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Opinião

Um olhar crítico sobre Lausanne 3

O então presidente do Movimento Lausanne, Doug Birdsall, fala na abertura do evento. Foto: Movimento LausanneEm 2010, no calor do 3º Congresso Lausanne de Evangelização Mundial, ocorrido na Cidade do Cabo, África do Sul, o experiente missiólogo brasileiro, Bertil Ekstrom, diretor da Comissão de Missões da Aliança Evangélica Mundial, concedeu uma entrevista exclusiva para a equipe da Editora Ultimato. Na ocasião, ele fez uma avaliação bem franca do evento (a Aliança também foi uma das organizadoras de Lausanne 3) e sobre as relações da Igreja Global.

Exatamente, três anos se passaram. A dita entrevista nunca foi publicada, mas o Portal Ultimato finalmente faz isso a seguir. Apesar das desvantagens do tempo passado e do imediatismo das respostas, as palavras de Ekstrom ainda soam atuais, principalmente diante da gradiosidade de um movimento global que é Lausanne, da complexidade do mundo atual e da relevância dos caminhos missionários da Igreja.

***


Ultimato - Os temas colocados por Lausanne 3 são relevantes para a igreja brasileira? Eles refletem bem as necessidades/prioridades do mundo todo? Ficou alguma coisa de fora?

Bertil - De uma forma geral, os organizadores foram felizes na escolha dos temas. Claro, é impossível tratar de todos os assuntos em um único evento. No entanto, estamos tratando de muitos temas (de forma pós-moderna), não nos aprofundando muito na exposição. O que é um ponto forte (maior abrangência) torna-se um ponto fraco (menos profundidade). Eu esperava mais um pouco de aprofundamento sobre contextualização. Também não se falou nada sobre discipulado. Se a nossa tarefa é fazer discípulos precisaríamos ter falado mais.

Eu gostaria de ter visto reflexão e auto-avaliação mais profundas (o que temos feito e o que devemos fazer). Não são as estratégias que farão a diferença.

Outra área que faltou é a questão da pobreza/injustiça social. É tratada apenas como um tema que emociona. São 198 países representados, a maior parte é pobre. Qual é o compromisso das igrejas dos países mais ricos para com os mais pobres? Há disposição em dar apenas a sobra, darmos o resto. Não oferecemos exemplos concretos. Não é questão de transferir dinheiro de uma parte para outra.

Estamos usando uma tecnologia num formato pós-moderno, mas o conteúdo não é pós-moderno; ele é ainda fortemente paternalista, colonialista, no sentido de dizer que os problemas estão mais voltados para o Sul. Na verdade, é aí que estão os problemas. Talvez, o maior desafio missionário seja a Europa. Lá se perdeu a confiança no Evangelho. Reconquistar é muito mais difícil. E nada do que é difícil foi tratado com ênfase. Há muita coisa interessante na forma, mas a mensagem/conteúdo não é moderno. Em 1974 (com Samuel Escobar, Orlando Costas, René Padilla) havia uma influência mais forte do que há hoje a partir da América Latina. Parece que os ventos sopram mais do Norte, sob uma perspectiva predominantemente americana.

Ultimato - Quais as consequências disto?

Bertil Ekstrom, diretor da Comissão de Missões da Aliança Evangélica Mundial. Foto: http://agoraweamc.com/author/bekstromBertil - Com desejo de ser abrangente se reduz o tema. Não quero ser simplista demais na análise desta relação Norte-Sul. Se estes países onde a igreja tem crescido não tiverem a coragem de contrapor a esta teologia norte-americana uma teologia diferente, vamos regredir, trair o Evangelho. Em parte a culpa é nossa, pois não assumimos com consistência. Vejo pouco disso acontecendo. Não há neste congresso, uma “reflexão africana”, por exemplo. Onde está a reflexão de alguns asiáticos que têm feito contribuições importantes com referência ao reducionismo em estratégias? Se não assumirmos este espaço, a coisa vai piorar. Até meados dos anos 90 ocupamos bem este papel. Temos que reforçar a reflexão teológica, inclusive nas novas gerações, não devemos sacralizar, talvez tenhamos entrado num triunfalismo e deixado a batalha de lado. A igreja cresceu, estamos acreditando mais na mídia, mais na estratégia e menos no estudo da Palavra. A Teologia da Libertação nos desafiou a refletir sobre o militarismo, a injustiça social. Havia mais reflexão, mais luta. CLADE IV (4º Congresso Latino-americano de Evangelização) ainda teve muito desta temática, mas depois foi sumindo. Não produzimos mais “escobares”, mais “padillas”. Ultimato é uma das poucas revistas que dá espaço para outros que pensam um pouco diferente.

Ultimato - Há de fato uma distância grande entre o Brasil e a América Latina? Por que não conseguimos andar juntos?

Bertil - Há vários fatores, um deles é o cultural. O Brasil é multicultural, os outros são mais homogêneos. Somos obrigados a conviver no Brasil com muita diversidade, com mistura. Estamos mais acostumados a isto. O Brasil é enorme e temos o desafio interno das regiões, integrar o nosso país já requer um esforço enorme. Os idiomas nos unem e nos separam. São semelhantes. Nós, do Brasil, temos mais facilidade de entendê-los. E não temos o tempo, o esforço, necessário para entendê-los. Temos cometido muitos erros achando que não são grandes as diferenças e chegamos às vezes de forma imperialista em outros países. Temos sido abençoados com o crescimento da igreja (de uma forma um tanto única). Isto nos fez achar que isto é certo. No trabalho do COMIBAM (Congressso Missionário Ibero Americano) alguns países da América Latina se relacionam mais com a América do Norte do que com o Cone Sul. Uma atitude um pouco reservada, defensiva por parte de outros países. Eu considero que Brasil é América Latina, somos todos latinos.

Ultimato - Temos ouvido a respeito da relevância dos temas de Lausanne. Você acha que esses temas são, de fato, relevantes para igreja?

Bertil - Os três temas principais são: verdade, mundo, realidade da igreja. Esta dinâmica entre palavra, contexto e papel da igreja é algo que precisamos ter em mente. Muitas vezes estamos respondendo perguntas que ninguém fez. A integração entre revelação, contexto e o papel da igreja é tremenda e relevante. Precisamos resgatar isto. Alguns temas específicos não têm muito a ver conosco como, por exemplo, a AIDS, mas é importantíssimo para a África. Pensando na força missionária do Brasil, o fato é que estamos enviando missionários para todo mundo, inclusive, para a África Negra, onde a AIDS afeta milhões de famílias. Outro exemplo: um missionário que vai trabalhar no Sudeste Asiático tem que conhecer sobre o Budismo e o Hinduísmo. Temos o desafio de olhar para fora do Brasil, de conhecer a realidade dos outros e não ficar com os olhos voltados para nós mesmos.

O Brasil é muito respeitado no mundo, como uma força missionária existente assim como a América Latina. Por outro lado, há uma expectativa, um desejo de que o Brasil se envolva ainda muito mais.

Precisamos assumir nossa responsabilidade. Às vezes somos um pouco acanhados, talvez por não falarmos inglês e espanhol. Temos que dar passos de coragem. Se não tivermos a influência que gostaríamos de ter em Lausanne é porque não nos envolvemos como poderíamos em missões. Brasil e América Latina devem assumir uma postura e se colocar. O que escuto mundo afora é que missionários brasileiros e latinos americanos são bem vindos. Geralmente é porque não chegamos com o “nariz empinado”. Há uma identificação forte, a extroversão e a abertura para relacionamentos. Isto é um dom de Deus e precisa ser aproveitado.

***
O 3º Congresso Lausanne sobre Evangelização Mundial, ocorrido de 16 a 25 de outubro de 2010, reuniu 4.200 líderes evangélicos de 198 países e se estendeu a outras centenas de milhares de líderes que participaram de reuniões, locais e online, realizadas em todo o mundo. Um dos frutos do evento foi a elaboração do Compromisso da Cidade do Cabo - uma declaração de fé e um chamado para agir.


Leia mais
Lausanne 3: lições e desafios para a Igreja de Cristo (revista Ultimato 328)
A Visão Missionária na Bíblia (Timóteo Carriker)
O que é Missão Integral? (René Padilla)


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