Opinião
- 16 de novembro de 2015
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Viva a República!
Em 15 de novembro de 1889 o sol se pôs republicano no céu do Brasil. Após um longo percurso marcado de ideias e sangue, que nos lembram, entre tantos outros, Joaquim José da Silva Xavier e Joaquim do Amor Divino Rabelo, Tiradentes e Frei Caneca, respectivamente, o Brasil adotava uma forma de governo que abandonava ao passado o poder monárquico. Antes exercido com base na vitalicidade e irresponsabilidade, posto que os atos do monarca não podiam ser questionados e o exercício de sua autoridade não implicava prestação de contas, agora uma nova bandeira pende no alto do mastro, ostentando os ideais da República: o poder pertence ao povo e em seu nome deve ser exercido.
Estamos, desde o dia em que o Brasil amanheceu republicano, construindo uma sociedade cujo governo se fundamenta em três pilares. O primeiro é o da eletividade, visto que o poder emana da comunidade que constitui o Estado. O voto é direito inalienável. Todo governante deve fazer por merecê-lo e toda sociedade tem igual direito de tomá-lo de volta aos que dele se valem para atos que traem suas finalidades. O segundo, é o da temporariedade, posto que ninguém se perpetua no poder já que este não é vitalício. A riqueza de uma sociedade será tanto maior quanto mais possibilidades oferecer às expressões de sua pluralidade. E por último, a responsabilidade, pois o cuidado da república (do latim ‘res publica’, isto é, coisa pública), exercido em nome do povo, exige do governante que preste contas aos verdadeiros proprietários daquilo que está sob sua administração, posto que a sociedade tem direito de tomar de volta os cargos daqueles que deles se valem para atos que traem suas finalidades, sendo a alternância de poder numa democracia consistente o melhor caminho para a reparação dos equívocos históricos.
Mais do que um governo ou um Estado, somos uma nação. Estamos irmanados por laços afetivos que nos vinculam a nossa cultura, valores, tradições e ideias, antes e além de qualquer organização ou representação política. Nosso Estado une nosso povo em nossa terra-território, sob um mesmo ordenamento jurídico que nos compromete com um contrato social de direitos e deveres. Escolhemos nosso governo, isto é, designamos a estrutura do nosso Estado com o propósito de nos conduzir aos fins em conformidade com nossa Constituição, a Carta Magna. O governo que desrespeita a constituição subverte o Estado e trai a nação, perdendo assim sua legitimidade e autoridade.
A nação é maior do que o Estado, que por sua vez é maior do que seu governo. Por exemplo, a nação brasileira é predominantemente cristã, o Estado é laico, e o governo é responsável por resguardar o contrato celebrado pela nação que o constituiu.
A República, notadamente em sua declaração essencial de que todo poder emana do povo e em seu nome é exercido, favorece a defesa e promoção dos plenos direitos de todos os cidadãos: governantes eleitos pelo voto direto, para servir ao povo de maneira honesta, transparente e responsável, em um Estado laico, rico por sua pluralidade, sem discriminação de raça, gênero, classe social e crença religiosa, onde o esforço coletivo visa sempre o bem comum.
O Brasil, entretanto, desde sempre confirmou o ditado que diz que na prática a teoria é outra. A República como forma de governo que deveria resguardar os direitos do povo brasileiro sofre desde seus primeiros dias os mesmos atentados que até hoje ocupam as primeiras páginas dos nossos jornais.
O trecho do discurso de Rui Barbosa (1849-1923), cujo primeiro parágrafo é bem conhecido, em sua sequência poderia muito bem ter sido escrito hoje:
“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto (…) Essa foi a obra da República nos últimos anos. No outro regime, o homem que tinha certa nódoa em sua vida era um homem perdido para todo o sempre — as carreiras políticas lhe estavam fechadas.
Havia uma sentinela vigilante, de cuja severidade todos se temiam a que, acesa no alto, guardava a redondeza, como um farol que não se apaga, em proveito da honra, da justiça e da moralidade gerais.
Na República os tarados são os taludos. Na República todos os grupos se alhearam do movimento dos partidos, da ação dos governos, da prática das instituições. Contentamo-nos, hoje, com as fórmulas e aparências, porque estas mesmas vão se dissipando pouco a pouco, delas quase nada nos restando.
Apenas temos os nomes, apenas temos a reminiscência, apenas temos a fantasmagoria de uma coisa que existiu, de uma coisa que se deseja ver reerguida, mas que, na realidade, se foi inteiramente.
E nessa destruição geral de nossas instituições, a maior de todas as ruínas, senhores, é a ruína da justiça, colaborada pela ação dos homens públicos, pelo interesse dos nossos partidos, pela influência constante dos nossos governos. E nesse esboroamento da justiça, a mais grave de todas as ruínas é a falta de penalidade aos criminosos confessos, é a falta de punição quando se aponta um crime que envolve um nome poderoso, apontado, indicado, que todos conhecem”.
Vergonhosamente não escapamos, nós que somos incluídos na igreja evangélica brasileira, dessa pesada palavra profética do Águia de Haia. Carregamos na boca um gosto amargo por ver a identidade evangélica, pleiteada pela chamada bancada da Bíblia, que cede à lógica imoral do fisiologismo e ao alinhamento conveniente com espúrios interesses partidários, associada ao que de mais pernicioso existe no atual Congresso Nacional.
Todo grupo que, sendo parte pretende ser tomado pelo todo, visando obter o poder hegemônico, impondo seus valores e agenda à sociedade, trai os ideais da república e da democracia. Isso é verdadeiro em termos religiosos e político-partidários, e não menos verdadeiro para a legítima militância das chamadas minorias.
Mas convém reafirmar o que nos ensina o Evangelho. Nosso Senhor Jesus Cristo nos ordenou dar a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus, estabelecendo a hierarquia que não carece de explicações, e culminou na perseguição e morte dos mártires cristãos que desde sempre viveram sob a máxima de que mais importa obedecer a Deus do que aos homens. Paulo, apóstolo, nos encoraja a acatar as autoridades civis legitimamente constituídas como sacerdotes de Deus que detêm o sagrado encargo de promover a justiça e coibir o mal, promovendo o bem comum, e por elas interceder diante de Deus, para que sob sua justa governança possamos todos desfrutar de uma vida de paz e segurança.
Os ideais e valores republicanos estão, pois, arraigados na tradição judaico-cristã e na tradição do protestantismo reformado, desde a defesa da igualdade de todos os seres humanos dotados de dignidade intrínseca pelo fato de terem sido criados segundo a imagem e semelhança de Deus; a realidade de que todos os recursos naturais são, não apenas criação, como também doação de Deus para toda a humanidade; a consciência de que todo ser humano tem vocação para o protagonismo de sua própria história, e a consequente responsabilidade por administrar todos os recursos sob seus cuidados como dádivas concedidas por Deus para o bem comum; a autoridade civil como serva-sacerdote de Deus para promover a justiça e a paz.
Os ideais da República vêm sendo traídos desde tempos remotos. Ainda assim preferimos afirmar a opção por um Brasil republicano e democrático. O povo evangélico dessa nação brasileira tem motivos históricos e teóricos, filosóficos, bíblicos e teológicos para ansiar, preservar e lutar por um Brasil republicano.
Viva a República!
Viva a República Federativa do Brasil!
• Ed René Kivitz é pastor da Igreja Batista de Água Branca, em São Paulo. É mestre em ciências da religião e autor de, entre outros, "O Livro Mais Mal-Humorado da Bíblia".
Nota:
Artigo publicado originalmente pela Aliança Cristã Evangélica Brasileira.
Estamos, desde o dia em que o Brasil amanheceu republicano, construindo uma sociedade cujo governo se fundamenta em três pilares. O primeiro é o da eletividade, visto que o poder emana da comunidade que constitui o Estado. O voto é direito inalienável. Todo governante deve fazer por merecê-lo e toda sociedade tem igual direito de tomá-lo de volta aos que dele se valem para atos que traem suas finalidades. O segundo, é o da temporariedade, posto que ninguém se perpetua no poder já que este não é vitalício. A riqueza de uma sociedade será tanto maior quanto mais possibilidades oferecer às expressões de sua pluralidade. E por último, a responsabilidade, pois o cuidado da república (do latim ‘res publica’, isto é, coisa pública), exercido em nome do povo, exige do governante que preste contas aos verdadeiros proprietários daquilo que está sob sua administração, posto que a sociedade tem direito de tomar de volta os cargos daqueles que deles se valem para atos que traem suas finalidades, sendo a alternância de poder numa democracia consistente o melhor caminho para a reparação dos equívocos históricos.
Mais do que um governo ou um Estado, somos uma nação. Estamos irmanados por laços afetivos que nos vinculam a nossa cultura, valores, tradições e ideias, antes e além de qualquer organização ou representação política. Nosso Estado une nosso povo em nossa terra-território, sob um mesmo ordenamento jurídico que nos compromete com um contrato social de direitos e deveres. Escolhemos nosso governo, isto é, designamos a estrutura do nosso Estado com o propósito de nos conduzir aos fins em conformidade com nossa Constituição, a Carta Magna. O governo que desrespeita a constituição subverte o Estado e trai a nação, perdendo assim sua legitimidade e autoridade.
A nação é maior do que o Estado, que por sua vez é maior do que seu governo. Por exemplo, a nação brasileira é predominantemente cristã, o Estado é laico, e o governo é responsável por resguardar o contrato celebrado pela nação que o constituiu.
A República, notadamente em sua declaração essencial de que todo poder emana do povo e em seu nome é exercido, favorece a defesa e promoção dos plenos direitos de todos os cidadãos: governantes eleitos pelo voto direto, para servir ao povo de maneira honesta, transparente e responsável, em um Estado laico, rico por sua pluralidade, sem discriminação de raça, gênero, classe social e crença religiosa, onde o esforço coletivo visa sempre o bem comum.
O Brasil, entretanto, desde sempre confirmou o ditado que diz que na prática a teoria é outra. A República como forma de governo que deveria resguardar os direitos do povo brasileiro sofre desde seus primeiros dias os mesmos atentados que até hoje ocupam as primeiras páginas dos nossos jornais.
O trecho do discurso de Rui Barbosa (1849-1923), cujo primeiro parágrafo é bem conhecido, em sua sequência poderia muito bem ter sido escrito hoje:
“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto (…) Essa foi a obra da República nos últimos anos. No outro regime, o homem que tinha certa nódoa em sua vida era um homem perdido para todo o sempre — as carreiras políticas lhe estavam fechadas.
Havia uma sentinela vigilante, de cuja severidade todos se temiam a que, acesa no alto, guardava a redondeza, como um farol que não se apaga, em proveito da honra, da justiça e da moralidade gerais.
Na República os tarados são os taludos. Na República todos os grupos se alhearam do movimento dos partidos, da ação dos governos, da prática das instituições. Contentamo-nos, hoje, com as fórmulas e aparências, porque estas mesmas vão se dissipando pouco a pouco, delas quase nada nos restando.
Apenas temos os nomes, apenas temos a reminiscência, apenas temos a fantasmagoria de uma coisa que existiu, de uma coisa que se deseja ver reerguida, mas que, na realidade, se foi inteiramente.
E nessa destruição geral de nossas instituições, a maior de todas as ruínas, senhores, é a ruína da justiça, colaborada pela ação dos homens públicos, pelo interesse dos nossos partidos, pela influência constante dos nossos governos. E nesse esboroamento da justiça, a mais grave de todas as ruínas é a falta de penalidade aos criminosos confessos, é a falta de punição quando se aponta um crime que envolve um nome poderoso, apontado, indicado, que todos conhecem”.
Vergonhosamente não escapamos, nós que somos incluídos na igreja evangélica brasileira, dessa pesada palavra profética do Águia de Haia. Carregamos na boca um gosto amargo por ver a identidade evangélica, pleiteada pela chamada bancada da Bíblia, que cede à lógica imoral do fisiologismo e ao alinhamento conveniente com espúrios interesses partidários, associada ao que de mais pernicioso existe no atual Congresso Nacional.
Todo grupo que, sendo parte pretende ser tomado pelo todo, visando obter o poder hegemônico, impondo seus valores e agenda à sociedade, trai os ideais da república e da democracia. Isso é verdadeiro em termos religiosos e político-partidários, e não menos verdadeiro para a legítima militância das chamadas minorias.
Mas convém reafirmar o que nos ensina o Evangelho. Nosso Senhor Jesus Cristo nos ordenou dar a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus, estabelecendo a hierarquia que não carece de explicações, e culminou na perseguição e morte dos mártires cristãos que desde sempre viveram sob a máxima de que mais importa obedecer a Deus do que aos homens. Paulo, apóstolo, nos encoraja a acatar as autoridades civis legitimamente constituídas como sacerdotes de Deus que detêm o sagrado encargo de promover a justiça e coibir o mal, promovendo o bem comum, e por elas interceder diante de Deus, para que sob sua justa governança possamos todos desfrutar de uma vida de paz e segurança.
Os ideais e valores republicanos estão, pois, arraigados na tradição judaico-cristã e na tradição do protestantismo reformado, desde a defesa da igualdade de todos os seres humanos dotados de dignidade intrínseca pelo fato de terem sido criados segundo a imagem e semelhança de Deus; a realidade de que todos os recursos naturais são, não apenas criação, como também doação de Deus para toda a humanidade; a consciência de que todo ser humano tem vocação para o protagonismo de sua própria história, e a consequente responsabilidade por administrar todos os recursos sob seus cuidados como dádivas concedidas por Deus para o bem comum; a autoridade civil como serva-sacerdote de Deus para promover a justiça e a paz.
Os ideais da República vêm sendo traídos desde tempos remotos. Ainda assim preferimos afirmar a opção por um Brasil republicano e democrático. O povo evangélico dessa nação brasileira tem motivos históricos e teóricos, filosóficos, bíblicos e teológicos para ansiar, preservar e lutar por um Brasil republicano.
Viva a República!
Viva a República Federativa do Brasil!
• Ed René Kivitz é pastor da Igreja Batista de Água Branca, em São Paulo. É mestre em ciências da religião e autor de, entre outros, "O Livro Mais Mal-Humorado da Bíblia".
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