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Opinião

Uma necessária releitura de Abraham Kuyper

Resenha

Por Rodolfo Amorim Carlos de Souza

O legado de Abraham Kuyper continua a exercer considerável influência sobre o cristianismo protestante ocidental na primeira metade do século 21. Seu conhecido lema articulado na palestra inaugural da Universidade Livre de Amsterdã, em 1880, de que “Não há um só centímetro quadrado da existência humana sobre o qual Cristo, que é soberano sobre tudo, não clame: é meu!”, continua a apelar ao brio e zelo de cristãos em igrejas, seminários e conferências pelo Brasil e mundo afora, agregando novas gerações de adeptos.
 
Porém, como poderíamos avaliar o mérito do legado kuyperiano num contexto em que a igreja evangélica no Brasil e alhures parece exibir precipitação e confusão, para dizer o mínimo, em sua relação com a cultura e, sobretudo, com as dinâmicas políticas? Estariam Kuyper e sua influência invariavelmente comprometidos com projetos de tomada de poder e influência política com um viés conservador nos costumes e liberal na economia? Teria o legado de Kuyper relação com uma visão tradicionalista das artes e com a desconfiança em relação ao empreendimento científico? O racialismo exposto por Kuyper comprometeria sua abordagem em outros campos? Em Calvinismo para uma Era Secular – Uma leitura contemporânea de Abraham Kuyper (Editora Ultimato, 2022), essas e outras perguntas são respondidas de forma honesta e erudita, tendo como base as Palestras Stone, proferidas por Kuyper em 1898 nos Estados Unidos. Além de um confronto de horizontes histórico-culturais entre os princípios propostos por Kuyper e o estado da arte nos distintos campos que abordou em sua palestra, os próprios avanços da tradição kuyperiana são criticamente avaliados.
 
No decorrer da obra, autores especialistas em suas áreas identificados com o kuyperianismo não poupam críticas à abordagem original de Kuyper, buscando apontar caminhos para uma atualização da tradição sem que, com isso, se abandonem os importantes e originais insights do célebre fundador. Entre os vários exemplos de tal avaliação, a visão um tanto etnocêntrica de Kuyper em relação à África do Sul é exposta por Richard J. Mouw; a reformulação do conceito de esferas de soberania para contextos de políticas identitárias é proposta por Jonathan Chaplin; uma abertura dos cristãos para avanços específicos no campo das ciências, como relativo à teoria evolutiva, é defendida por Deborah B. Haarsma; e Vincent Bacote sugere um necessário caminho de correção de rota na avaliação do racialismo (e consequente racismo) identificável na obra do próprio Kuyper.
 
Calvinismo para uma Era Secular se torna ainda mais relevante no contexto brasileiro por sua capacidade simultânea de (1) corrigir ênfases entre aqueles que abraçaram e aplicam acriticamente a tradição de Kuyper e (2) convidar cristãos em tempos de confusão cultural a considerarem a adoção de uma tradição que tem frutificado em vários campos e permanecido viva mesmo em face das críticas internas e externas que enfrenta há mais de um século. Pela maturidade evidenciada por seus principais proponentes atuais, o kuyperianismo demonstra vigor e uma necessária capacidade de se renovar em uma era secular.

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