobrevivendo e florescendo no ministério cristão”, em tradução livre), o livro mais novo da Biblioteca de Lausanne, que explora como cuidar de si mesmo(a) é vital para sobreviver e florescer no ministério cristão.
 
Lausanne conversou com o autor do livro, o psiquiatra Pablo Martinez, sobre porque ele sentiu que este livro era tão necessário e o que ele quis dizer quando ele descreve o livro como um farol e um salva-vidas. O livro está disponível (também em formato eletrônico) na Livraria de Lausanne. (No momento este livro está disponível somente em inglês.)
 
O que te atraiu para falar e escrever sobre como obreiros cristãos devem cuidar de si próprios?
 
Pablo Martinez: Em meu trabalho como psiquiatra, testemunhei muitas vidas quebradas, muitos ministérios cristãos arruinados por causa de pressupostos errados – a exaustão não nos torna mais santos! – e muitas decisões erradas. É por isso que seguindo os conselhos de Lindsay Brown (ex-diretor internacional de Lausanne), decidi oferecer uma ajuda prática.
 
A intenção deste livro é ser como um farol e um salva-vidas – um farol avisa sobre os perigos e erros mais comuns que levam as pessoas que trabalham nos ministérios cristãos à exaustão, e o salva-vidas oferece ao leitor sugestões práticas para encher o tanque vazio.
 
O propósito do livro não é fazer os leitores trabalharem menos, mas sim ajudar as pessoas a descansarem mais e se renovarem de forma melhor, porque o problema está não em trabalhar muito, mas sim em não descansar e não se renovar o suficiente.
 
Quando Robert Murray McCheyne, um jovem pastor escocês, estava em seu leito de morte aos 29 anos de idade, ele se virou para um amigo e disse: “Deus me deu uma mensagem para entregar e um cavalo para cavalgar. Infelizmente matei o cavalo e agora não tenho como entregar a mensagem.” Que ilustração de uma paixão espiritual que se tornou um esgotamento.
 
As consequências de não cuidar de seu próprio vinhedo podem ser prejudiciais, até mesmo catastróficas. Elas afetam as outras pessoas também, especialmente seus queridos, e seu trabalho (1 Timóteo 5:4-8). Portanto, negligenciar a nós mesmos, está longe de ser uma atitude espiritual, e sim um erro sério ou até mesmo pecado. Paulo insistiu que Timóteo aprendesse este princípio quando ele ainda era jovem, em seus anos de aprendizado. Sua instrução “atente bem para a sua própria vida”, contém uma das chaves para o  sucesso do trabalho cristão. Repare na ordem: Primeiro a pessoa tem que estar bem, e depois vem o trabalho (ensinar). Se a pessoa não está bem, a qualidade do trabalho será afetada. Um pastor saudável provavelmente terá um ministério frutífero e saudável.
 
Esta mensagem é para todos ou você acha que os obreiros cristãos estão mais em risco?
 
Todos os líderes cristãos sofrem um pouco mais por causa do cansaço que vai além das dimensões naturais ou humanas. O nosso trabalho vai além do normal; é o trabalho de Deus e está sujeito à mesma oposição que Jesus teve que enfrentar. Fazemos o erro de ignorar a batalha espiritual na qual estamos submergidos. Existe uma dimensão sobrenatural em nossa fadiga, portanto precisamos “vigiar” (1 Pedro 5:8). É por isto que a oração é tão importante como antídoto e uma fonte de renovação interior.  Como diz E.M. Bounds, “Quando você não ora, você é presa fácil”’[1].
 
No livro você fala sobre a “síndrome do tanque vazio”. Você poderia explicar o que é isto e compartilhar algumas ideias de porque você acha tão importante que os obreiros cristãos se resguardem contra isso? 
 
Podemos comprar nossa vida com um tanque, e nossa energia como a água. Dois córregos precisam correr ao mesmo tempo. Existe a saída, a água que flui para fora. É a energia emocional e espiritual que ‘sai’ ao cumprirmos com nosso chamado. Qualquer tarefa de cuidados com os outros custa energia. Ter compaixão, empatia, como Jesus, implica em nos identificarmos com nossos vizinhos, e, portanto, doar um pouco de nós mesmo. Você não pode curar ou ajudar de forma mecânica, como se estivesse consertando um carro. A essência do cuidado é o amor e amar significa dar de si mesmo.
 
Um dos atos de cura de Jesus ilustra bem essa realidade: Alguém tocou em mim; eu sei que de mim saiu poder” (Lucas 8:46). Não existem atalhos no ministério cristão porque estamos lidando com pessoas.

Como disse Oswald Sanders: “Nenhum ato de bondade pode ser feito sem a saída de poder e o gasto de energia nervosa.” No ministério não existe “zero gasto” ou “proteção completa” dos problemas das pessoas.  Até a cura e ato de cuidar dos outros significa um despendimento de energia interior.
 
Deus usa uma ilustração semelhante à do tanque em Isaías 58. Ele compara seu povo com um jardim bem regado: “Você será como um jardim bem regado, como uma fonte cujas águas nunca faltam” (Isaías 58:11). Preste atenção na ordem:
 
Primeiro você precisa estar bem regado (entrada); então você naturalmente se tornará uma fonte de águas que nunca faltam para os outros (saída). Que lema excelente para um obreiro cristão!
 
Cuidar de seu próprio vinhedo – cuidar do seu bem-estar físico, emocional e espiritual – não é uma questão secundária. De acordo com a Bíblia, isso não é somente um direito, mas um dever; cuidar de nós mesmos faz parte de sermos bons mordomos. Em outras palavras, da mesma forma que temos um ministério, também precisamos de um “monastério”, um lugar e hora para descansarmos, para estarmos tranquilos e nos renovarmos por completo. Nosso ministério público irá se beneficiar muito se aprendermos a passar tempo em nosso “monastério” pessoal.
 
Sua própria vida, o bem-estar da sua família e a qualidade do seu ministério estão em jogo. Este é um dos segredos de um ministério frutífero e abençoado.
 
Quais são alguns equívocos comuns dos líderes cristãos com relação à necessidade de tirar tempo para cuidarem de si mesmos?
 
Eu já mencionei alguns, mas adiciono mais dois: Em primeiro lugar, muitas vezes negligenciamos os cuidados com nosso “vinhedo” porque nos esquecemos do projeto original de Deus para nossas vidas: Ele nos fez seres humanos, e não fazedores humanos. Nossa identidade e valor diante de Deus são primordialmente de quem nós somos, e não do que fazemos. Este projeto divino inclui um equilíbrio entre trabalhar e descansar, dar e receber.
 
Em segundo lugar, uma vez perguntaram ao Billy Graham: “Se você pudesse começar sua vida de novo, o que você mudaria?” Ele respondeu: “Eu pregaria somente uma vez por dia.” A palavra deste homem de Deus tão respeitado ecoa profundamente sobre este princípio tão importante: um ministério frutífero não é o mesmo que um ministério cheio, cheio de atividades e ação que nunca para.
 
Para os cristãos ocupados, cuidar de si mesmos pode parecer outra tarefa em uma lista já longa de tarefas. Como podem combater essa sensação?
 
Cuidar de nós mesmos não é fazer algo, e sim parar de fazer! É deixar seu corpo, mente e alma se refrescarem e renovarem, serem nutridos e enriquecidos. Isto pode ser feito de diferentes formas (eu dediquei os dois últimos capítulos do livro para essa questão tão importante), mas a ênfase está sempre em ser e ser junto. Nesta linha de pensamento, os relacionamentos são de extrema importância (família, amigos, igreja); e é claro o relacionamento com Deus através de nosso Senhor Jesus (João 15) é a fonte suprema de renovação.
 
Alguns cristãos com a vida muito ocupada têm dificuldade em entender isso por causa de um conceito errado de lazer. Eles erroneamente acreditam que Deus quer que eles estejam fazendo algo o tempo todo (eles são “fazedores humanos”!).  É importante lembrar que o lazer e preguiça são coisas muito diferentes. Graças a Deus por momentos de lazer! Talvez te surpreenda, mas alguns obreiros cristãos se sentem culpados quando descansam.
 
Em seu livro, você dá diversas orientações sobre como podemos cuidar de nós mesmos. Qual conselho você gostaria que todos os obreiros cristãos pudessem ouvir?
 
Eu vou resumir em cinco partes, porque são um conjunto inseparável:
  • O problema não é trabalhar demasiado, mas sim a falta de descanso e renovação.
  • Da mesma forma que temos um ministério, também precisamos de um “monastério”, um lugar e hora para descansarmos, para estarmos tranquilos e nos renovarmos por completo.
  • Considere que descansar e renovar-se é uma parte importante de seu ministério, tão importante quanto qualquer outra.
  • Aprenda não somente com como Jesus trabalhava, mas também como ele parava de trabalhar.
  • Um grande zelo pelo Senhor não significa um grande estresse para você!

Qual é sua oração pelos obreiros cristãos? Você pode nos liderar em oração para que nossos leitores possam se juntar?
 
Minha oração que vem do coração é:
 
Senhor, estou ciente de que preciso me vigiar se eu quiser ser um(a) bom supervisor(a) do rebanho que o Senhor me deu. Eu confesso que às vezes falho em tomar conta do meu próprio vinhedo.
 
Portanto, Senhor, me ajude pela sua graça a ter um ministério frutífero e não um ministério ‘cheio’. Coloque em meu coração o desejo de “me aquietar e saber que tu és Deus”. Que eu possa me tornar “um jardim bem regado, como uma fonte cujas águas nunca faltam!”. Faça de minha vida um vaso para a glória de Jesus e para a edificação de sua igreja. Amém.
 
Notas
[1] ‘November 15’, The Power of Prayer (“Novembro de 2015, O poder da oração”, em tradução livre – Illinois: Christian Art Gifts, 2007).
 
• Pablo Martinez é médico e psiquiatra baseado em Barcelona. Ele também é professor na escola bíblica e autor. Seus livros foram traduzidos para 14 idiomas. Para mais informações, visite www.christian-thought.org.

*Entrevista originalmente publicada no site do Movimento de Lausanne. Reproduzido com permissão.

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