Opinião
- 24 de julho de 2017
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Violência contra a juventude negra
O Atlas da Violência 2017 – um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, publicado em 5 de junho do corrente ano – traduz a triste realidade que tem sido parte de nossas vidas nesta última década.
A juventude está sendo exterminada
Sim, os jovens negros periféricos estão morrendo e segundo os dados do estudo “há um processo gradativo da vitimização letal da juventude, em que os mortos são cada vez mais jovens” – 92% dos homicídios acometem a parcela da população de 15 a 29 anos. De alguma forma, os jovens que estão morrendo já foram atingidos por outras privações de direito social, tais como escolarização, trabalho, lazer, cultura.
Outro dado perturbador presente no estudo é que a cada 100 pessoas assassinadas 71 são negras. Uma pessoa negra tem 23,5% mais chance de ser assassinada.
A naturalização das violências, principalmente quando praticada contra determinados grupos humanos, é uma realidade no contexto social que se perpetua ao longo dos tempos. A “menos valia”, a desumanização e a morte dessa juventude não têm gerado comoção. Comoção no sentido genuíno da palavra, que deriva do verbo latim comovere, e seu significado “perturbar, mover” impele para um movimento conjunto. A naturalização da morte das juventudes, sobretudo negras, tem gerado uma frieza social que chega a ser assustadora.
É importante frisar que ao nos propormos a analisar o contexto, seja na perspectiva socioeconômica, demográfica, educacional, que tenha como foco a população afrodescendente no Brasil, é fundamental a compreensão conceitual do que é o racismo estrutural . Este baliza em tempo pretérito ou presente todas as formas de relações sociais que se estabelecem no campo do público ou privado.
O extermínio da população negra e as políticas públicas
Não é de hoje que o extermínio da população negra vem sendo anunciado e estruturado na nação brasileira em forma de políticas públicas. No ano de 1911, João Batista de Lacerda, no Congresso Universal das Raças em Londres, afirmou em sua comunicação científica que no período de um século a população do Brasil seria provavelmente branca e no mesmo período a população indígena e a população negra desapareceria.
A partir de tal predição, políticas públicas como: continuidades da imigração europeia, higienização das cidades, ausências de políticas agrárias e educacionais para as populações recém-saídas do processo de escravização, entre outras construções epistemológicas, arquitetadas para fazer cumprir as previsões da intelectualidade brasileira de branqueamento da sociedade.
É importante notar que as ausências de políticas públicas que pudessem garantir direitos às populações de descendência africana e indígena não ficaram estanques no passado, pois ao analisar quem são as vítimas do genocídio juvenil, observa-se que são os mesmos sujeitos que continuam desassistidos por políticas de inserção e direitos sociais.
Às vezes, pensamos que tais situações de violência estão distantes de nossa realidade, ou não perpassam as vidas que integram nossas comunidades de fé.
Há aproximadamente 10 anos, diante de uma situação que havia ocorrido com um menino da minha igreja, resolvi dirigir-me a alguns homens de minha comunidade e fazer a seguinte pergunta:
- Você já foi abordado por policiais? Como foi esse processo?
O grupo para o qual dirigi a pergunta era composto de 20 pessoas do sexo masculino com idades entre 12 e 60 anos de composição racial diversa. Distribuídos da seguinte forma:
| |||
Faixa etária | Quantidade | Raça/cor | |
12 a 16 | 5 | 3 negros | 2 brancos |
17 a 21 | 7 | 2 negros | 2 brancos |
22 a 29 | 4 | 1 negro | 3 brancos |
30 a 35 | 3 | - | 2 brancos |
36 a 45 | 3 | 2 negros | 1 branco |
46 a 60 | 5 | 1 negros | 1 brancos |
Minha pesquisa inicia de forma especulativa, no entanto, mantive até o presente as anotações do que pude observar. Naquela semana, um garoto de 12 anos pertencente a comunidade havia sofrido uma abordagem violenta da polícia e meu objetivo naquele momento era levantar, na minha comunidade de fé, a idade mínima e máxima de um homem negro está sujeito as abordagens da polícia.
Pude concluir que, dentre todas as faixas etárias os identificados como negros já haviam sofrido abordagens violentas da polícia. Sim, inclusive um garoto de apenas 12 anos de idade. O curioso foi que quando perguntei para outros meninos na mesma faixa etária, adultos que estavam próximos acreditavam que era bobagem minha fazer esse tipo de pergunta, visto que eles eram apenas “crianças”. Mas no caso do garoto negro que havia passado pelo processo da abordagem policial violenta naquela mesma semana foi lhe perguntado se ele não estava fazendo nada de “errado”. Os homens negros que compuseram a faixa etária dos 36 a 45 anos e 46 a 60 anos todos sofreram abordagem policial, por mais de cinco vezes.
Em relação aos homens brancos que foram abordados pela polícia, majoritariamente, na composição etária de 22 a 29 anos, dos respondentes dois disseram que durante a ação estavam acompanhados de amigos negros. Após os 30 anos de idade, os homens identificados como brancos afirmaram não sofrer abordagem policial. E, todo o grupo afirmou que em momento algum foram abordados de forma violenta, ou seja, com algum tipo de agressão física.
Retomando os dados do Atlas da Violência 2017, chamamos a atenção para o tema da violência direcionada a população negra, pois uma pessoa negra tem 23,5% mais chance de ser assassinada. Ao olharmos para nossas comunidades cristãs percebemos a insuficiência de discussões e ações que auxiliem no processo de desnaturalização das violências contra as juventudes negras.
Que a comoção (com = junto + movere = mover) nos traga a lucidez a fim de nos mobilizarmos para perturbar a ordem vigente, que se estrutura no racismo e espalha mortandade entre a juventude. Que sejamos a voz e a ação que profetiza vida em meio aos vales de ossos secos.
• Juliana de Souza Mavoungou Yade é doutora em Educação e coordenadora da Pastoral Nacional de Combate ao Racismo, da Igreja Metodista.
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