Opinião
- 20 de novembro de 2009
- Visualizações: 8002
- 28 comentário(s)
- +A
- -A
- compartilhar
Viciados em morbidez
Bráulia Ribeiro
Há um tempo, no programa Manhattan Connection, discutiu-se o crescimento das igrejas evangélicas neste momento de crise econômica. Aparentemente o grupo de frequentadores de igreja nos Estados Unidos aumentou a ponto de se tornar notícia na grande mídia americana. Os comentaristas do Manhattan tentavam entender o que representam os evangélicos no contexto cultural americano atual: o incentivo ao crescimento econômico proveniente das teologias de fé e sucesso pregadas por muitas igrejas; a esperança produzida pela união das pessoas em comunidades solidárias que servem de estímulo para novas iniciativas econômicas e para o desenvolvimento de indivíduos e famílias; a recuperação de indivíduos que antes eram um peso na sociedade e agora, com a ajuda da fé, se tornam produtivos.
Foi muito esquisito aquilo, ouvir jornalistas falando bem da fé evangélica e das igrejas que costumamos espinafrar: as igrejas da teologia da prosperidade. Apesar de estarem comentando sobre um fenômeno americano, o que eles diziam podia ser facilmente aplicado ao Brasil. Por mais que eu e muitos críticos do movimento neopentecostal não gostemos de admitir, cada vez mais o crescimento das igrejas de fé vai mudando positivamente o perfil da população brasileira. Até a Universal do Reino de Deus, a mais controversa das denominações, onde dificilmente se reconhece algum princípio do evangelho, aporta uma contribuição positiva para o tecido socioeconômico brasileiro.
Apesar de todo o sincretismo, de todos os erros teológicos, apesar dos escândalos das lideranças, dos abusos e absurdos que interpretações equivocadas da fé vêm produzindo, o cristianismo é sempre uma religião socialmente do "bem" e seus subprodutos também serão do bem. As distorções têm efeitos colaterais negativos, mas o sintoma geral é de cura. O que não me parece do "bem" hoje em dia é a postura crítica dos próprios cristãos. Disseminou-se entre os que são considerados cristãos sérios uma atitude de crítica constante, cáustica, cruel, muito mais cruel que as críticas externas. Nasceram até ministérios com a missão quase exclusiva de criticar, julgar, difamar por todos os meios possíveis qualquer proposta neopentecostal ou neo-alguma coisa. Embates pessoais entre figuras do meio gospel, jornalistas e pastores viraram lugar comum. Algumas discussões são tão rasteiras que não perdem pra briga de botequim.
Livros como "Porque Você Não quer Ir Mais à Igreja", blogs que se especializam em divulgar o ridículo da cultura gospel e pregadores do anti-movimento posam de iconoclastas proféticos propagando essa nova modalidade de "denominação" cristã: a anti-igreja. Grande parte da energia desses novos crentes é gasta em antagonizar propostas da religião instituída.
Infelizmente, de acordo com minha observação pessoal, essa postura não libera os membros desses novos movimentos para uma vida de fé mais simples e produtiva. Teria sido interessante se no meio de tudo isto nascesse um grupo de cristãos com mais tolerância e coração aberto que entendesse o reino acima das propostas denominacionais e que fosse capaz de circular entre as mais diversas formas culturais de cristianismo, contribuindo com todas, com respeito, sem anuir aos erros. Mas não, a atitude desenvolvida pelos antagônicos é a de completa intolerância. Ao invés de encontrarem graça, a perdem. Se sentem acima do bem e do mal e se especializam em encontrar problemas e defeitos em tudo e em todos.
Ouvi um crítico outro dia dizer com sarcarsmo que a Sexxx Church é o velho Jaime Kemp e seu moralismo sexual disfarçado para o século 21. Me choquei com o comentário cáustico, mas vazio. Jaime Kemp fez um bom trabalho na minha geração, ensinando moral sexual e os valores familiares numa linguagem acessível. A Sexx Church faz hoje a mesma coisa, contextualizando a forma e mantendo o significado; ou seja, mantendo os padrões morais bíblicos que nem eles nem o Jaime Kemp inventaram. Será que os jovens de hoje não precisam de ensinos sobre uma sexualidade sadia? Propor um cristianismo que não estabelece limites morais, que não define padrões para a sexualidade, é negar uma parte essencial da proposta cristã. Existem padrões estabelecidos para a vivência humana na terra que a nós cabe simplesmente aceitar. Contudo no vale-tudo anti-institucional vale até rejeitar a ideia de pecado, de submissão a um código moral qualquer ainda que rotulado de cristão.
Cristãos assim geralmente se tornam pastores de sua própria denominação de um só membro. As marcas e feridas que trouxeram de suas experiências anteriores estão protegidas por uma elaboração racional que impede o processo de cura. A culpa é sempre dos outros, do sistema, da intolerância religiosa, dos pastores e líderes abusivos. Como vítima não sou chamada ao arrependimento, tenho razão para as minhas dores, não preciso repensar minhas atitudes ou reconhecer meus próprios erros. Jovens adeptos da neo-iconoclastia não aceitam mais padrões de comportamento nem moralidade de qualquer espécie. Toda moralidade é taxada de moralismo, toda "experiência" de vida supostamente tem o consentimento de um Deus que me entende.
Fico com a simplicidade da fé e não com a morbidez da “intelligentsia” cristã. A essência Jesus pode ser embalada com muitas mentiras, e, infelizmente, acho que de uma maneira ou de outra nenhum de nós escapamos de equívocos, julgamentos culturais e ambições pessoais que deturpam sua palavra. Mas mesmo assim ele continua sendo Jesus, o caminho, a verdade e a vida; o Deus verdadeiro capaz de milagres, redenções e perdões impossíveis, capaz de se comunicar com todos como o Deus vivo que é.
Publicado originalmente na revista Eclésia.
• Bráulia Ribeiro, missionária em Porto Velho, RO, é autora de Chamado Radical (Editora Ultimato). braulia.ribeiro@uol.com.br
Siga-nos no Twitter!
Há um tempo, no programa Manhattan Connection, discutiu-se o crescimento das igrejas evangélicas neste momento de crise econômica. Aparentemente o grupo de frequentadores de igreja nos Estados Unidos aumentou a ponto de se tornar notícia na grande mídia americana. Os comentaristas do Manhattan tentavam entender o que representam os evangélicos no contexto cultural americano atual: o incentivo ao crescimento econômico proveniente das teologias de fé e sucesso pregadas por muitas igrejas; a esperança produzida pela união das pessoas em comunidades solidárias que servem de estímulo para novas iniciativas econômicas e para o desenvolvimento de indivíduos e famílias; a recuperação de indivíduos que antes eram um peso na sociedade e agora, com a ajuda da fé, se tornam produtivos.
Foi muito esquisito aquilo, ouvir jornalistas falando bem da fé evangélica e das igrejas que costumamos espinafrar: as igrejas da teologia da prosperidade. Apesar de estarem comentando sobre um fenômeno americano, o que eles diziam podia ser facilmente aplicado ao Brasil. Por mais que eu e muitos críticos do movimento neopentecostal não gostemos de admitir, cada vez mais o crescimento das igrejas de fé vai mudando positivamente o perfil da população brasileira. Até a Universal do Reino de Deus, a mais controversa das denominações, onde dificilmente se reconhece algum princípio do evangelho, aporta uma contribuição positiva para o tecido socioeconômico brasileiro.
Apesar de todo o sincretismo, de todos os erros teológicos, apesar dos escândalos das lideranças, dos abusos e absurdos que interpretações equivocadas da fé vêm produzindo, o cristianismo é sempre uma religião socialmente do "bem" e seus subprodutos também serão do bem. As distorções têm efeitos colaterais negativos, mas o sintoma geral é de cura. O que não me parece do "bem" hoje em dia é a postura crítica dos próprios cristãos. Disseminou-se entre os que são considerados cristãos sérios uma atitude de crítica constante, cáustica, cruel, muito mais cruel que as críticas externas. Nasceram até ministérios com a missão quase exclusiva de criticar, julgar, difamar por todos os meios possíveis qualquer proposta neopentecostal ou neo-alguma coisa. Embates pessoais entre figuras do meio gospel, jornalistas e pastores viraram lugar comum. Algumas discussões são tão rasteiras que não perdem pra briga de botequim.
Livros como "Porque Você Não quer Ir Mais à Igreja", blogs que se especializam em divulgar o ridículo da cultura gospel e pregadores do anti-movimento posam de iconoclastas proféticos propagando essa nova modalidade de "denominação" cristã: a anti-igreja. Grande parte da energia desses novos crentes é gasta em antagonizar propostas da religião instituída.
Infelizmente, de acordo com minha observação pessoal, essa postura não libera os membros desses novos movimentos para uma vida de fé mais simples e produtiva. Teria sido interessante se no meio de tudo isto nascesse um grupo de cristãos com mais tolerância e coração aberto que entendesse o reino acima das propostas denominacionais e que fosse capaz de circular entre as mais diversas formas culturais de cristianismo, contribuindo com todas, com respeito, sem anuir aos erros. Mas não, a atitude desenvolvida pelos antagônicos é a de completa intolerância. Ao invés de encontrarem graça, a perdem. Se sentem acima do bem e do mal e se especializam em encontrar problemas e defeitos em tudo e em todos.
Ouvi um crítico outro dia dizer com sarcarsmo que a Sexxx Church é o velho Jaime Kemp e seu moralismo sexual disfarçado para o século 21. Me choquei com o comentário cáustico, mas vazio. Jaime Kemp fez um bom trabalho na minha geração, ensinando moral sexual e os valores familiares numa linguagem acessível. A Sexx Church faz hoje a mesma coisa, contextualizando a forma e mantendo o significado; ou seja, mantendo os padrões morais bíblicos que nem eles nem o Jaime Kemp inventaram. Será que os jovens de hoje não precisam de ensinos sobre uma sexualidade sadia? Propor um cristianismo que não estabelece limites morais, que não define padrões para a sexualidade, é negar uma parte essencial da proposta cristã. Existem padrões estabelecidos para a vivência humana na terra que a nós cabe simplesmente aceitar. Contudo no vale-tudo anti-institucional vale até rejeitar a ideia de pecado, de submissão a um código moral qualquer ainda que rotulado de cristão.
Cristãos assim geralmente se tornam pastores de sua própria denominação de um só membro. As marcas e feridas que trouxeram de suas experiências anteriores estão protegidas por uma elaboração racional que impede o processo de cura. A culpa é sempre dos outros, do sistema, da intolerância religiosa, dos pastores e líderes abusivos. Como vítima não sou chamada ao arrependimento, tenho razão para as minhas dores, não preciso repensar minhas atitudes ou reconhecer meus próprios erros. Jovens adeptos da neo-iconoclastia não aceitam mais padrões de comportamento nem moralidade de qualquer espécie. Toda moralidade é taxada de moralismo, toda "experiência" de vida supostamente tem o consentimento de um Deus que me entende.
Fico com a simplicidade da fé e não com a morbidez da “intelligentsia” cristã. A essência Jesus pode ser embalada com muitas mentiras, e, infelizmente, acho que de uma maneira ou de outra nenhum de nós escapamos de equívocos, julgamentos culturais e ambições pessoais que deturpam sua palavra. Mas mesmo assim ele continua sendo Jesus, o caminho, a verdade e a vida; o Deus verdadeiro capaz de milagres, redenções e perdões impossíveis, capaz de se comunicar com todos como o Deus vivo que é.
Publicado originalmente na revista Eclésia.
• Bráulia Ribeiro, missionária em Porto Velho, RO, é autora de Chamado Radical (Editora Ultimato). braulia.ribeiro@uol.com.br
Siga-nos no Twitter!
- 20 de novembro de 2009
- Visualizações: 8002
- 28 comentário(s)
- +A
- -A
- compartilhar
QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI.
Ultimato quer falar com você.
A cada dia, mais de dez mil usuários navegam pelo Portal Ultimato. Leem e compartilham gratuitamente dezenas de blogs e hotsites, além do acervo digital da revista Ultimato, centenas de estudos bíblicos, devocionais diárias de autores como John Stott, Eugene Peterson, C. S. Lewis, entre outros, além de artigos, notícias e serviços que são atualizados diariamente nas diferentes plataformas e redes sociais.
PARA CONTINUAR, precisamos do seu apoio. Compartilhe conosco um cafezinho.
Leia mais em Opinião
Opinião do leitor
Para comentar é necessário estar logado no site. Clique aqui para fazer o login ou o seu cadastro.
Escreva um artigo em resposta
Para escrever uma resposta é necessário estar cadastrado no site. Clique aqui para fazer o login ou seu cadastro.
Ainda não há artigos publicados na seção "Palavra do leitor" em resposta a este texto.
Assuntos em Últimas
- 500AnosReforma
- Aconteceu Comigo
- Aconteceu há...
- Agenda50anos
- Arte e Cultura
- Biografia e História
- Casamento e Família
- Ciência
- Devocionário
- Espiritualidade
- Estudo Bíblico
- Evangelização e Missões
- Ética e Comportamento
- Igreja e Liderança
- Igreja em ação
- Institucional
- Juventude
- Legado e Louvor
- Meio Ambiente
- Política e Sociedade
- Reportagem
- Resenha
- Série Ciência e Fé Cristã
- Teologia e Doutrina
- Testemunho
- Vida Cristã
Revista Ultimato
+ lidos
- Descobrindo o potencial da diáspora: um chamado à igreja brasileira
- Trabalho sob a perspectiva do reino de Deus
- Jesus [não] tem mais graça
- Onde estão as crianças?
- Não confunda o Natal com Papai Noel — Para celebrar o verdadeiro Natal
- Uma cidade sitiada - Uma abordagem literária do Salmo 31
- C. S. Lewis, 126 anos
- Ultimato recebe prêmio Areté 2024
- Exalte o Altíssimo!
- Paciência e determinação: virtudes essenciais para enfrentar a realidade da vida