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- 17 de julho de 2020
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Um livro para ler a cultura
Por Bruno Maroni | Resenha
Steve Turner | Editora Ultimato
Entrando na conversa com Steve Turner
Assim como todo aprendizado demanda auxílio, alguém que acompanhe no caminho, o mesmo é preciso para aprendermos a ler a cultura popular. Steve Turner, jornalista (e poeta!) britânico, desempenha muito bem esse ofício que, ao meu ver, é essencialmente pastoral1. Não podemos deixar isso de lado.
...a cultura pop está passando por mudanças que remodelam como e onde a experimentamos, - as quais modificam também o que essas experiências representam para o modo que nos engajamos em nossas vidas. [...] É importante não subestimarmos o significado dessas mudanças. - Imre Szeman e Susie O’Brien (2017, p. 10)2
Em Engolidos Pela Cultura Pop, Turner reúne o melhor de seus insights sobre arte, entretenimento e mídia articulados ao longo da carreira como articulista e crítico musical (Christianity Today, Mojo, Q, Rolling Stone), propondo com clareza uma abordagem cristã ao complexo universo popular. A própria jornada desse autor testemunha fielmente suas propostas, visto que ele se envolveu ativamente com produtores de cultura pop e circulou por esse cenário. Esse é um excelente (e desafiador) exemplo para todo discípulo de Cristo.
Mais que assíduo leitor das publicações de Turner, devo a ele o desenvolvimento do meu próprio trabalho sobre fé cristã e cultura pop, Cristianismo & Cultura Pop (Charpentier, 2020). Claro, ele não sabe, mas foi a minha primeira referência, inspiração diretamente indireta. Compartilho aqui o porquê precisamos de Engolidos Pela Cultura Pop.
À procura de perspectivas alternativas para a cultura pop
Desde que a cultura popular se tornou interesse da reflexão acadêmica - quando entrou na roda das pesquisas em comunicação, análises filosóficas, sociológicas e psicológicas, além de estudos da semiótica - multiplicaram-se teorias a respeito de seus recursos, práticas e ambientes. Na grande maioria, as ideias propostas não partem de uma visão cristã da realidade e da cultura. Embora elas sejam, cada uma com sua ênfase, elucidativas para qualquer um que pretende olhar cuidadosamente para o cenário cultural e sua pluralidade, fica faltando alguma coisa.
O que é notável (devido a nossa herança cristã) é que nenhuma das escolas de referência em teoria cultural no Ocidente começa com uma visão bíblica da humanidade [...] Se os cristãos se envolvessem em tais áreas acadêmicas eles poderiam levantar questões que atualmente não estão sendo exploradas ou acrescentar um tom inquietante ao debate cultural. - Steve Turner (2013, p. 26)3
Turner prontamente sugere que o que falta para uma rica perspectiva cristã da cultura pop: é a atenção às espiritualidades “escondidas” na cultura popular, atenção que é educada biblicamente. Isso não significa que precisamos “amontoar” uma série de versículos desconectados na tentativa de explicar a cultura pop, mas que a grande narrativa da Bíblia deve servir como roteiro para nossa apreciação, crítica e produção cultural. Por isso Turner começa auxiliando a gente a entender as razões porque a cultura popular tem a ver com a fé cristã - passando pelos problemas de relação cristianismo-cultura, definindo a cultura à luz da bondade da criação, enfatizando o senhorio de Cristo sobre toda a vida e a influência da cultura pop nas cosmovisões. A participação cristã na cultura pop começa pela educação bíblica para a nossa apreciação cultural.
Nas cenas do cotidiano: aprendendo a discernir aqui e agora
Além da ajuda para percebermos o que está em jogo nos conceitos e definições de cultura pop, quais os nossos desafios e oportunidades para interação nesse contexto e que perguntas devemos fazer para ler a cultura popular, Turner percorre múltiplos modos de expressão populares que aparecem no nosso dia a dia. Ele fala sobre cinema, jornalismo, cultura da celebridade, moda, espetáculos, comédia, propaganda, tecnologia, fotografia e TV. Claro, essas são só algumas das muitas categorias que compõem o mundo pop, e que por meio de linguagens específicas convidam a gente a participar desse ecossistema.
Isso chama nossa atenção para três traços proeminentes da cultura pop. Em primeiro lugar, a pluralidade. A cultura pop pode se apresentar por meios conceituais, materiais, performáticos, estéticos...4 Em segundo lugar a presença cotidiana: ela envolve produtos, estruturas, padrões e significados, e nos deparamos com ela no correr da rotina5. Afinal, quem não ouve música ou passeia pelos stories diariamente? E quem não tem sua liturgia semanal de Netflix?6 Em terceiro lugar, sua intencionalidade discursiva (ou seja, todo e qualquer artefato cultural tem algo a dizer sobre nós, Deus e o mundo). Ao descrever com acessibilidade e perspicácia esses modos de expressão, citando personagens, produtos e eventos da cultura pop, e compartilhando suas próprias experiências, Steve Turner incentiva seus leitores a apreciar as virtudes, identificar os vícios e captar a imaginação que move o que assistimos e ouvimos, lemos, vemos, vestimos e fazemos aqui e agora.
Encenando a missão: a cultura pop importa para igreja
O peso da cultura pop sobre nossa interpretação e ação no mundo de Deus é tão amplo e intenso que é praticamente impossível desvencilhar o que é cultura popular e o que significa ser humano. Engolidos Pela Cultura Pop é um convite para lermos a cultura com discernimento. Penso que a participação na cultura pop (seja apreciando ou criando) é parte integrante do discipulado cristão, pois, de certa forma, ela faz parte da encenação missional, do “ide por todo o mundo” (cf. Mt 28.18). Conforme afirma o teólogo Kevin Vanhoozer: “Para que sejam proclamadores e atores competentes do evangelho, então, os cristãos têm que aprender a ler a Bíblia e também a cultura.” (2007, p. 35)7.
A cultura pop importa: importa para a teologia e para a missão da igreja. Justamente por isso entendo que o engajamento à cultura pop é um exercício essencialmente pastoral. É a contínua prática de, em comunidade, dedicar-se à leitura da Bíblia, maturidade espiritual, e à leitura cultural.
Atualmente o entretenimento assume traços de um evento global (observe massiva expectativa em torno de lançamentos cinematográficos, por exemplo), dialogamos por GIFs, figurinhas e emoticons, ícones do pop tomam para si papéis decisivos em processos político e, principalmente, passamos a maior parte do tempo conectados na principal plataforma da cultura pop - os smartphones com seus feeds, streamings e apps. Considerando tudo isso, nada mais apropriado para quem segue a Jesus do que pensar sobre cultura popular com atenção, compromisso e profundidade. Estamos inevitavelmente entrelaçados na cultura pop e somos chamados para lê-la com amor, sabedoria e criatividade.
• Bruno Maroni, 23 anos. Teólogo formado pela FTBSP, trabalha como editor no Ministério Razão Para Viver e serve na equipe pastoral da Comviver, igreja batista em Jundiaí-SP. Autor do recém publicado Cristianismo & Cultura Pop, aluno do Invisible College e colaborador do Coletivo Tangente e IACA Brasil, onde escreve sobre cosmovisão cristã, cultura e música popular.
Notas
Notas
1. Se você ainda não conhece, além de Engolidos Pela Cultura Pop, esse jornalista (e poeta!) britânico também escreveu: Cristianismo Criativo?; Imagine: a Vision For Christians in Arts; Turn, Turn, Turn: Popular Songs Inspired by the Bible; Hungry for Heaven: Rock and Roll and the Search for Redemption (além de biografias/comentários sobre artistas como The Beatles, Johnny Cash, Marvin Gaye, U2 e Van Morrison).
2. SZEMAN, Imre; O’BRIEN, Susie. Popular culture: a user’s guide. Hoboken: Wiley-Blackwell, 2017.
3. TURNER, Steve. Engolidos pela cultura pop - arte, mídia e consumo: uma abordagem cristã. Viçosa: Ultimato, 2013.
3. TURNER, Steve. Engolidos pela cultura pop - arte, mídia e consumo: uma abordagem cristã. Viçosa: Ultimato, 2013.
4. MARONI, Bruno. Cristianismo & cultura pop. Brasília: Charpentier, 2020.
5. Ibidem, p. 50
6. TURNER, Steve. Ibidem, p. 18
7. VANHOOZER, Kevin J. Everyday theology: how to read cultural texts and interpret texts. Grand Rapids: Baker Academic, 2007.
>> Conheça também o livro Cinema e Fé Cristã, de Brian Godawa
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