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- 03 de março de 2022
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Um tributo a Tonica – 50 anos de ministério
Conteúdo oferecido em “mais na internet" da edição 394 de Ultimato
Por Maria do Livramento Alves
Antonia Leonora van der Meer (Tonica)
A família e a infância
Tonica nasceu em 1946 numa família com três irmãs e três irmãos, de origem holandesa. Frequentava a igreja, ouvia a leitura da Bíblia todos os dias, nas vozes de seu pai e de seu avô após as refeições. Seu pai, um jovem holandês, quis ser missionário, mas era de uma família pobre, sem possibilidade de fazer seminário. Sua mãe também era uma senhora cristã, e cada filho ela consagrou a Deus.
Aos 4 ou 5 anos, Tonica já se mostrava uma pessoa extremamente humana. Ficou muito emocionada com a história da reconciliação entre Jacó e Esaú. Fez até poesia com base nessa história.
Era também a mais rebelde, e ficava revoltada com qualquer injustiça.
Sua vida foi marcada por sofrimentos e enfermidades. Logo quando bebê, teve várias convulsões e, algumas vezes, ficava em estado de coma.
Até os 6 anos de idade, desmaiava sempre que batia a cabeça.
O chamado na adolescência
Na adolescência, sofreu com infecções no nervo ótico. Chegou a ficar com apenas 10% da visão do olho direito.
Tudo que fazia era de todo o coração. Gostava de estudar, ler, brincar, explorar, procurar aventuras, e fazia tudo isso com empenho.
Aos 12 anos, sua igreja recebeu pela primeira vez a visita de um missionário. Ele tinha trabalhado na Indonésia e contou suas experiências. Ela ficou tão impressionada que, à noite, antes de dormir, orou: “Deus, se tu quiseres que eu também seja uma missionária, ajuda-me a sonhar isso de noite.” De fato, naquela noite sonhou que estava falando de Jesus a crianças negras.
Aos 16 anos, começou a trabalhar no escritório de uma cooperativa, mas estava insatisfeita, queria alguma coisa a mais.
Foi então que fez sua profissão de fé, depois de insistências do pastor. Mas, no fundo, tinha várias dúvidas, inclusive sobre a igreja. Desenvolveu uma grande capacidade para se desligar e sonhar quando a Bíblia era lida na igreja ou durante os sermões.
Em 1963, sua família passou por várias crises de enfermidades e mortes. Perderam três tios e um avô em um breve espaço de tempo. Três deles por causa de choque anafilático, durante uma cirurgia.
Tonica entrou numa fase de questionar e começar a duvidar da realidade de muitos assuntos de fé. Só não questionava a existência de Deus e de Jesus Cristo. Ficava muito perturbada com os problemas sociais, mas não via solução.
Estudou para prestar o vestibular. Como gostava muito de línguas, fez para Letras. Em 1969, iniciou sua graduação na Universidade de Curitiba. Quando percebeu que era inteligente, começou a sonhar com uma carreira universitária. Enquanto estudava, trabalhou como balconista. Estudava com muita vontade e foi bem-sucedida.
A vida universitária e a ABU
Durante os anos de faculdade (1969-1970), acabou conhecendo a Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABUB) por meio de uma amiga e colega de república. A princípio não se interessou. Felizmente, a colega continuou incentivando e conseguiu levá-la a um Curso de Férias da ABUB em Goiânia. Ela não entendia as experiências que as pessoas compartilhavam, tudo parecia irreal. Numa noite houve uma reunião de oração em que todos, espontaneamente, começaram a derramar seu coração diante de Deus. Pensou: “se eu soubesse orar assim, também oraria”. Mas, no fim, não aguentou; também abriu a boca, derramou seu coração e sentiu um banho do amor de Deus, maravilhoso, profundo. Depois dessa oração, tudo mudou. Quando voltou para casa e começou a compartilhar suas experiências, seus pais ficaram felizes e pediram para ela escrever seu testemunho. Seria publicado na revista da cooperativa, onde seu pai trabalhava.
Voltou a Curitiba e integrou-se na ABU. Desde então, ela começou a trabalhar com estudos bíblicos. Dois anos depois, em 1972, mudou-se para Brasília, como estudante, para trabalhar na Embaixada da Holanda. Mas o que a motivou foi o chamado de Deus para ajudar a formar grupos da ABU no Planalto Central.
Teve muitas boas influências naquela época, como: Robinson Cavalcanti, René Padilla, Russell Shedd, Samuel Escobar, entre outros.
Era o tempo da ditadura militar e não era fácil conviver em um ambiente universitário repressivo. Mas, graças a Deus, isso não foi barreira e logo começaram os estudos bíblicos. Além da ABU, trabalhou com visitas a doentes e orfanatos.
Em 1975, depois de viver três anos com um bom salário, na Embaixada, decidiu viver com um salário de “missionário”, trabalhar tempo integral e viver pela fé.
Participou ativamente do Primeiro Congresso Missionário da ABU, realizado em janeiro de 1976, em Curitiba. Foi ali que ouviu os primeiros apelos aos brasileiros em favor de Angola e Moçambique. Mas sempre pensava: “Sou branca demais, tenho cara e nome parecidos com os sul-africanos. Vou despertar ressentimento com minha presença depois de tudo o que os africanos sofreram nas mãos dos brancos”.
Em 1977, mudou-se de Brasília para São Paulo, onde passou a ser secretária da ABUB. No início foi difícil, mas logo se integrou às atividades, sempre fazendo viagens a convite de grupos locais. Novos grupos começaram a nascer depois de muito trabalho na ABU de São Paulo.
O preparo missionário
Quando teve certeza do seu chamado para missões transculturais, quis estudar para se preparar melhor, mas não sabia aonde ir nem de onde viriam os recursos. Por fim, entre os anos de 1980 e 1982, apesar de muitas lutas, Deus lhe deu recursos e sustentou seu tempo no All Nations Christian College, na Inglaterra. Mas, mesmo com o cuidado de Deus, voltava a ter dúvidas sobre seu chamado nas horas de tribulações.
Foi na Inglaterra que ela sentiu que seu ministério seria mesmo na África. Descobriu uma doença de pele. Não poderia se expor ao sol, mas, depois de algum tratamento, foi liberada para ir desde que seguisse muitos cuidados e usasse protetor solar.
Voltou ao Brasil depois de dois anos, convencida do continente onde deveria exercer seu ministério. Só não sabia exatamente com quem ou onde deveria trabalhar. Era agosto de 1982. Voltou a trabalhar na ABUB. Seu sustento vinha de amigos mantenedores sempre fiéis. Escrevia livros com estudos bíblicos.
O ministério em Angola
Enfim recebeu o convite para trabalhar com estudantes em Angola. Em 1984, viajou para lá, aterrissando em Luanda. Uns irmãos brasileiros, fazedores de tendas, foram recebê-la. Enfrentou várias maratonas para resolver o visto.
Começou visitando algumas igrejas, estudantes e missionários em algumas cidades para conhecer um pouco da cultura. Por onde ia, era sempre bem recebida.
Época de guerra, passou por bombardeios e tiroteios. Os ataques eram frequentes. Às vezes, tinha que dormir no chão, para não ser atingida. Algumas vezes passou fome e sofreu muito com enfermidades locais. Foi um tempo precioso de aprendizagem, vendo também o sofrimento das pessoas, das crianças. O sistema marxista predominava, mantendo o controle; até a comida era racionada.
Em 1992, voltou temporariamente ao Brasil para redigir e defender sua tese de mestrado. Já se via que “seu coração tinha sido picado pelo mosquito africano”, pois o assunto da tese foi sobre as muitas semelhanças entre a forma, o conteúdo e o uso de provérbios africanos e bíblicos, mostrando valores das culturas africanas.
No mesmo ano, voltou para a África. Além de trabalhar com estudantes, foi professora do Instituto Superior de Teologia Evangélica de Lubango, em Angola, e outros seminários. Também visitava os enfermos e os deficientes físicos vítimas da guerra. Discipulava, visitava igrejas e missionários, treinava líderes e implantava grupos de estudos bíblicos.
Seus líderes africanos decidiram que devia sair de Angola porque já tinha treinado líderes locais para os grupos de estudantes em Angola e Moçambique. Até hoje mantém contato e ajuda como pode seus discípulos e filhos na fé.
Tonica fez muitas amizades com pessoas com deficiências físicas que estavam internados e ajudou na formação de uma Associação de Deficientes Físicos que tem o nome FENADOR (Felicidade na Dor), porque essas pessoas sofridas descobriram uma nova felicidade em seu relacionamento com Deus. Continua apoiando a FENADOR.
O ministério no CEM
Em 1995, voltou ao Brasil para preparar líderes para o campo transcultural. Foi diretora (por dois períodos), deã e professora do Centro Evangélico de Missões, em Viçosa, MG.
Em 1996, com o apoio de Osmar Ludovico, realizou o primeiro Encontro de Restauração para Missionários. Houve outros encontros nos anos seguintes, sempre em Viçosa, no CEM.
Foi uma das fundadoras do CIM – Cuidado Integral de Missionários, hoje um departamento da Associação Brasileira de Missões Transculturais (AMTB), no qual continua envolvida.
Com muito empenho e disciplina, conseguiu fazer seu doutorado em Missiologia pela Asia Graduate School of Theology, das Filipinas. Fez à distância, com uma viagem anual de cinquenta horas, seguidas de duas semanas intensivas de trabalho e discussões. Terminou em dezembro de 2005. O tema de sua tese foi sobre o cuidado ativo a missionários que servem em contextos de sofrimento.
De volta às origens
Em outubro de 2013, voltou a Carambeí, no Paraná, sua cidade de origem, com o intuito de também ser bênção para a igreja e a comunidade onde cresceu, além de poder estar próxima da família.
Hoje é presbítera de missão da sua igreja, com várias tarefas e reuniões, procurando estimular a visão missionária e fazendo visitas a doentes e idosos.
Participa ativamente, principalmente à distância, de vários ministérios e instituições missionárias, como Interserve (é membro do Conselho Nacional no Brasil e do Conselho Regional da América Latina), CIM Brasil AMTB (está passado do Conselho Deliberativo para o Conselho Consultivo) e Epafras (faz visitas a prisioneiros holandeses no Estado de São Paulo). Neste último, desde o início da pandemia, só tem conseguido apoiar algumas mulheres por WhatsApp, já que as visitas foram proibidas.
Seus livros
Na ABUB, de 1982 a 1984, serviu na área de preparar livros de Estudo Bíblico Indutivo, um deles com esse nome e vários outros, com uma série de estudos.
Mais tarde, a Editora Ultimato publicou sua autobiografia missionária Eu um Missionário?, um livro sobre o cuidado missionário, Missionários Feridos, e foi a coordenadora da versão em português do livro Sangue, Sofrimento e Fé.
Junto com o CIM Brasil AMTB, organizou os livros Perspectivas do Cuidado Missionário e Missionários Solteiros, mas não Solitários, ambos pela Editora Descoberta.
Além disso, escreveu muitos artigos em vários livros e na Ultimato, onde também coordena o blog Caminhos da missão.
Com a colaboração de Délnia Bastos.
Linha do Tempo
Antonia Leonora van der Meer (Tonica)
1946 • No dia 24 de outubro, em Carembeí, PR, nasce Antonia, filha de imigrantes holandeses reformados
1958 • Aos 12 anos, tem seu chamado ouvindo um missionário compartilhar suas experiências na Indonésia
1962 • Aos 16 anos, faz sua pública profissão de fé na Igreja Reformada de Carembeí, PR
1963 • Sua família passa por duras experiências de doença e morte
1969 • Inicia seus estudos de Letras na Universidade de Curitiba
1969-1970 • Conhece a Aliança Bíblica Universitária (ABU) – paixão à primeira vista que duraria por toda a vida
1972 • Muda-se para Brasília para trabalhar na Embaixada Holandesa, motivada a apoiar a formaçao de grupos da ABU no Planalto Central
1975 • Decide trabalhar tempo integral para Deus e viver pela fé
1976 • Em janeiro, participa ativamente do histórico Primeiro Congresso Missionário da ABUB, realizado em Curitiba
1977 • Muda-se para a capital de São Paulo, onde passa a ser secretária da ABUB
1980-1982 • Estuda no All Nations Christian College, na Inglaterra, para ter seu tão sonhado preparo missionário. Ali, tem confirmação do seu chamado ministerial para a África
1982 • Em agosto, volta a trabalhar na ABUB
1984 • Muda-se como missionária para Luanda, Angola, onde inicia seu ministério entre estudantes universitários de Angola e Moçambique. Além disso, visita enfermos e deficientes físicos vítimas da guerra, discipula, visita igrejas e missionários, ensina em seminários, treina líderes e implanta grupos de estudos bíblicos. Ajuda a criar a FENADOR (Felicidade na Dor), uma Associação de Deficientes Físicos
1992 • Passa alguns meses no Brasil para escrever sua tese de mestrado sobre as muitas semelhanças entre a forma, o conteúdo e o uso de provérbios africanos e bíblicos
1995 • Retorna ao Brasil como diretora, deã e professora do Centro Evangélico de Missões (CEM), em Viçosa, MG
1996 • Realiza, com outros, o primeiro Encontro de Restauração para Missionários no CEM, em Viçosa, MG
1999 • Inicia, com outros, o grupo do Cuidado Integral do Missionário (CIM), que, anos depois, se tornaria um Departamento da Associação de Missões Transculturais Brasileiras (AMTB)
2001 • Funda, com outros, a Associação de Fazedores de Tendas do Brasil (AFTB), hoje Departamento Profissionais e Empresas em Missões, também da AMTB
2003 • Participa da fundação da Interserve Brasil, em parceria com o CEM, em Viçosa, MG. A partir daí, exerce vários cargos de liderança tanto na Interserve Brasil como internacionalmente
2005 • Em dezembro, finaliza seu doutorado em Missiologia pela Asia Graduate School of Theology, nas Filipinas. O tema de sua tese é sobre o cuidado ativo a missionários que servem em contextos de sofrimento
2013 • Em outubro, volta para Carambeí com o intuito de também ser bênção para a igreja e a comunidade onde cresceu, além de poder estar próxima da família
2014 • Inicia seu ministério com Epafras para visitar presos holandeses no Brasil
2016 • É convidada para ser mentora no Encontro de Líderes Jovens de Lausanne, em Jacarta, Indonésia
2019 • É eleita presbítera de missão da sua igreja local
Por Maria do Livramento Alves
Antonia Leonora van der Meer (Tonica)
A família e a infância
Tonica nasceu em 1946 numa família com três irmãs e três irmãos, de origem holandesa. Frequentava a igreja, ouvia a leitura da Bíblia todos os dias, nas vozes de seu pai e de seu avô após as refeições. Seu pai, um jovem holandês, quis ser missionário, mas era de uma família pobre, sem possibilidade de fazer seminário. Sua mãe também era uma senhora cristã, e cada filho ela consagrou a Deus.
Aos 4 ou 5 anos, Tonica já se mostrava uma pessoa extremamente humana. Ficou muito emocionada com a história da reconciliação entre Jacó e Esaú. Fez até poesia com base nessa história.
Era também a mais rebelde, e ficava revoltada com qualquer injustiça.
Sua vida foi marcada por sofrimentos e enfermidades. Logo quando bebê, teve várias convulsões e, algumas vezes, ficava em estado de coma.
Até os 6 anos de idade, desmaiava sempre que batia a cabeça.
O chamado na adolescência
Na adolescência, sofreu com infecções no nervo ótico. Chegou a ficar com apenas 10% da visão do olho direito.
Tudo que fazia era de todo o coração. Gostava de estudar, ler, brincar, explorar, procurar aventuras, e fazia tudo isso com empenho.
Aos 12 anos, sua igreja recebeu pela primeira vez a visita de um missionário. Ele tinha trabalhado na Indonésia e contou suas experiências. Ela ficou tão impressionada que, à noite, antes de dormir, orou: “Deus, se tu quiseres que eu também seja uma missionária, ajuda-me a sonhar isso de noite.” De fato, naquela noite sonhou que estava falando de Jesus a crianças negras.
Aos 16 anos, começou a trabalhar no escritório de uma cooperativa, mas estava insatisfeita, queria alguma coisa a mais.
Foi então que fez sua profissão de fé, depois de insistências do pastor. Mas, no fundo, tinha várias dúvidas, inclusive sobre a igreja. Desenvolveu uma grande capacidade para se desligar e sonhar quando a Bíblia era lida na igreja ou durante os sermões.
Em 1963, sua família passou por várias crises de enfermidades e mortes. Perderam três tios e um avô em um breve espaço de tempo. Três deles por causa de choque anafilático, durante uma cirurgia.
Tonica entrou numa fase de questionar e começar a duvidar da realidade de muitos assuntos de fé. Só não questionava a existência de Deus e de Jesus Cristo. Ficava muito perturbada com os problemas sociais, mas não via solução.
Estudou para prestar o vestibular. Como gostava muito de línguas, fez para Letras. Em 1969, iniciou sua graduação na Universidade de Curitiba. Quando percebeu que era inteligente, começou a sonhar com uma carreira universitária. Enquanto estudava, trabalhou como balconista. Estudava com muita vontade e foi bem-sucedida.
A vida universitária e a ABU
Durante os anos de faculdade (1969-1970), acabou conhecendo a Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABUB) por meio de uma amiga e colega de república. A princípio não se interessou. Felizmente, a colega continuou incentivando e conseguiu levá-la a um Curso de Férias da ABUB em Goiânia. Ela não entendia as experiências que as pessoas compartilhavam, tudo parecia irreal. Numa noite houve uma reunião de oração em que todos, espontaneamente, começaram a derramar seu coração diante de Deus. Pensou: “se eu soubesse orar assim, também oraria”. Mas, no fim, não aguentou; também abriu a boca, derramou seu coração e sentiu um banho do amor de Deus, maravilhoso, profundo. Depois dessa oração, tudo mudou. Quando voltou para casa e começou a compartilhar suas experiências, seus pais ficaram felizes e pediram para ela escrever seu testemunho. Seria publicado na revista da cooperativa, onde seu pai trabalhava.
Voltou a Curitiba e integrou-se na ABU. Desde então, ela começou a trabalhar com estudos bíblicos. Dois anos depois, em 1972, mudou-se para Brasília, como estudante, para trabalhar na Embaixada da Holanda. Mas o que a motivou foi o chamado de Deus para ajudar a formar grupos da ABU no Planalto Central.
Teve muitas boas influências naquela época, como: Robinson Cavalcanti, René Padilla, Russell Shedd, Samuel Escobar, entre outros.
Era o tempo da ditadura militar e não era fácil conviver em um ambiente universitário repressivo. Mas, graças a Deus, isso não foi barreira e logo começaram os estudos bíblicos. Além da ABU, trabalhou com visitas a doentes e orfanatos.
Em 1975, depois de viver três anos com um bom salário, na Embaixada, decidiu viver com um salário de “missionário”, trabalhar tempo integral e viver pela fé.
Participou ativamente do Primeiro Congresso Missionário da ABU, realizado em janeiro de 1976, em Curitiba. Foi ali que ouviu os primeiros apelos aos brasileiros em favor de Angola e Moçambique. Mas sempre pensava: “Sou branca demais, tenho cara e nome parecidos com os sul-africanos. Vou despertar ressentimento com minha presença depois de tudo o que os africanos sofreram nas mãos dos brancos”.
Em 1977, mudou-se de Brasília para São Paulo, onde passou a ser secretária da ABUB. No início foi difícil, mas logo se integrou às atividades, sempre fazendo viagens a convite de grupos locais. Novos grupos começaram a nascer depois de muito trabalho na ABU de São Paulo.
O preparo missionário
Quando teve certeza do seu chamado para missões transculturais, quis estudar para se preparar melhor, mas não sabia aonde ir nem de onde viriam os recursos. Por fim, entre os anos de 1980 e 1982, apesar de muitas lutas, Deus lhe deu recursos e sustentou seu tempo no All Nations Christian College, na Inglaterra. Mas, mesmo com o cuidado de Deus, voltava a ter dúvidas sobre seu chamado nas horas de tribulações.
Foi na Inglaterra que ela sentiu que seu ministério seria mesmo na África. Descobriu uma doença de pele. Não poderia se expor ao sol, mas, depois de algum tratamento, foi liberada para ir desde que seguisse muitos cuidados e usasse protetor solar.
Voltou ao Brasil depois de dois anos, convencida do continente onde deveria exercer seu ministério. Só não sabia exatamente com quem ou onde deveria trabalhar. Era agosto de 1982. Voltou a trabalhar na ABUB. Seu sustento vinha de amigos mantenedores sempre fiéis. Escrevia livros com estudos bíblicos.
O ministério em Angola
Enfim recebeu o convite para trabalhar com estudantes em Angola. Em 1984, viajou para lá, aterrissando em Luanda. Uns irmãos brasileiros, fazedores de tendas, foram recebê-la. Enfrentou várias maratonas para resolver o visto.
Começou visitando algumas igrejas, estudantes e missionários em algumas cidades para conhecer um pouco da cultura. Por onde ia, era sempre bem recebida.
Época de guerra, passou por bombardeios e tiroteios. Os ataques eram frequentes. Às vezes, tinha que dormir no chão, para não ser atingida. Algumas vezes passou fome e sofreu muito com enfermidades locais. Foi um tempo precioso de aprendizagem, vendo também o sofrimento das pessoas, das crianças. O sistema marxista predominava, mantendo o controle; até a comida era racionada.
Em 1992, voltou temporariamente ao Brasil para redigir e defender sua tese de mestrado. Já se via que “seu coração tinha sido picado pelo mosquito africano”, pois o assunto da tese foi sobre as muitas semelhanças entre a forma, o conteúdo e o uso de provérbios africanos e bíblicos, mostrando valores das culturas africanas.
No mesmo ano, voltou para a África. Além de trabalhar com estudantes, foi professora do Instituto Superior de Teologia Evangélica de Lubango, em Angola, e outros seminários. Também visitava os enfermos e os deficientes físicos vítimas da guerra. Discipulava, visitava igrejas e missionários, treinava líderes e implantava grupos de estudos bíblicos.
Seus líderes africanos decidiram que devia sair de Angola porque já tinha treinado líderes locais para os grupos de estudantes em Angola e Moçambique. Até hoje mantém contato e ajuda como pode seus discípulos e filhos na fé.
Tonica fez muitas amizades com pessoas com deficiências físicas que estavam internados e ajudou na formação de uma Associação de Deficientes Físicos que tem o nome FENADOR (Felicidade na Dor), porque essas pessoas sofridas descobriram uma nova felicidade em seu relacionamento com Deus. Continua apoiando a FENADOR.
O ministério no CEM
Em 1995, voltou ao Brasil para preparar líderes para o campo transcultural. Foi diretora (por dois períodos), deã e professora do Centro Evangélico de Missões, em Viçosa, MG.
Em 1996, com o apoio de Osmar Ludovico, realizou o primeiro Encontro de Restauração para Missionários. Houve outros encontros nos anos seguintes, sempre em Viçosa, no CEM.
Foi uma das fundadoras do CIM – Cuidado Integral de Missionários, hoje um departamento da Associação Brasileira de Missões Transculturais (AMTB), no qual continua envolvida.
Com muito empenho e disciplina, conseguiu fazer seu doutorado em Missiologia pela Asia Graduate School of Theology, das Filipinas. Fez à distância, com uma viagem anual de cinquenta horas, seguidas de duas semanas intensivas de trabalho e discussões. Terminou em dezembro de 2005. O tema de sua tese foi sobre o cuidado ativo a missionários que servem em contextos de sofrimento.
De volta às origens
Em outubro de 2013, voltou a Carambeí, no Paraná, sua cidade de origem, com o intuito de também ser bênção para a igreja e a comunidade onde cresceu, além de poder estar próxima da família.
Hoje é presbítera de missão da sua igreja, com várias tarefas e reuniões, procurando estimular a visão missionária e fazendo visitas a doentes e idosos.
Participa ativamente, principalmente à distância, de vários ministérios e instituições missionárias, como Interserve (é membro do Conselho Nacional no Brasil e do Conselho Regional da América Latina), CIM Brasil AMTB (está passado do Conselho Deliberativo para o Conselho Consultivo) e Epafras (faz visitas a prisioneiros holandeses no Estado de São Paulo). Neste último, desde o início da pandemia, só tem conseguido apoiar algumas mulheres por WhatsApp, já que as visitas foram proibidas.
Seus livros
Na ABUB, de 1982 a 1984, serviu na área de preparar livros de Estudo Bíblico Indutivo, um deles com esse nome e vários outros, com uma série de estudos.
Mais tarde, a Editora Ultimato publicou sua autobiografia missionária Eu um Missionário?, um livro sobre o cuidado missionário, Missionários Feridos, e foi a coordenadora da versão em português do livro Sangue, Sofrimento e Fé.
Junto com o CIM Brasil AMTB, organizou os livros Perspectivas do Cuidado Missionário e Missionários Solteiros, mas não Solitários, ambos pela Editora Descoberta.
Além disso, escreveu muitos artigos em vários livros e na Ultimato, onde também coordena o blog Caminhos da missão.
Com a colaboração de Délnia Bastos.
Linha do Tempo
Antonia Leonora van der Meer (Tonica)
1946 • No dia 24 de outubro, em Carembeí, PR, nasce Antonia, filha de imigrantes holandeses reformados
1958 • Aos 12 anos, tem seu chamado ouvindo um missionário compartilhar suas experiências na Indonésia
1962 • Aos 16 anos, faz sua pública profissão de fé na Igreja Reformada de Carembeí, PR
1963 • Sua família passa por duras experiências de doença e morte
1969 • Inicia seus estudos de Letras na Universidade de Curitiba
1969-1970 • Conhece a Aliança Bíblica Universitária (ABU) – paixão à primeira vista que duraria por toda a vida
1972 • Muda-se para Brasília para trabalhar na Embaixada Holandesa, motivada a apoiar a formaçao de grupos da ABU no Planalto Central
1975 • Decide trabalhar tempo integral para Deus e viver pela fé
1976 • Em janeiro, participa ativamente do histórico Primeiro Congresso Missionário da ABUB, realizado em Curitiba
1977 • Muda-se para a capital de São Paulo, onde passa a ser secretária da ABUB
1980-1982 • Estuda no All Nations Christian College, na Inglaterra, para ter seu tão sonhado preparo missionário. Ali, tem confirmação do seu chamado ministerial para a África
1982 • Em agosto, volta a trabalhar na ABUB
1984 • Muda-se como missionária para Luanda, Angola, onde inicia seu ministério entre estudantes universitários de Angola e Moçambique. Além disso, visita enfermos e deficientes físicos vítimas da guerra, discipula, visita igrejas e missionários, ensina em seminários, treina líderes e implanta grupos de estudos bíblicos. Ajuda a criar a FENADOR (Felicidade na Dor), uma Associação de Deficientes Físicos
1992 • Passa alguns meses no Brasil para escrever sua tese de mestrado sobre as muitas semelhanças entre a forma, o conteúdo e o uso de provérbios africanos e bíblicos
1995 • Retorna ao Brasil como diretora, deã e professora do Centro Evangélico de Missões (CEM), em Viçosa, MG
1996 • Realiza, com outros, o primeiro Encontro de Restauração para Missionários no CEM, em Viçosa, MG
1999 • Inicia, com outros, o grupo do Cuidado Integral do Missionário (CIM), que, anos depois, se tornaria um Departamento da Associação de Missões Transculturais Brasileiras (AMTB)
2001 • Funda, com outros, a Associação de Fazedores de Tendas do Brasil (AFTB), hoje Departamento Profissionais e Empresas em Missões, também da AMTB
2003 • Participa da fundação da Interserve Brasil, em parceria com o CEM, em Viçosa, MG. A partir daí, exerce vários cargos de liderança tanto na Interserve Brasil como internacionalmente
2005 • Em dezembro, finaliza seu doutorado em Missiologia pela Asia Graduate School of Theology, nas Filipinas. O tema de sua tese é sobre o cuidado ativo a missionários que servem em contextos de sofrimento
2013 • Em outubro, volta para Carambeí com o intuito de também ser bênção para a igreja e a comunidade onde cresceu, além de poder estar próxima da família
2014 • Inicia seu ministério com Epafras para visitar presos holandeses no Brasil
2016 • É convidada para ser mentora no Encontro de Líderes Jovens de Lausanne, em Jacarta, Indonésia
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