Opinião
- 20 de junho de 2022
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Unidade da Igreja e Testemunho
Por Erní Walter Seibert
Filipe Melâncton foi um dos grandes teólogos que trabalhou com Lutero no período da Reforma. Ele foi reconhecido como sendo o “Preceptor da Alemanha”, um título que mostra que seu valor ia muito além do campo religioso. Uma de suas obras de teologia mais importantes tem o título de Loci Communes. Essa obra foi considerada por Lutero um excelente manual de doutrina cristã. Melâncton vê a teologia não tanto como um sistema, mas como uma série de tópicos ou lugares comuns pelos quais a exposição da fé cristã sempre passa.
Nesse livro, Melâncton diz que a teologia medieval desenvolveu uma forma de olhar para Cristo que ele descreve como contemplativa. A Cristologia havia se tornado uma descrição da pessoa de Cristo, mostrando muitas distinções e definições que, mesmo sendo corretas, não tinham muito a ver com a dinâmica da vida e da fé. Essas definições, segundo Melâncton, não apontavam para o benefício da fé para o ser humano. Alguém podia contemplar tudo isso sem perceber o valor, por exemplo, do perdão, da esperança e da vida. Foi nesse contexto que Melâncton cunhou a célebre frase: “conhecer a Cristo é conhecer os seus benefícios”. O verdadeiro conhecimento de Cristo é saber que, por meio de sua obra redentora, a pessoa tem perdão dos pecados, vida e salvação.
Quero utilizar essa argumentação de Melâncton para refletir sobre o tema da unidade da Igreja. A preocupação com a unidade do corpo de Cristo não é nova. Podemos encontrar suas raízes na própria Bíblia Sagrada. Ao longo da história, não foi fácil tratar desse assunto. É muito mais fácil escrever uma história das divisões da Igreja do que uma história da unidade da Igreja. O Grande Cisma de 1054, que marcou a divisão entre a Igreja do Ocidente e as Igrejas Orientais, não foi a primeira, nem a última, divisão da igreja na história. A Reforma do século 16 é outro capítulo importante da história das divisões. E as divisões não pararam por aí. Até hoje as divisões continuam acontecendo e trazendo problemas para a vida da Igreja.
Essa experiência de divisões na história da Igreja leva a vários questionamentos: afinal, existe unidade no corpo de Cristo? Para que serve a unidade? Existem propósitos obscuros por trás da busca pela unidade? Muitas outras perguntas poderiam ser levantadas e efetivamente são levantadas sobre essa questão.
Nos séculos 18 e 19, a partir das grandes navegações e do contato entre povos que, até ali, não sabiam quase nada da existência de uns e outros, começou um movimento missionário, especialmente a partir da Europa. A Igreja cristã entrou em contato com grande parte da África e Ásia. As Américas também entraram nesse movimento. Quando os missionários das diferentes denominações começaram a se encontrar nos chamados campos missionários, eles sentiram que o seu testemunho da fé cristã seria mais bem compreendido pelos ouvintes se ele fosse menos dividido. Como fruto dessa experiência surgiram muitos encontros de diálogo e aproximação entre as diferentes denominações cristãs.
É nesse ponto que quero unir o argumento de Melâncton sobre o conhecer a Cristo com a palavra de Jesus na Oração Sacerdotal. Em João 17.20-21, Jesus orou: “Não peço somente por estes, mas também por aqueles que vierem a crer em mim, por meio da palavra que eles falarem, a fim de que todos sejam um. E como tu, ó Pai, estás em mim e eu em ti, também eles estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste”. O grande benefício da unidade dos discípulos de Cristo é “para que o mundo creia”. A falta de unidade enfraquece o testemunho da fé cristã.
A unidade que Cristo queria para seus discípulos não era para que eles fossem mais fortes ou poderosos. O grande objetivo da unidade era que houvesse a salvação das pessoas – “para que o mundo creia”. A unidade estava intimamente ligada com a justificação pela fé em Jesus.
Quando pensarmos em unidade, um proveitoso exercício é fazer a pergunta: qual é o benefício que a unidade traz? Se a reposta estiver em consonância com a oração de Jesus – “para que o mundo creia” – teremos um excelente motivo para ficar em unidade uns com os outros. É assim que o Pai, Jesus e o Espírito Santo também estão. Eles estão unidos e querem que nós, o corpo de Cristo, também esteja.
- Erní Walter Seibert é doutor em Ciências da Religião, mestre em Teologia e tem MBA em Marketing de Serviços. É autor de cinco livros e tem trabalhos sobre Teologia e Ciências da Religião publicadas em várias revistas especializadas, tanto no Brasil como no exterior. Atualmente, ocupa o cargo de diretor-executivo da Sociedade Bíblica do Brasil.
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