Por Escrito
- 20 de agosto de 2018
- Visualizações: 4931
- comente!
- +A
- -A
- compartilhar
Um romance sobre idolatria e a identidade humana
Por Norma Braga
Até que tenhamos rostos, de C. S. Lewis, é mais um romance que tem a idolatria como um dos temas principais. Emocionou-me em vários momentos. Creio que toda mulher cristã que for minimamente sincera consigo mesma não deixará de identificar-se com a personagem principal em suas contradições, sua tendência para o mal, seu ceder progressivo a desejos que contrariam a consciência. (Não contarei se houve redenção, pois seria spoiler!)
Para esta girardiana obsessiva, foi impossível deixar de perceber a ambiguidade inerente ao mecanismo do bode expiatório quando decidem justamente sacrificar, como Grande Oferenda, a Amaldiçoada. Em A violência e o sagrado, Girard já havia chamado a atenção para essa característica tão central dos sacrifícios, a visão do sacrificado imersa em profunda ambiguidade, como atesta esse canto de investidura do Moro-Naba, na tribo dos Mossi em Uagadugu: Tu és um excremento,/ Tu és um monte de lixo,/ Tu vens nos matar,/ Tu vens nos salvar.
Essa visão tão distorcida do outro – que em uma hora é o pior dos piores, e em outra, é posto sem cerimônia alguma no pódio dos deuses – é, para mim, uma das marcas mais impressionantes do pecado original nas nossas relações pessoais e no modo com que vemos a nós mesmos. Não há equilíbrio, nem senso de realidade, nas relações idolátricas – que são o que nos resta quando não temos Jesus.
“Entendi bem por que os deuses não falam conosco abertamente, nem nos dão respostas”, diz a personagem principal. “Até que as palavras sejam arrancadas de nós, por que é que eles vão ouvir o murmúrio daquilo que pensamos querer dizer? Como eles podem olhar bem dentro de nossos olhos, se não tivermos rostos?” Rebaixar-nos e rebaixar o outro; elevar-nos ou elevar excessivamente o outro até torná-lo um deus: eis os extremos para onde o pecado que trabalha em nós nos joga, incessantemente, despedaçando as identidades humanas.
Embora não pregue a Jesus de modo manifesto nesse livro, habilmente Lewis nos guia por uma história de pagãos em que a graça de Deus se deixa entrever.
Nota: Resenha publicada no site Literatura e Redenção. Reproduzida com permissão.
• Norma Braga é apaixonada por literatura. Cresceu lendo Monteiro Lobato, converteu-se lendo George Orwell e Nelson Rodrigues, e segue lendo Proust, Fitzgerald, Dostoievsky, Thomas Mann, Flannery O’Connor, C.S. Lewis e muitos outros.
Leia mais
» Ficção, alegorias e mitos podem fortalecer a fé cristã?
» Até que tenhamos rostos: uma reflexão devocional
» 10 dicas para ler “Até Que Tenhamos Rostos”
Até que tenhamos rostos, de C. S. Lewis, é mais um romance que tem a idolatria como um dos temas principais. Emocionou-me em vários momentos. Creio que toda mulher cristã que for minimamente sincera consigo mesma não deixará de identificar-se com a personagem principal em suas contradições, sua tendência para o mal, seu ceder progressivo a desejos que contrariam a consciência. (Não contarei se houve redenção, pois seria spoiler!)
Para esta girardiana obsessiva, foi impossível deixar de perceber a ambiguidade inerente ao mecanismo do bode expiatório quando decidem justamente sacrificar, como Grande Oferenda, a Amaldiçoada. Em A violência e o sagrado, Girard já havia chamado a atenção para essa característica tão central dos sacrifícios, a visão do sacrificado imersa em profunda ambiguidade, como atesta esse canto de investidura do Moro-Naba, na tribo dos Mossi em Uagadugu: Tu és um excremento,/ Tu és um monte de lixo,/ Tu vens nos matar,/ Tu vens nos salvar.
Essa visão tão distorcida do outro – que em uma hora é o pior dos piores, e em outra, é posto sem cerimônia alguma no pódio dos deuses – é, para mim, uma das marcas mais impressionantes do pecado original nas nossas relações pessoais e no modo com que vemos a nós mesmos. Não há equilíbrio, nem senso de realidade, nas relações idolátricas – que são o que nos resta quando não temos Jesus.
“Entendi bem por que os deuses não falam conosco abertamente, nem nos dão respostas”, diz a personagem principal. “Até que as palavras sejam arrancadas de nós, por que é que eles vão ouvir o murmúrio daquilo que pensamos querer dizer? Como eles podem olhar bem dentro de nossos olhos, se não tivermos rostos?” Rebaixar-nos e rebaixar o outro; elevar-nos ou elevar excessivamente o outro até torná-lo um deus: eis os extremos para onde o pecado que trabalha em nós nos joga, incessantemente, despedaçando as identidades humanas.
Embora não pregue a Jesus de modo manifesto nesse livro, habilmente Lewis nos guia por uma história de pagãos em que a graça de Deus se deixa entrever.
Nota: Resenha publicada no site Literatura e Redenção. Reproduzida com permissão.
• Norma Braga é apaixonada por literatura. Cresceu lendo Monteiro Lobato, converteu-se lendo George Orwell e Nelson Rodrigues, e segue lendo Proust, Fitzgerald, Dostoievsky, Thomas Mann, Flannery O’Connor, C.S. Lewis e muitos outros.
Leia mais
» Ficção, alegorias e mitos podem fortalecer a fé cristã?
» Até que tenhamos rostos: uma reflexão devocional
» 10 dicas para ler “Até Que Tenhamos Rostos”
- 20 de agosto de 2018
- Visualizações: 4931
- comente!
- +A
- -A
- compartilhar
QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI.
Ultimato quer falar com você.
A cada dia, mais de dez mil usuários navegam pelo Portal Ultimato. Leem e compartilham gratuitamente dezenas de blogs e hotsites, além do acervo digital da revista Ultimato, centenas de estudos bíblicos, devocionais diárias de autores como John Stott, Eugene Peterson, C. S. Lewis, entre outros, além de artigos, notícias e serviços que são atualizados diariamente nas diferentes plataformas e redes sociais.
PARA CONTINUAR, precisamos do seu apoio. Compartilhe conosco um cafezinho.
Leia mais em Por Escrito
Opinião do leitor
Para comentar é necessário estar logado no site. Clique aqui para fazer o login ou o seu cadastro.
Ainda não há comentários sobre este texto. Seja o primeiro a comentar!
Escreva um artigo em resposta
Para escrever uma resposta é necessário estar cadastrado no site. Clique aqui para fazer o login ou seu cadastro.
Ainda não há artigos publicados na seção "Palavra do leitor" em resposta a este texto.
Assuntos em Últimas
- 500AnosReforma
- Aconteceu Comigo
- Aconteceu há...
- Agenda50anos
- Arte e Cultura
- Biografia e História
- Casamento e Família
- Ciência
- Devocionário
- Espiritualidade
- Estudo Bíblico
- Evangelização e Missões
- Ética e Comportamento
- Igreja e Liderança
- Igreja em ação
- Institucional
- Juventude
- Legado e Louvor
- Meio Ambiente
- Política e Sociedade
- Reportagem
- Resenha
- Série Ciência e Fé Cristã
- Teologia e Doutrina
- Testemunho
- Vida Cristã
Revista Ultimato
+ lidos
- Descobrindo o potencial da diáspora: um chamado à igreja brasileira
- Trabalho sob a perspectiva do reino de Deus
- Jesus [não] tem mais graça
- Onde estão as crianças?
- Não confunda o Natal com Papai Noel — Para celebrar o verdadeiro Natal
- Uma cidade sitiada - Uma abordagem literária do Salmo 31
- C. S. Lewis, 126 anos
- Ultimato recebe prêmio Areté 2024
- Exalte o Altíssimo!
- Paciência e determinação: virtudes essenciais para enfrentar a realidade da vida