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Opinião

A cultura do “Pronto, falei!”

Uso da força bruta, linguagem vulgar e pornográfica "só quando necessário" são flagrante desobediência aos princípios do evangelho

Por Ivan Abreu Figueiredo

A frase “Pronto, falei!”, tantas vezes lida em postagens, ou escutada em conversas, transpira uma petulância imatura. Pode ser confundida com um desabafo, mas suspeito que na maioria das vezes trata-se de uma incontinência verbal reveladora de nossa malícia, preconceitos e impaciências.

Vivemos tempos estranhos, a gentileza relegada ao segundo plano por uma apreciação do assertivo ainda que grosseiro. Tempos de muitas denúncias de maus tratos até (para vergonha minha) de médicos, cuja função é o exato oposto: cuidar das pessoas. Cristãos professos – inclusive líderes – tomam a vanguarda da divulgação e até produção de mensagens depreciativas sobre opositores, elevando-os a categoria de inimigos irreconciliáveis. Para alguns, esse "ministério" tomou o espaço da firme e mansa pregação da Palavra. O vazio de realizações e propostas não interessa no afã de massacrar o oponente.

Até mesmo as estatísticas referentes aos mortos pela pandemia da Covid-19, contados em centenas de milhares em nosso país, não exerceram o papel esperado de “freio de arrumação” social, favorecendo uma reflexão mais equilibrada sobre a doença, suas medidas de controle e as responsabilidades individuais e coletivas que ela (ainda) demanda. Pelo contrário, posições se radicalizaram, o “Pronto, falei!” se valeu de artigos pseudocientíficos que invadiram a internet como um enxame. As vozes em defesa da ciência, da moderação e da sensatez muitas vezes pareceram pregar para um deserto de ouvintes. Uma estranha anestesia se abateu sobre muitos, tornando-os incapazes de perceber as pessoas por trás dos números de doentes e mortos.

A cultura do "Pronto, falei" é caminho largo, do jeito descrito por Jesus no Sermão do Monte a que precisamos voltar seguidamente, caminho que conduz à perdição, à alienação nos relacionamentos, ao afastamento do Pai, tragédia maior. Agir assim, dizendo fazê-lo em defesa da fé cristã, é mentira deslavada.



O ensino do evangelho é o radical oposto dessa postura. É orar pelo inimigo, fazer bem a ele sem garantia alguma de retribuição ou compreensão, renunciar diariamente aos fardos pesados de ódio que insistem em ser carregados por nós, chamados a trocá-los pelo fardo leve proposto por Jesus.

Discursos do tipo “você sabe com quem está falando?”, intimidações, uso da força bruta, linguagem vulgar e pornográfica “só quando necessário” são flagrante desobediência aos princípios do evangelho.

Mais fortes são a humildade, a sincera busca por obedecer ao Pai, o silêncio da recusa em entrar na torrente de agressões, mentiras e difamações.

Somos chamados a medir nossas palavras, advertidos de que prestaremos conta de cada uma delas. Não há espaço para desculpas esfarrapadas como “retiraram o que eu disse do contexto” ou “eu estava usando o meu direito de liberdade de expressão”, ou o “estou sendo mal-interpretado”.

O Caminho estreito passa pelo cuidado com o que se fala – e pelo cuidado com as pessoas. Pela recusa a manchar relacionamentos familiares e de amizade com imposição de opinião. Pelo olhar que lembre que do outro lado está alguém querido, ainda que para nós equivocado; alguém por quem Jesus se entregou.

Precisamos de princípios refreadores de nossos ímpetos justiceiros. Precisamos apostar na beleza e na alegria da tentativa, buscar a compreensão em vez do ódio, buscar o olhar terno em vez do olhar que fuzila, semear a paz em vez da discórdia.

Uma minoria, infelizmente ruidosa e não pequena, tenta parecer maior e mais forte do que realmente é. Melhor se juntar aos decididamente resistentes à barbárie em todas as suas formas, obedecendo ao chamado da Palavra daquele que nos amou primeiro ainda quando rebeldes ao seu chamado. Do Pai que tomou e continua tomando a iniciativa da reconciliação.

Artigo originalmente publicado na edição 399 de Ultimato.

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» Um Ano com os Salmos
» A Igreja, o País e o Mundo
Ivan Abreu Figueiredo, médico, professor universitário, membro da Igreja Batista Plenitude, São Luís, MA.
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