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- 15 de março de 2007
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Vaticano condena mais um teórico da teologia da libertação
(Carta Maior) A teologia da libertação latino-americana volta a ser objeto de condenação romana, com a notificação sobre as obras de Jon Sobrino: “Jesucristo liberador. Lectura histórico-teológica de Jesus de Nazaret” (Madrid, 1991) e “La fe em Jesucristo. Ensayo desde las victimas” (San Salvador, 1999), tornada pública no portal do Vaticano nesta quarta-feira (14). A notificação já havia sido assinada em 26 de novembro de 2006 pelo prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (CdF), Willian Cardeal Levada e o secretário Ângelo Amato, depois de aprovada pelo papa Bento XVI em outubro do mesmo ano. A notificação veio acompanhada de uma nota explicativa, com a mesma data. O início da investigação da CdF ocorreu em outubro de 2001. Depois do estudo das obras em questão, foi encaminhada ao teólogo em julho de 2004 uma lista de proposições consideradas errôneas ou perigosas, que, na visão da CDF, poderiam “causar danos aos fiéis”. A resposta de Sobrino veio em março de 2005, mas foi considerada insatisfatória pela CdF, que procedeu, então, ao encaminhamento do processo.
A notificação da CdF aborda proposições relacionadas aos seguintes temas: pressupostos metodológicos que fundam a reflexão teológica de Sobrino, as questões da divindade de Jesus e da encarnação do Filho de Deus, a relação entre Jesus Cristo e o reino de Deus, a auto-consciência de Jesus Cristo e o valor salvífico de sua morte. A CdF identifica nas obras de Sobrino “graves deficiências tanto de ordem metodológica como de conteúdo”. Causa particular dificuldade o pressuposto metodológico presente na reflexão de Sobrino que define os pobres como lugar fundacional da cristologia latino-americana. Segundo a notificação, os erros metodológicos acabam incidindo em conclusões doutrinais consideradas problemáticas, como as proposições que envolvem a questão da divindade de Jesus.
O teólogo jesuíta Jon Sobrino nasceu em Barcelona (Espanha) em dezembro de 1938 e reside em El Salvador desde 1957. Dedicou-se por muitos anos à docência teológica na Universidade Centro Americana (UCA) e destaca-se como um dos mais importantes expoentes da teologia da libertação, com significativas publicações nas áreas de cristologia e espiritualidade. É igualmente membro do comitê de direção da prestigiosa revista internacional de teologia “Concilium”. Jon Sobrino foi assessor teológico de D. Oscar Romero, arcebispo de San Salvador, assassinado pela direita salvadorenha em março de 1980, e escapou de um atentado realizado por militares do exército em novembro de 1989, quando seis colegas jesuítas e duas mulheres foram barbaramente assassinados na UCA, entre os quais o teólogo Ignácio Ellacuría, reitor da mesma universidade.
Trata-se da primeira condenação teológica do pontificado de Bento XVI, mas que se insere num longo quadro de notificações realizadas pela Congregação para a Doutrina da Fé (CdF) a teólogos nos últimos 30 anos: Jacques Pohier (1979), Hans Küng (1980), Leonardo Boff (1985), Edward Schillebeeckx (1986), Charles Curran (1986), Tissa Balasuriya (1997), Anthony de Mello (1998), Reinhard Messner (2000), Jacques Dupuis (2001), Marciano Vidal (2001) e Roger Haight (2004). Muitas dessas notificações foram assinadas pelo cardeal Ratzinger, que foi designado Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé em janeiro de 1982, tendo permanecido no cargo até sua eleição como papa Bento XVI, no conclave de 2005.
A preocupação do Vaticano com a teologia da libertação não é de hoje. No discurso inaugural da III Conferência Geral do Episcopado Latino-americano em Puebla, no ano de 1979, o papa João Paulo II já tinha mencionado a tensão que se estabelecia entre a igreja “institucional” e a igreja popular, bem como o risco de uma interpretação secularista do reino de Deus. Em 1984, A CdF lança uma instrução sobre a teologia da libertação onde se questionam tópicos da interpretação teológica realizada na América Latina, em particular o “imanentismo historicista”, a “politização radical de afirmações da fé”, seu “pressuposto classista” e o seu distanciamento da interpretação oficial do magistério com respeito a certas fórmulas de fé, como por exemplo a de Calcedônia, que estabelece a divindade de Jesus: verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Logo em seguida, em 1985, ocorre a notificação do livro de Leonardo Boff “Igreja: carisma e poder”.
A notificação da CdF sobre as obras de Jon Sobrino retoma uma preocupação que é recorrente nas instâncias de direção do Vaticano e que envolve questões cristológicas. Estas mesmas questões estiveram na base das duas últimas notificações realizadas pela CdF contra os teólogos Jacques Dupuis e Roger Haight, também jesuítas. Trata-se de um tema que vem preocupando o papa Ratzinger nos últimos tempos, e que será objeto de seu próximo livro.
O traço característico da cristologia de Jon Sobrino, e que está muito presente na teologia da libertação, é a ênfase no Jesus histórico, no Jesus que vem narrado nos evangelhos. Trata-se de alguém marcado pelo princípio misericórdia, pela dinâmica da hospitalidade e da acolhida. Em Jesus transparece a face de um Deus amoroso, com entranhas de ternura e misericórdia, que se compadece dos mais pobres e excluídos. Para Sobrino, o Jesus histórico é o “ponto de partida da cristologia”. E mostra com clareza que a realidade última não foi para Jesus ele mesmo, nem a igreja, mas o reino de Deus, como reino de afirmação da vida. Jesus é alguém que sempre reenvia a um mistério maior. Para Sobrino, há sempre o risco de se absolutizar o mediador Cristo, esquecendo-se da dupla relacionalidade de Jesus: “sua relacionalidade histórica constitutiva para com o reino de Deus e o Deus do reino”. Não sem razão, Jon Sobrino assinalou que o receio do terceiro mundo é um “Cristo sem Reino”, um mediador sem mediação. Não há porque em nome de uma concentração no mediador relegar a um segundo plano as exigências da mediação do reino, que se traduz pela realização histórica da vontade do Pai. A preocupação central de Sobrino é com a vida dos pobres, a “aterradora evidência” dos povos crucificados na América Latina. A retomada do Jesus histórico seria, a seu ver, um poderoso antídoto contra séculos de exercício de uma fé no Cristo que foi incapaz de enfrentar a miséria da realidade.
A recuperação do novo rosto de Cristo libertador funciona, na pratica, como um desmascaramento do que há de acristão e anticristão nas imagens anteriormente apresentadas. Sobrino fala igualmente na “despacificação de Cristo” e de sua “desidolatrização”, ou seja, a afirmação de uma imagem de Cristo que não permita a isenção dos sujeitos face aos apelos do real, e a utilização de seu nome para a continuidade da opressão. Mas distintamente da perspectiva européia, a preocupação com o Jesus histórico na América Latina é marcada por uma hermenêutica da práxis: para que haja uma relação positiva com o Jesus histórico é necessário que se relacione adequadamente com ele, mediante a práxis do seguimento. Como assinala Sobrino, “o mais histórico de Jesus é sua prática, e acrescentamos o espírito com que a realizou e com o qual a imbuiu: honradez para com a realidade, parcialidade para com o pequeno, misericórdia fundante, fidelidade ao mistério de Deus”. É essa mesma prática e espírito que foram transmitidos por Jesus que se tornam convocação para os cristãos de prosseguimento de sua causa na história. Em nenhum momento da reflexão de Sobrino há uma exclusão do “Cristo total”, mas sim a consciência de que é mediante o Jesus histórico e a práxis de seu seguimento que se dá o acesso ao Cristo da fé.
É motivo de preocupação esta notificação publicada sobre os escritos de Jon Sobrino, pois significa uma desconfiança para com a reflexão teológica latino-americana e uma insensibilidade face aos tremendos desafios que acompanham a realidade de sofrimentos dos pobres no continente. Como apontou Juan José Tamayo em artigo no jornal El País (13/03/2007), o horizonte da reflexão de Sobrino é a misericórdia, e deixa como mensagem “que a teologia não pode limitar-se a ser uma inteligência fria da fé que passa ao largo do sofrimento dos seres humanos”. Essa atenção ao mundo dos pobres é um marco essencial da teologia de Sobrino. Por ocasião do II Fórum Mundial de Teologia e Libertação, realizado em Nairóbi, em janeiro de 2007, os teólogos do terceiro mundo fizeram uma homenagem a Jon Sobrino. Em sua mensagem indicaram que a obra de Sobrino, em particular sua cristologia, “resulta de uma experiência evangélica, de sua “ruptura epistemológica” e da sua descoberta do “lugar teológico” que são os pobres”. E concluem afirmando que Sobrino “é o mestre que está ajudando mais de uma geração a dar o salto do dogma abstrato, do sonho dogmático, ao encontro do Cristo vivo em seu contexto, em seu lugar teológico que é o povo pobre”.
www.cartamaior.com.br
A notificação da CdF aborda proposições relacionadas aos seguintes temas: pressupostos metodológicos que fundam a reflexão teológica de Sobrino, as questões da divindade de Jesus e da encarnação do Filho de Deus, a relação entre Jesus Cristo e o reino de Deus, a auto-consciência de Jesus Cristo e o valor salvífico de sua morte. A CdF identifica nas obras de Sobrino “graves deficiências tanto de ordem metodológica como de conteúdo”. Causa particular dificuldade o pressuposto metodológico presente na reflexão de Sobrino que define os pobres como lugar fundacional da cristologia latino-americana. Segundo a notificação, os erros metodológicos acabam incidindo em conclusões doutrinais consideradas problemáticas, como as proposições que envolvem a questão da divindade de Jesus.
O teólogo jesuíta Jon Sobrino nasceu em Barcelona (Espanha) em dezembro de 1938 e reside em El Salvador desde 1957. Dedicou-se por muitos anos à docência teológica na Universidade Centro Americana (UCA) e destaca-se como um dos mais importantes expoentes da teologia da libertação, com significativas publicações nas áreas de cristologia e espiritualidade. É igualmente membro do comitê de direção da prestigiosa revista internacional de teologia “Concilium”. Jon Sobrino foi assessor teológico de D. Oscar Romero, arcebispo de San Salvador, assassinado pela direita salvadorenha em março de 1980, e escapou de um atentado realizado por militares do exército em novembro de 1989, quando seis colegas jesuítas e duas mulheres foram barbaramente assassinados na UCA, entre os quais o teólogo Ignácio Ellacuría, reitor da mesma universidade.
Trata-se da primeira condenação teológica do pontificado de Bento XVI, mas que se insere num longo quadro de notificações realizadas pela Congregação para a Doutrina da Fé (CdF) a teólogos nos últimos 30 anos: Jacques Pohier (1979), Hans Küng (1980), Leonardo Boff (1985), Edward Schillebeeckx (1986), Charles Curran (1986), Tissa Balasuriya (1997), Anthony de Mello (1998), Reinhard Messner (2000), Jacques Dupuis (2001), Marciano Vidal (2001) e Roger Haight (2004). Muitas dessas notificações foram assinadas pelo cardeal Ratzinger, que foi designado Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé em janeiro de 1982, tendo permanecido no cargo até sua eleição como papa Bento XVI, no conclave de 2005.
A preocupação do Vaticano com a teologia da libertação não é de hoje. No discurso inaugural da III Conferência Geral do Episcopado Latino-americano em Puebla, no ano de 1979, o papa João Paulo II já tinha mencionado a tensão que se estabelecia entre a igreja “institucional” e a igreja popular, bem como o risco de uma interpretação secularista do reino de Deus. Em 1984, A CdF lança uma instrução sobre a teologia da libertação onde se questionam tópicos da interpretação teológica realizada na América Latina, em particular o “imanentismo historicista”, a “politização radical de afirmações da fé”, seu “pressuposto classista” e o seu distanciamento da interpretação oficial do magistério com respeito a certas fórmulas de fé, como por exemplo a de Calcedônia, que estabelece a divindade de Jesus: verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Logo em seguida, em 1985, ocorre a notificação do livro de Leonardo Boff “Igreja: carisma e poder”.
A notificação da CdF sobre as obras de Jon Sobrino retoma uma preocupação que é recorrente nas instâncias de direção do Vaticano e que envolve questões cristológicas. Estas mesmas questões estiveram na base das duas últimas notificações realizadas pela CdF contra os teólogos Jacques Dupuis e Roger Haight, também jesuítas. Trata-se de um tema que vem preocupando o papa Ratzinger nos últimos tempos, e que será objeto de seu próximo livro.
O traço característico da cristologia de Jon Sobrino, e que está muito presente na teologia da libertação, é a ênfase no Jesus histórico, no Jesus que vem narrado nos evangelhos. Trata-se de alguém marcado pelo princípio misericórdia, pela dinâmica da hospitalidade e da acolhida. Em Jesus transparece a face de um Deus amoroso, com entranhas de ternura e misericórdia, que se compadece dos mais pobres e excluídos. Para Sobrino, o Jesus histórico é o “ponto de partida da cristologia”. E mostra com clareza que a realidade última não foi para Jesus ele mesmo, nem a igreja, mas o reino de Deus, como reino de afirmação da vida. Jesus é alguém que sempre reenvia a um mistério maior. Para Sobrino, há sempre o risco de se absolutizar o mediador Cristo, esquecendo-se da dupla relacionalidade de Jesus: “sua relacionalidade histórica constitutiva para com o reino de Deus e o Deus do reino”. Não sem razão, Jon Sobrino assinalou que o receio do terceiro mundo é um “Cristo sem Reino”, um mediador sem mediação. Não há porque em nome de uma concentração no mediador relegar a um segundo plano as exigências da mediação do reino, que se traduz pela realização histórica da vontade do Pai. A preocupação central de Sobrino é com a vida dos pobres, a “aterradora evidência” dos povos crucificados na América Latina. A retomada do Jesus histórico seria, a seu ver, um poderoso antídoto contra séculos de exercício de uma fé no Cristo que foi incapaz de enfrentar a miséria da realidade.
A recuperação do novo rosto de Cristo libertador funciona, na pratica, como um desmascaramento do que há de acristão e anticristão nas imagens anteriormente apresentadas. Sobrino fala igualmente na “despacificação de Cristo” e de sua “desidolatrização”, ou seja, a afirmação de uma imagem de Cristo que não permita a isenção dos sujeitos face aos apelos do real, e a utilização de seu nome para a continuidade da opressão. Mas distintamente da perspectiva européia, a preocupação com o Jesus histórico na América Latina é marcada por uma hermenêutica da práxis: para que haja uma relação positiva com o Jesus histórico é necessário que se relacione adequadamente com ele, mediante a práxis do seguimento. Como assinala Sobrino, “o mais histórico de Jesus é sua prática, e acrescentamos o espírito com que a realizou e com o qual a imbuiu: honradez para com a realidade, parcialidade para com o pequeno, misericórdia fundante, fidelidade ao mistério de Deus”. É essa mesma prática e espírito que foram transmitidos por Jesus que se tornam convocação para os cristãos de prosseguimento de sua causa na história. Em nenhum momento da reflexão de Sobrino há uma exclusão do “Cristo total”, mas sim a consciência de que é mediante o Jesus histórico e a práxis de seu seguimento que se dá o acesso ao Cristo da fé.
É motivo de preocupação esta notificação publicada sobre os escritos de Jon Sobrino, pois significa uma desconfiança para com a reflexão teológica latino-americana e uma insensibilidade face aos tremendos desafios que acompanham a realidade de sofrimentos dos pobres no continente. Como apontou Juan José Tamayo em artigo no jornal El País (13/03/2007), o horizonte da reflexão de Sobrino é a misericórdia, e deixa como mensagem “que a teologia não pode limitar-se a ser uma inteligência fria da fé que passa ao largo do sofrimento dos seres humanos”. Essa atenção ao mundo dos pobres é um marco essencial da teologia de Sobrino. Por ocasião do II Fórum Mundial de Teologia e Libertação, realizado em Nairóbi, em janeiro de 2007, os teólogos do terceiro mundo fizeram uma homenagem a Jon Sobrino. Em sua mensagem indicaram que a obra de Sobrino, em particular sua cristologia, “resulta de uma experiência evangélica, de sua “ruptura epistemológica” e da sua descoberta do “lugar teológico” que são os pobres”. E concluem afirmando que Sobrino “é o mestre que está ajudando mais de uma geração a dar o salto do dogma abstrato, do sonho dogmático, ao encontro do Cristo vivo em seu contexto, em seu lugar teológico que é o povo pobre”.
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