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Por Escrito

Uma breve história da cristandade a partir da atuação do Espírito Santo na Igreja, segundo Charles Williams

Resenha
Por César Moisés Carvalho
 
Charles Williams
Mundo Cristão
 
Símbolos possuem uma capacidade única de transmitir algo que não é possível captar com descrições literais. Na literatura, seja artística seja religiosa, a utilização de símbolos é um recurso muito recorrente. Como figura de linguagem, uma metáfora, por exemplo, exprime conceitos com uma riqueza que torna inteligível, às vezes até lúdica, uma verdade hermética. Qualquer cristão trinitariano, seja do cristianismo ocidental ou do oriental, sabe que a pomba é um dos principais símbolos do Espírito Santo. Surpreendentemente, o teólogo dominicano Yves Congar, diz que, a despeito das numerosas tentativas de se explicar a origem e o significado da pomba, ela “não era símbolo do Espírito nem no Antigo Testamento nem entre os rabinos”.1 Não houve preparação alguma para o uso deste símbolo, além do segundo versículo do primeiro livro da Bíblia que diz que o “Espírito de Deus pairava sobre as águas” (Gn 1.2), texto que, na opinião de alguns intérpretes e, pelo fato de o hebraico ser uma língua pictórica, evoca a imagem de uma ave pairando sobre o ninho para cuidar de seus ovos ou filhotes.
 
Uma história da cristandade
 
E foi justamente este símbolo do Espírito Santo, que o romancista, poeta, crítico literário, historiador e teólogo inglês, Charles Williams (1886-1945), utilizou não apenas como título de sua obra-prima — A Descida da Pomba —, que seria, inicialmente, Uma História da Cristandade, mas sim como leitmotiv, isto é, como motivo condutor, para contar a formação da cristandade ao longo dos seus primeiros vinte séculos. Obviamente que, como qualquer autor que se propõe a escrever a trajetória de uma religião tão diversificada, antiga e numerosa quanto à cristã, ao se eleger um fio de Ariadne, privilegia-se determinados acontecimentos em detrimento de outros. Sendo assim, até mesmo pela quantidade de páginas da obra (288 p.), lançada em 2019 pela Mundo Cristão, o leitor não deve esperar nada mais que “uma breve história do Espírito Santo na Igreja”.
 
O despretensioso subtítulo, não apenas pelo adjetivo “breve”, já dá o tom de honestidade historiográfica que todo autor responsável tem, pois Williams não escreveu a história, mas uma história em nove capítulos, ou seja, a sua perspectiva acerca da atuação do Espírito Santo na Igreja. Só por esses aspectos, dignos de destaque, sua obra já merece crédito, todavia, o grande mérito de seu trabalho é o fato de o autor privilegiar a terceira pessoa da Santíssima Trindade como curso orientador de sua narrativa, mesmo não tendo ele pertencido a uma tradição, ou expressão, carismática da fé.
 
Engana-se, porém, quem pensa que se deparará somente com mais um livro didático de história cujo objetivo geralmente resume-se a fornecer datas, locais e personagens, fazendo o leitor não especializado entediar-se rapidamente. Longe disso! Ao ler Charles Williams, o leitor se certificará que sua prosa é construída com invulgar capacidade, própria dos grandes literatos (não à toa ele fora elogiado pelo poeta e crítico norte-americano T. S. Eliot). Aliás, ele, ao lado do conhecidíssimo C. S. Lewis — sobre quem exerceu enorme influência — e J. R. R. Tolkien, formavam o The Inklings, um grupo de discussão sobre literatura. Sinceramente não conhecia Charles Williams e penso que a maioria dos leitores brasileiros também não o conhece, pois esta é a sua primeira obra traduzida para o nosso vernáculo. Contudo, asseguro aos leitores que tanto apreciam o autor de Cristianismo Puro e Simples, que podem comemorar o fato de contar com mais um autor anglicano cujo estilo em nada deixa a dever ao “mais relutante dos convertidos”.
 
A coinerência
 
A comunidade cristã brasileira, seja evangélica ou não, quer carismática ou não, ganha com a publicação desta obra, posto ela marcar o pioneirismo da literatura cristã na abordagem de um dos temas mais negligenciados do edifício teológico que é a doutrina do Espírito Santo (pneumatologia). Não apenas isso, mas a forma muito original e sutil de tratar da atuação da “Pomba”, e o quanto Ela parece ser uma presença inconveniente e propositalmente esquecida, despertam-nos para a verdade de que, mesmo tendo decorrido mais de oitenta anos desde a publicação da primeira edição de A Descida da Pomba, a obra permanece atual, pois ainda são muito tímidas as produções exclusivamente dedicadas a terceira Pessoa da Trindade. Tal observação reveste-se de particular relevância vinda de um pentecostal que faz mea-culpa a respeito deste déficit.

Já na dedicatória, na nota introdutória dos editores e também na primeira página do prefácio do autor, é explicitado um conceito teológico medieval que pode ser tranquilamente substituído por “amor”, pois alude ao efeito catalisador produzido pelo “estado de graça” proporcionado pela conversão que, como sabemos, é obra do Espírito Santo. Trata-se do conceito de coinerência que, conforme observa o autor depois de explicá-lo por mais de uma dezena de vezes, afirma: “A coinerência não está acabada quando é nomeada” (p. 205). Tal expressão promove o liame entre a economia trinitária e entre o Corpo de Cristo com a Trindade, bem como dos membros do Corpo entre si. Ainda que saibamos, por vezes esquecemos, a coinerência é obra da “Pomba” que desceu sobre a Igreja no Pentecostes. É isso que Charles Williams nos lembra de maneira magistral.
 
NOTA
1 CONGAR, Yves. Revelação e Experiência do Espírito. 2.ed. São Paulo: Paulinas, 2009, p. 34 (Coleção Creio no Espírito Santo 1).
 
• César Moisés Carvalho, pastor assembleiano, pós-graduado em Teologia pela PUC-Rio e mestrando em História pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Autor de, entre outros, Pentecostalismo e Pós-Modernidade (CPAD).

>> Confira a edição de março/abril da revista Ultimato: Saudades do Pentecostes
 
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