Opinião
- 10 de março de 2021
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Um Evangelho único e global, para uma diversidade de expressões
Entrevista
Pablo A. Deiros é um conhecido pastor, professor e autor de mais de uma dezena de livros. Paraguaio criado na Argentina, é Ph.D. pelo Seminário Teológico Batista Southwestern, professor de História de Missões na Escola de Estudos Interculturais e professor adjunto no Programa de Estudos Coreanos do Seminário Teológico Fuller. Deiros tem servido como pastor batista por quase cinquenta anos, é casado com Norma, com quem tem três filhos e sete netos.
A Editora Vida acaba de lançar, de sua autoria, os volumes do evangelho de Mateus e Marcos do Comentário Bíblico Vida, escrito para atender os que vivem e trabalham na América Latina espanhola e brasileira, tendo em vista a compreensão das Escrituras aplicada ao contexto em que se encontram. Com a palavra, Dr. Pablo Deiros.
Conte como tem sido a sua jornada espiritual e como conheceu Jesus Cristo?
Fui criado em um lar cristão. Os meus pais serviam como médicos missionários argentinos em Assunção (Paraguai) quando eu nasci (13/7/1945). Desde pequeno aprendi a amar ao Senhor. Não me lembro de um dia específico de conversão, mas sim me lembro de que aos 11 anos expressei em público a minha fé em Cristo como Salvador e Senhor. Fui batizado aos 15 anos e com essa idade comecei a pregar e a ensinar de forma contínua. Na Páscoa de 1983, tive uma profunda experiência com o Espírito Santo que foi o ponto inicial de uma revolução na minha vida que continua até hoje. A partir desse momento, ele me deu uma nova visão da vida cristã e do ministério.
Atualmente, o senhor mantém um trabalho exclusivamente acadêmico, ou está vinculado ao pastoreio de uma igreja local?
Neste momento, o meu ministério é um ministério apostólico, que exerço de várias maneiras. A mais importante e à qual dedico mais tempo é escrever materiais para as igrejas e seus líderes. Continuo envolvido no ensino, mas não de forma contínua. Também dedico tempo no apoio na plantação de igrejas e na ministração a pastores, principalmente na restauração daqueles que caíram, dos que estão em dificuldades e dos que precisam de orientação e conselho. Não estou à frente de uma igreja específica, mas consagro muito tempo e esforço servindo a algumas igrejas em particular e à Igreja de Jesus Cristo no mundo.
Como professor e vice-reitor de seminários, qual é a sua avaliação sobre a formação de ministros hoje e sobre a crise de vocações para o ministério?
Deus abençoou a América Latina com instituições extraordinárias dedicadas à educação teológica e à formação ministerial. No entanto, precisamos de mudanças radicais na forma segundo a qual realizamos esses ministérios. A formação ministerial continua sendo muito escolástica, racionalista, sistemática e teórica. Necessitamos uma formação ministerial carismática, funcional, prática e que se desloque da cabeça ao coração. Creio que foi dessa forma que Jesus formou seus discípulos. Portanto, em vez de ensinar teologia sistemática (racionalismo puro), é preciso ensinar os discípulos a pensar teologicamente. No lugar de enfatizar tanto o “quê”, devemos sublinhar mais o “como”. A nossa ênfase deve ser formar bons servos de Cristo e da Igreja, mais do que bons profissionais eclesiásticos.
Quanto tempo foi, ou será, necessário para concluir o Comentário Bíblico Vida?
Neste momento, estou terminando de escrever o volume 11 (1 e 2 Timóteo e Tito), já tenho o volume 12 bastante avançado (Hebreus) e o volume 13 (Tiago e Judas) praticamente finalizado. Com respeito às Cartas Gerais (v. 14) e a Apocalipse (v. 15) já tenho certa quantidade de material. O volume 8 (Gálatas e Efésios) já foi entregue à editora, e os volumes 9 (Filipenses e Colossenses) e 10 (1 e 2Tessalonicenses e Filemom) já estão redigidos e na fase de edição e correção pela minha esposa, Norma. Depois disso, começa o processo editorial da tradução até a conclusão da obra pela Editora Vida.
Que públicos o senhor tinha em mente quando escreveu esta obra?
Este Comentário tem como alvo principal pastores e líderes cristãos. A ideia é oferecer-lhes um material com boa exegese e exposição do texto bíblico, que os ajude na pregação e no ensino da Palavra. Procuro, nos meus materiais, a melhor organização homilética possível, para que possam ser usados diretamente no público ou na sala da aula. Obviamente, que este Comentário será de grande bênção a todos os leitores cristãos interessados em conhecer melhor a mensagem da Bíblia.
De que modo a sua cultura e a sua cosmovisão latino-americanas estão refletidas no Comentário Bíblico Vida?
Totalmente. Isso se vê refletido no vocabulário, nas expressões idiomáticas, nas ilustrações, nas metáforas utilizadas e, sobretudo, na aplicação do texto às realidade concretas das igrejas na América Latina. Tenho um conhecimento em primeira mão de todo o continente bem como das igrejas das mais diversas tradições. Além disso, o Comentário não é uma obra devocional, mas sim crítica, uma vez que permanentemente chamo a atenção do leitor para os problemas que temos e sugiro como podemos resolvê-los da perspectiva da Palavra e com a ajuda do Espírito.
Na sua opinião, a Igreja da América Latina deixará uma marca na história da Igreja ou na história das missões?
Creio que sim e, de fato, já está fazendo isso. Contudo, também devemos estar alerta para o fato de que também podemos deixar rastros de caminhos errôneos. Os falsos apóstolos, profetas, mestres e pastores se multiplicam e estão proclamando um evangelho espúrio. Neste Comentário, denuncio claramente esses desvios e convoco o leitor para uma séria consideração do ensino do Novo Testamento.
Qual é hoje o principal desafio hermenêutico para o anúncio do evangelho na América Latina? A realidade da pobreza e da injustiça afeta a hermenêutica missional? É necessário mencionar questões relacionadas ao meio ambiente ao se tratar de temas relacionados com a missão da Igreja?
A missão da Igreja é tão integral como o evangelho que ela proclama. Não há esfera da existência humana que não possa ser redimida pelo evangelho de Jesus Cristo. Os problemas que nos afligem têm resposta em Cristo, mas, para encontrarmos essa resposta, precisamos de uma hermenêutica latino-americana que, sem deixar de lado as contribuições positivas de outras partes do mundo, traduza a mensagem eterna do evangelho segundo as particularidades que enfrentamos cada dia neste tempo. Pobreza, injustiça, exclusão, opressão, ignorância, enfermidade, discriminação, entre outros, são todos temas bíblicos, e o papel de uma boa hermenêutica é ser capaz de trazê-los à tona e aplicá-los às situações específicas que enfrentamos como testemunhas de Cristo na América Latina.
Considerando-se a produção evangelical dos últimos 30 anos na Europa, na América do Norte e na América Latina, é possível dizer que há somente uma teologia evangelical, ou há diferentes teologias? Elas compartilham um núcleo comum?
A compreensão evangélica do evangelho de Cristo é una, e, em geral, há um consenso bastante difundido em relação ao Pacto de Lausanne (1974). No entanto, sobre a base dessa plataforma comum há espaço para uma grande diversidade de expressões, que normalmente dependem das variedades dos contextos nos quais a fé é vivida e transmitida. Não raramente, os evangélicos pensamos e cremos no mesmo, mas a nossa cosmovisão pode ser bastante diferente. Por exemplo, a maneira com que os latino-americanos interpretamos biblicamente o conceito de “justiça” não é a mesma dos nossos irmãos norte-americanos ou europeus e, com certeza, também é diferente da concepção africana. Por isso, é preciso haver um diálogo permanente a fim de que sejamos capazes de edificar uns aos outros e de aspirar a um evangelho global que leve em consideração a variedade de expressões no âmbito mundial. O Comentário Bíblico Vida é uma contribuição a esse diálogo tendo como ponto de partida a perspectiva latino-americana, basta observar, por exemplo, a quantidade citações de obras acadêmicas que foram escritas em outros idiomas.
Na sua opinião, estamos caminhando rumo a novos modelos de igreja (no sentido de governo, formas de culto e ênfases missionais)? Os modelos tradicionais ainda são eficazes em dar uma resposta ao mundo atual?
Os modelos tradicionais respondem a realidades que já não existem. O paradigma da cristandade está morrendo, da mesma forma que o denominacionalismo como ideologia. Há um movimento, a passos rápidos, a um cristianismo diferente e a uma igreja totalmente nova. Quanto antes nos desfizermos dos antigos paradigmas, mais eficácia teremos para proclamar o evangelho de Jesus a todos os seres humanos nestes últimos tempos. Os modelos tradicionais não são eficazes em dar uma resposta ao mundo atual. Este Comentário foi escrito, de capa a capa, com essa convicção e permanentemente sugere novos caminhos que nascem das experiências eclesiais mais recentes.
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Créditos da foto: Editora Vida
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