Prateleira
- 26 de fevereiro de 2013
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Um ano sem Robinson Cavalcanti
Exatamente há um ano morria o bispo Robinson Cavalcanti. Ele e sua esposa Miriam foram assassinados pelo próprio filho em uma trágica noite de domingo em Olinda, PE.
Robinson era um respeitado (mas também polêmico) teólogo e escritor anglicano. Defensor ferrenho da teologia da Missão Integral e da participação política dos evangélicos, foi o colunista mais duradouro da revista Ultimato. Sua coluna existiu durante 27 anos. É verdade que não foram poucas as críticas de leitores mais conservadores, mas também não foram poucas as palavras de elogio de quem enxergava nele uma referência de compromisso cristão e social, apesar de possíveis discordâncias. Robinson tinha alegria em se apresentar como “colunista da Ultimato”. Claro, ele era bem mais do que isso.
Não é cansativo lembrar que o bispo deixou um legado rico de reflexões que conectam a teologia evangélica brasileira com a discussão dos problemas da sociedade, a missiologia com a sociologia, e sem cair nos jargões religiosos.
Como homenagem ao bispo Robinson, republicamos sua primeira entrevista à Ultimato em outubro de 1985. O Brasil, recém saído da ditadura militar, vivia um momento de restabelecimento das instituições democráticas, ocasião ideal para uma manifestação relevante dos cristãos, mas que escapou por ignorância principalmente da liderança evangélica, que pregava que “crente não se mete em política”. Foi também a primeira entrevista feita pelo editor Marcos Bontempo (então com 24 anos de idade).
Constituinte, protestantismo brasileiro e participação política
Segundo a última revista Veja de agosto, pesquisas feitas no Rio de Janeiro apontam que 30% dos brasileiros nunca ouviram falar de Constituinte – e entre os ouviram, 64% não sabem dizer o que ela significa. Em situação não melhor encontram-se os evangélicos.
Signatário do Pacto de Lausanne e membro do Grupo de Teologia e Educação da Comissão de Lausanne que produziu os documentos Evangelização e Responsabilidade Social e O Evangelho e a Cultura, o professor e pastor Edward Robinson de Barros Cavalcanti, 41 anos, casado, dois filhos, tem procurado restaurar a tradição evangélica no Brasil em termos de missão social da igreja, “onde muitos concordam com a filantropia, alguns com projetos de desenvolvimento e poucos com ação política”. Escritor, conferencista e reconhecida autoridade evangélica em questões políticas, por dez anos assessor da Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABUB), Robinson Cavalcanti é ministro voluntário da Igreja Episcopal do Brasil e professor adjunto de Ciência Política nas universidades Federal Rural de Pernambuco e Federal de Pernambuco. Fundador do Movimento Cristão Democrata do Centro, é hoje suplente do Diretório Regional do PMDB em Recife.
É desnecessário salientar a importância, tanto para evangélicos como para não evangélicos, da Nova Carta Constitucional. Porém a desinformação campeia, em particular, na comunidade evangélica. Para Robinson Cavalcanti a “tarefa é educacional, deve haver um desbloqueio interior a nível de teologia, de informação histórica e a nível de conhecimento da realidade”. Contribuindo com esse processo, estará lançando a 18 deste mês [outubro de 1985], em Belo Horizonte, seu último livro – Cristianismo e Política: Base Bíblica e Prática Histórica. Foi no 14º andar do Edifício de Estudos Básicos da UFPE, onde coordena o Fórum de Análise Política, que Robinson Cavalcanti recebeu Ultimato para falar da importância do cristão, da igreja e da constituinte neste momento histórico.
Ultimato – O que é uma constituinte?
Robinson – Para entender a questão de constituinte é preciso entender o conceito de constituição. Nas sociedades antigas, a constituição era entendida como modos tradicionais de se constituir, onde as regras de uma sociedade passavam de pais para filhos e o carisma do governante estava acima da lei. Na idade contemporânea, com a urbanização, com o capitalismo, passamos a ter uma sociedade diversificada, com várias religiões, várias classes e várias filosofias. Na teologia encontramos o conceito calvinista do pacto, que é muito influente na sociedade ocidental; e no mundo secular, o contrato social de Rosseau. Tanto no pacto calvinista quanto no contrato social, temos princípios para a organização da sociedade tradicional, que tinha o entendimento que constituição era uma tradição, para o sentido contemporâneo, de uma norma maior, uma lei que representa a média da vontade coletiva. A Constituinte deve expressar todas as parcelas da população quanto à política, religião, raça, etc. Assim, baseado no princípio da democracia representativa, a assembleia constituinte é um órgão eleito pelo povo que tem por finalidade redigir um novo documento constitucional que deve decidir a vontade nacional naquele movimento histórico.
Ultimato – Como foram instaladas as diferentes constituições brasileiras?
Robinson – Quando uma constituição é feita pela assembleia nós a chamamos promulgada, e quando é imposta, outorgada, o que é um absurdo porque representa a vontade de um. O Brasil teve várias constituições. De 1824 a 1889, o país viveu com uma constituição imposta pelo imperador. Com a república, tivemos a primeira assembleia constituinte, que vai resultar na constituição de 1891. Uma constituição tecnicamente muito bem feita, mas com um detalhe: apenas 3% da população participou do processo eleitoral. Esta segunda constituição vai funcionar até 1930, quando vem a revolução e ela é arquivada. Em 1933 é convocada uma segunda assembleia constituinte e, em 1934 tivemos a terceira constituição, trazendo como grande novidade a introdução da legislação social no Brasil. Durou apenas três anos. Em 1937, Getúlio Vargas fecha o congresso, dissolve os partidos, anula esta constituição e instala no Brasil a o que seria a segunda constituição imposta, a constituição do Estado Novo. Com a queda de Vargas, depois da participação do Brasil na guerra da Itália, há uma sede de redemocratização no país, e é convocada mais uma assembleia constituinte. Nesta, bastante ampla, participaram comunistas, integralistas e o próprio ex-ditador. A partir de 1946 tivemos uma nova constituição, que vai funcionar até 1964. Em 64, ela é mantida pela revolução com algumas alterações, e, em 1967 foi colocada a atual constituição.
Ultimato – Tendo o país uma constituição, por que outra?
Robinson – A grande questão é que a atual constituição brasileira é questionada como sendo ilegítima. Essa constituição conviveu com os atos institucionais, é cheia de contradições e representa um momento político superado. Ora, se a nação está partindo para a redemocratização, ela tem que ser escutada outra vez para estabelecer novas regras de jogo para o próximo período histórico.
Ultimato – Por que a atual constituição é considerada ilegítima?
Robinson – Por não ser o resultado de uma Assembleia Nacional Constituinte. Ela foi colocada em 1967 quando o presidente Castelo Branco convocou uma comissão de juristas, mandou redigir um projeto e o enviou ao congresso com tempo limitado. Como o Congresso não tem poder constituinte originário (poder de fazer uma constituição), mas apenas poder constituinte derivado (de mudar, emendar), Castelo Branco, num ato de força, outorga ao Congresso o direito de poder constituinte originário. O Congresso sofre muitas cassações e os deputados amedrontados votam, com um mínimo de alterações, o documento enviado pelo presidente. Além disso, em 1969, com a doença do presidente Costa e Silva, os militares impediram a posse do vice-presidente Pedro Aleixo e outorgaram uma emenda constitucional número um, em vigor atualmente. Ou seja, foi o resultado da vontade de três ministros militares e não a vontade da nação.
Ultimato – Quais são as dificuldades no processo de implantação de uma nova constituinte?
Robinson – A dificuldade está em fazer uma nova lei com a antiga vigente. Isso gerou uma série de defeitos no processo de convocação da assembleia constituinte. O principal é que vai atribuir aos parlamentares eleitos no ano que vem o poder de serem deputados e senadores constituintes. O deputado será eleito pela lei antiga e vai fazer a lei nova, enquanto está vigente a lei antiga, para depois valer a nova lei e ele continuar como deputado, quer dizer, ele vai legislar em causa própria. Se olharmos as três contribuições mais recentes no Ocidente – as constituições de Portugal, da Espanha e a constituição do Peru em 1979 – verificamos que nas três houve eleição apenas para a Assembleia Constituinte e, depois de feita a constituição, houve eleição de acordo com a nova lei, para todos os cargos. Inclusive porque algumas pessoas poderiam desejar participar da Assembleia Constituinte e não querer ser deputados. No Peru, Pedro Arana, teólogo presbiteriano, candidatou-se e foi eleito, mas quando terminou a constituinte ele voltou para a igreja, porque queria apenas participar do processo que, inclusive, separou, pela primeira vez, a igreja do Estado. Além disso, a lei atual tem uma exigência de um mínimo e um máximo de deputados por estado. Ao invés de ser um homem, um voto, é um sistema distorcido porque é de bancadas estaduais. Uma fragilidade última que eu poderia ressaltar é a questão dos partidos. Ou são novos ou estão em organização. E preocupados com a eleição de prefeitos. Então, a grande dificuldade é como transformar essa constituição numa constituição autêntica.
Ultimato – Isso seria possível com uma eleição apenas para se fazer a constituinte...
Robinson – A proposta feita pelo PT – a mesma ideia da ordem dos advogados do Brasil – seria fazer, em março, a eleição da Assembleia Constituinte e, em novembro, teríamos a já prevista eleição de deputados e senadores. Entre março e outubro esse órgão eleito faria apenas a constituição e se dissolveria. A partir daí os deputados seriam eleitos sob a vigência da nova constituição e de acordo com as regras que ela estabelecesse. Esta seria a solução, mas dificilmente vai passar, porque há interesses políticos envolvidos.
Ultimato – De que forma a comunidade pode empurrar esse processo?
Robinson – Bem, a OAB, que representa uma categoria profissional, realizou debates, soltou matérias, publicou artigos na imprensa, foi ao presidente da república reivindicando uma comissão de consulta da população e não uma comissão de “indicados”, etc. São formas de pressão. Tem-se pressão parlamentar, pressão da imprensa, atos de protestos, ou seja, formas de mobilização da sociedade civil. Outra maneira, se não for possível alterar o processo, seria a seleção de candidatos. Durante os meses de debate em meio expediente, os deputados serão deputados e, em meio expediente, serão constituintes. Que haja vigilância e uma fiscalização para que os interesses nacionais sejam representados. Lamentavelmente, o Brasil não tem uma tradição de mobilização popular nem de fiscalização. O que temos é uma tradição de passividade e, quando não se quer ser passivo se é reprimido, ao contrário das democracias históricas onde o povo fiscaliza.
Ultimato – Como se dá a participação evangélica na história política do país?
Robinson – Enquanto o Brasil muda – o símbolo disso foi a campanha das Diretas – o que acontece com os evangélicos é um retrocesso. Os evangélicos, quando chegaram ao Brasil, vieram com uma ideia participante. A mentalidade dos missionários e dos primeiros pastores era usar a política para melhorar o país. Sempre se identificava catolicismo com atraso e ditadura, e protestantismo com progresso e democracia. Isso era parte da ideologia protestante, tanto assim que eles se aproximavam de políticos, especialmente do Partido Liberal, visando mudar a constituição, separar a igreja do Estado, criar o casamento civil, criar a liberdade de cemitérios, para a qual havia a restrição, etc. Esta mentalidade também estava presente nos colégios evangélicos, que foram um fator de modernização no currículo escolar. A primeira escola mista da América Latina foi o Mackenzie e a primeira escola de educação pré-escolar foi o Bennet, no Rio de Janeiro. Enquanto o Brasil era tradicionalista, esses colégios era modernizantes. Depois da curva do século, anos 1920 principalmente, houve uma explosão de convertidos, passando-se a um protestantismo de massa, massas iletradas, que corriam principalmente para igrejas do tipo pentecostal. Um outro dado que concorre para essa mudança de mentalidade é um dado teológico. Os missionários e pastores, nos primeiros 50 anos, eram principalmente pós-milenistas e amilenistas. O pós-milenista acha que vai expandir o Reino de Deus e convidar Cristo para a inauguração. O amilenista, embora creia que a glória só será feita com a chegada de Jesus, acredita que nós temos o dever e a possibilidade de realizar uma obra de expansão. A partir dos anos 1910, anos 1920, começa-se a substituir o amilenismo e pós-milenismo pelo pré-milenismo, – pré-tribulacionista e dispensacionalista, – que é uma visão bastante pessimista da história. Tudo isso gera, a partir dos anos 1920 até os anos 1960, duas tendências no protestantismo brasileiro: uma, quantitativamente majoritária, com tendência de ausência do processo político, e, outra, minoritária, com uma visão de presença. A partir dos anos 1960, passou-se a ensinar que crente não se mete em política. Uma geração foi criada assim. Acontece que isso não faz parte da história política do protestantismo, nem do protestantismo brasileiro. É uma tradição recente, mas quem foi criado nela pensa que sempre foi assim. Estão confundindo o antigo com o eterno. Agora, nos anos 1980, o discurso de que crente não se mete em política foi substituído por outro: se mete, desde que seja pela direita, ou seja, para sustentar as forças conservadoras. Isso gera uma mudança de 180°. O protestantismo brasileiro, que se aliou ao Partido Liberal durante o império e que se tornou um fator de abertura de mentalidade, de preparo da classe média da sociedade industrial, vai tomando o lugar que a igreja católica tinha há 20 anos, ocupando o tradicionalismo. Em parte, as massas católicas, que se converteram às grandes religiões como a igreja pentecostal, trazem traços psicossociais e culturais que são semelhantes aos devotos do padre Cícero e outros, uma visão pré-moderna. O meu grande temor é que o protestantismo brasileiro se transforme numa massa de manobra para engrossar o contingente eleitoral dos partidos mais conservadores.
Ultimato – Qual a razão para o baixo interesse e a não participação dos evangélicos no processo político?
Robinson – Eu diria que há vários fatores. O baixo nível de informação, a teologia que ensina que o cristão não tem nenhum papel histórico e o reino de Deus é só transcendente. Além do mais há o seguinte: muitos crentes galgaram a classe média há pouco tempo e a classe média é insegura – eles têm medo de virar pobres novamente. A conjugação desses elementos concorre para essa alienação. Por outro lado, alguns defendem a participação evangélica, mas com uma visão bastante limitada. Por exemplo, defesa da liberdade religiosa (a liberdade religiosa não está ameaçada), favores para a igreja, empregos para os crentes, etc. A participação estaria reduzida a esta visão, quando eu creio que o parlamentar evangélico, especialmente no caso da constituinte, deveria ter outras dimensões, tais como: assegurar a liberdade religiosa não para o protestantismo, mas para uma sociedade pluralista e democrática; enfatizar a moralidade política; dar combate à corrupção; e defender bandeiras justas, bandeiras que reflitam os valores do reino de Deus.
Ultimato – O que deveria ser feito no nível de igreja local, a nível de grupos cristãos, para partirmos para uma participação mais ativa?
Robinson – Lamentavelmente, neste processo a Assembleia Constituinte vai influenciar mais as igrejas do que o contrário. Para influenciarmos, deveríamos ter uma bandeira e querer levá-la. Uns não têm bandeira e outros não querem levar bandeira alguma. A Visão Mundial está fazendo um trabalho bom de reflexão sobre a missão da Igreja no Brasil hoje, através de encontros regionais e nacionais. Eu acho que os seminários e entidades como a ABU, Visão Mundial e outros poderiam desempenhar um grande papel, que é a recuperação da história e da teologia protestantes. A grande tragédia é que nós, que enfatizamos a tradição, somos acusados de inovadores, e aqueles que inovaram há pouco tempo se consideram os conservadores. Uma completa inversão!
Ultimato – A longo prazo seria possível um consenso em torno da participação política dos evangélicos?
Robinson – Em 1983, na cidade de Jarabacoa, República Dominicana, houve uma consulta teológica de políticos evangélicos onde elaboramos a Declaração de Jarabacoa, sobre a ação política dos evangélicos que, lamentavelmente, teve pouca divulgação no Brasil. É um documento de reflexão teológica e de sugestões para a ação da igreja local, denominação e a nível de movimentos. Os documentos que Lausanne tem produzido, como Evangelho e Cultura, Evangelização e Responsabilidade Social, dos quais tive a honra de participar, são diretrizes teológicas que representam um consenso da comunidade evangélica internacional. Eu creio que a tarefa é educacional. Deve haver um desbloqueio interior, a nível de teologia, a nível de informação histórica e a nível de conhecimento da realidade, ou seja, todo um processo educativo que deverá se fazer sob pena de que nós fiquemos ultrapassados pelos acontecimentos e nos tornemos uma comunidade marginal. Se o arrebatamento se desse na Quarta-Feira de Cinzas no Brasil, o mundo levaria semanas para notar nossa ausência, porque pensaria que continuávamos acampados, isto é, a nossa influência é quase nenhuma. Como influenciar se você não tem convicção de que deve influenciar, não se organiza para esse fim? O pior é que as minorias (como no meu caso) que tentam convencer a igreja dessa necessidade para a sua relevância, para sua sobrevivência e influência são profundamente incompreendidas.
Ultimato – A igreja tem se tornado descartável nesse processo político?
Robinson – Não só do processo político, mas também do processo social, cultural, etc. Gilberto Freire, um dos mais famosos “desviados” do Brasil, dizia que os evangélicos tem produzido bons gramáticos, mas não tem produzido literatos. Há os que sabem bem o português, mas você não encontra romances evangélicos, trilhas cinematográficas, peças de teatro, ou seja, a nossa presença para alterar a cultura brasileira tem sido mínima, temos nos transformado numa subcultura. Não precisaríamos de dez milhões para influenciar. O mundo é de minorias organizadas, mas com minorias desorganizadas fica difícil.
Ultimato – Quais são atualmente os principais obstáculos à participação dos evangélicos na Assembleia Constituinte?
Robinson – Em parte seria a não compreensão da importância da assembleia constituinte, no sentido de que evangélicos e não evangélicos vão viver sob o mesmo regime que vai decidir soberanamente. Agora que se faz alguma coisa através das comissões evangélicas pró-constituinte dos estados, eu diria que o ritmo deveria ser conscientização, mobilização e a escolha de candidatos; mas estão escolhendo os candidatos antes que o povo esteja conscientizado e mobilizado. Outra questão é a ausência de uma articulação nacional evangélica. O Brasil é o único país da América Latina que não tem um organismo ou organismos interdenominacionais de peso. No Peru, por exemplo, o Conselho Nacional Evangélico Peruano reúne 85% das denominações do país. Na Espanha foi criada uma comissão evangélica para acompanhar o processo da constituinte e esta comissão teve tamanha participação que o governo espanhol criou um comitê nacional consultivo pela garantia dos direitos humanos e liberdades civis, onde esta comissão tinha assento. Tivemos a Confederação Evangélica no passado que de certa maneira se esvaziou por conflitos teológico-políticos. Os evangélicos não conseguem viver num ambiente em que seu grupo não esteja mandando, há uma impossibilidade de tolerar diferenças, e isso quanto a assuntos secundários e terciários. Em alguns países é preciso que haja revolução, que haja golpes, que haja perseguição para que a igreja tome consciência. (Em vez da igreja conduzir o processo histórico e fomentá-lo, ela é atropelada, mutilada e ferida pela sua própria incapacidade de refletir sobre seu papel histórico). Se Deus age na história do seu reino, age preferencialmente nas igrejas como agências, e se a agência não age, as pedras vão acabar clamando. Em relação aos evangélicos, nós temos uma esperança apenas teológica, mas não uma esperança por evidência.
Ultimato – Existe uma causa na teologia protestante que está por trás dessa dificuldade de diálogo?
Robinson – Acho que sim. Acredito que a causa está num maniqueísmo, num fundamentalismo estreito, no sectarismo. Desenvolveram-se distorções eclesiásticas, ao longo das décadas, e a dificuldade está em nós mesmos. Temos dificuldades de diferenciar a experiência da fé, a doutrina da teologia. Se o individuo não tem a teologia que eu tenho, eu já acho que ele não é ortodoxo e, às vezes, nem convertido. Outra coisa é a questão do essencial e do acidental. Quando você coloca numa confissão de fé a crença na volta pré-milenal de Cristo, está colocando como central uma doutrina que foi historicamente considerada periférica. O que é central é o retorno de Cristo, mas estamos considerando o tipo de batismo, o governo da igreja, a temperatura da água do batistério; quer dizer, vamos descendo a minúcias e quem não concorda com tudo isso seja anátema.
Ultimato – O senhor acredita que a participação evangélica pode ser tornar mais efetiva através de grupos evangélicos não institucionalizados?
Robinson – A história tem nos ensinado, não só no campo religioso, mas em todos os campos, que as instituições tendem a ser conservadoras, imobilistas, porque elas representam um momento histórico em que alguma coisa deu certo. As mudanças vêm por pressões de grupos informais para com a instituição e, se esta resiste, termina por romper, e no protestantismo, particularmente, ocorre isso. Na igreja católica, não; ficam todos sob um mesmo guarda-chuva e fundam novas ordens religiosas, sublegendas. A grande parte das denominações são resultados da impossibilidade das elites institucionais de absorverem e tratarem com as pressões de inovação. Embora tenhamos que pressionar a instituição, ela é que é permanente. Eu creio que a esperança está, principalmente, nesses grupos informais interdenominacionais ou denominacionais, grupos de reflexão, grupos de estudo que correm à margem da máquina institucional. Outra questão é a dos pastores de tempo integral e parcial. Embora eu ache que o ministro de tempo integral seja o padrão bíblico, minha impressão é que os pastores voluntários, ou seja, não remunerados, e leigos engajados estarão muito mais à frente de qualquer processo de mudança do que aqueles pastores de tempo integral que dependem do bolso dos conservadores leigos ou daqueles que fazer parte da máquina denominacional. A tendência histórica é conservadora até por uma questão de sobrevivência.
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Robinson era um respeitado (mas também polêmico) teólogo e escritor anglicano. Defensor ferrenho da teologia da Missão Integral e da participação política dos evangélicos, foi o colunista mais duradouro da revista Ultimato. Sua coluna existiu durante 27 anos. É verdade que não foram poucas as críticas de leitores mais conservadores, mas também não foram poucas as palavras de elogio de quem enxergava nele uma referência de compromisso cristão e social, apesar de possíveis discordâncias. Robinson tinha alegria em se apresentar como “colunista da Ultimato”. Claro, ele era bem mais do que isso.
Não é cansativo lembrar que o bispo deixou um legado rico de reflexões que conectam a teologia evangélica brasileira com a discussão dos problemas da sociedade, a missiologia com a sociologia, e sem cair nos jargões religiosos.
Como homenagem ao bispo Robinson, republicamos sua primeira entrevista à Ultimato em outubro de 1985. O Brasil, recém saído da ditadura militar, vivia um momento de restabelecimento das instituições democráticas, ocasião ideal para uma manifestação relevante dos cristãos, mas que escapou por ignorância principalmente da liderança evangélica, que pregava que “crente não se mete em política”. Foi também a primeira entrevista feita pelo editor Marcos Bontempo (então com 24 anos de idade).
Constituinte, protestantismo brasileiro e participação política
Segundo a última revista Veja de agosto, pesquisas feitas no Rio de Janeiro apontam que 30% dos brasileiros nunca ouviram falar de Constituinte – e entre os ouviram, 64% não sabem dizer o que ela significa. Em situação não melhor encontram-se os evangélicos.
Signatário do Pacto de Lausanne e membro do Grupo de Teologia e Educação da Comissão de Lausanne que produziu os documentos Evangelização e Responsabilidade Social e O Evangelho e a Cultura, o professor e pastor Edward Robinson de Barros Cavalcanti, 41 anos, casado, dois filhos, tem procurado restaurar a tradição evangélica no Brasil em termos de missão social da igreja, “onde muitos concordam com a filantropia, alguns com projetos de desenvolvimento e poucos com ação política”. Escritor, conferencista e reconhecida autoridade evangélica em questões políticas, por dez anos assessor da Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABUB), Robinson Cavalcanti é ministro voluntário da Igreja Episcopal do Brasil e professor adjunto de Ciência Política nas universidades Federal Rural de Pernambuco e Federal de Pernambuco. Fundador do Movimento Cristão Democrata do Centro, é hoje suplente do Diretório Regional do PMDB em Recife.
É desnecessário salientar a importância, tanto para evangélicos como para não evangélicos, da Nova Carta Constitucional. Porém a desinformação campeia, em particular, na comunidade evangélica. Para Robinson Cavalcanti a “tarefa é educacional, deve haver um desbloqueio interior a nível de teologia, de informação histórica e a nível de conhecimento da realidade”. Contribuindo com esse processo, estará lançando a 18 deste mês [outubro de 1985], em Belo Horizonte, seu último livro – Cristianismo e Política: Base Bíblica e Prática Histórica. Foi no 14º andar do Edifício de Estudos Básicos da UFPE, onde coordena o Fórum de Análise Política, que Robinson Cavalcanti recebeu Ultimato para falar da importância do cristão, da igreja e da constituinte neste momento histórico.
Ultimato – O que é uma constituinte?
Robinson – Para entender a questão de constituinte é preciso entender o conceito de constituição. Nas sociedades antigas, a constituição era entendida como modos tradicionais de se constituir, onde as regras de uma sociedade passavam de pais para filhos e o carisma do governante estava acima da lei. Na idade contemporânea, com a urbanização, com o capitalismo, passamos a ter uma sociedade diversificada, com várias religiões, várias classes e várias filosofias. Na teologia encontramos o conceito calvinista do pacto, que é muito influente na sociedade ocidental; e no mundo secular, o contrato social de Rosseau. Tanto no pacto calvinista quanto no contrato social, temos princípios para a organização da sociedade tradicional, que tinha o entendimento que constituição era uma tradição, para o sentido contemporâneo, de uma norma maior, uma lei que representa a média da vontade coletiva. A Constituinte deve expressar todas as parcelas da população quanto à política, religião, raça, etc. Assim, baseado no princípio da democracia representativa, a assembleia constituinte é um órgão eleito pelo povo que tem por finalidade redigir um novo documento constitucional que deve decidir a vontade nacional naquele movimento histórico.
Ultimato – Como foram instaladas as diferentes constituições brasileiras?
Robinson – Quando uma constituição é feita pela assembleia nós a chamamos promulgada, e quando é imposta, outorgada, o que é um absurdo porque representa a vontade de um. O Brasil teve várias constituições. De 1824 a 1889, o país viveu com uma constituição imposta pelo imperador. Com a república, tivemos a primeira assembleia constituinte, que vai resultar na constituição de 1891. Uma constituição tecnicamente muito bem feita, mas com um detalhe: apenas 3% da população participou do processo eleitoral. Esta segunda constituição vai funcionar até 1930, quando vem a revolução e ela é arquivada. Em 1933 é convocada uma segunda assembleia constituinte e, em 1934 tivemos a terceira constituição, trazendo como grande novidade a introdução da legislação social no Brasil. Durou apenas três anos. Em 1937, Getúlio Vargas fecha o congresso, dissolve os partidos, anula esta constituição e instala no Brasil a o que seria a segunda constituição imposta, a constituição do Estado Novo. Com a queda de Vargas, depois da participação do Brasil na guerra da Itália, há uma sede de redemocratização no país, e é convocada mais uma assembleia constituinte. Nesta, bastante ampla, participaram comunistas, integralistas e o próprio ex-ditador. A partir de 1946 tivemos uma nova constituição, que vai funcionar até 1964. Em 64, ela é mantida pela revolução com algumas alterações, e, em 1967 foi colocada a atual constituição.
Ultimato – Tendo o país uma constituição, por que outra?
Robinson – A grande questão é que a atual constituição brasileira é questionada como sendo ilegítima. Essa constituição conviveu com os atos institucionais, é cheia de contradições e representa um momento político superado. Ora, se a nação está partindo para a redemocratização, ela tem que ser escutada outra vez para estabelecer novas regras de jogo para o próximo período histórico.
Ultimato – Por que a atual constituição é considerada ilegítima?
Robinson – Por não ser o resultado de uma Assembleia Nacional Constituinte. Ela foi colocada em 1967 quando o presidente Castelo Branco convocou uma comissão de juristas, mandou redigir um projeto e o enviou ao congresso com tempo limitado. Como o Congresso não tem poder constituinte originário (poder de fazer uma constituição), mas apenas poder constituinte derivado (de mudar, emendar), Castelo Branco, num ato de força, outorga ao Congresso o direito de poder constituinte originário. O Congresso sofre muitas cassações e os deputados amedrontados votam, com um mínimo de alterações, o documento enviado pelo presidente. Além disso, em 1969, com a doença do presidente Costa e Silva, os militares impediram a posse do vice-presidente Pedro Aleixo e outorgaram uma emenda constitucional número um, em vigor atualmente. Ou seja, foi o resultado da vontade de três ministros militares e não a vontade da nação.
Ultimato – Quais são as dificuldades no processo de implantação de uma nova constituinte?
Robinson – A dificuldade está em fazer uma nova lei com a antiga vigente. Isso gerou uma série de defeitos no processo de convocação da assembleia constituinte. O principal é que vai atribuir aos parlamentares eleitos no ano que vem o poder de serem deputados e senadores constituintes. O deputado será eleito pela lei antiga e vai fazer a lei nova, enquanto está vigente a lei antiga, para depois valer a nova lei e ele continuar como deputado, quer dizer, ele vai legislar em causa própria. Se olharmos as três contribuições mais recentes no Ocidente – as constituições de Portugal, da Espanha e a constituição do Peru em 1979 – verificamos que nas três houve eleição apenas para a Assembleia Constituinte e, depois de feita a constituição, houve eleição de acordo com a nova lei, para todos os cargos. Inclusive porque algumas pessoas poderiam desejar participar da Assembleia Constituinte e não querer ser deputados. No Peru, Pedro Arana, teólogo presbiteriano, candidatou-se e foi eleito, mas quando terminou a constituinte ele voltou para a igreja, porque queria apenas participar do processo que, inclusive, separou, pela primeira vez, a igreja do Estado. Além disso, a lei atual tem uma exigência de um mínimo e um máximo de deputados por estado. Ao invés de ser um homem, um voto, é um sistema distorcido porque é de bancadas estaduais. Uma fragilidade última que eu poderia ressaltar é a questão dos partidos. Ou são novos ou estão em organização. E preocupados com a eleição de prefeitos. Então, a grande dificuldade é como transformar essa constituição numa constituição autêntica.
Ultimato – Isso seria possível com uma eleição apenas para se fazer a constituinte...
Robinson – A proposta feita pelo PT – a mesma ideia da ordem dos advogados do Brasil – seria fazer, em março, a eleição da Assembleia Constituinte e, em novembro, teríamos a já prevista eleição de deputados e senadores. Entre março e outubro esse órgão eleito faria apenas a constituição e se dissolveria. A partir daí os deputados seriam eleitos sob a vigência da nova constituição e de acordo com as regras que ela estabelecesse. Esta seria a solução, mas dificilmente vai passar, porque há interesses políticos envolvidos.
Ultimato – De que forma a comunidade pode empurrar esse processo?
Robinson – Bem, a OAB, que representa uma categoria profissional, realizou debates, soltou matérias, publicou artigos na imprensa, foi ao presidente da república reivindicando uma comissão de consulta da população e não uma comissão de “indicados”, etc. São formas de pressão. Tem-se pressão parlamentar, pressão da imprensa, atos de protestos, ou seja, formas de mobilização da sociedade civil. Outra maneira, se não for possível alterar o processo, seria a seleção de candidatos. Durante os meses de debate em meio expediente, os deputados serão deputados e, em meio expediente, serão constituintes. Que haja vigilância e uma fiscalização para que os interesses nacionais sejam representados. Lamentavelmente, o Brasil não tem uma tradição de mobilização popular nem de fiscalização. O que temos é uma tradição de passividade e, quando não se quer ser passivo se é reprimido, ao contrário das democracias históricas onde o povo fiscaliza.
Ultimato – Como se dá a participação evangélica na história política do país?
Robinson – Enquanto o Brasil muda – o símbolo disso foi a campanha das Diretas – o que acontece com os evangélicos é um retrocesso. Os evangélicos, quando chegaram ao Brasil, vieram com uma ideia participante. A mentalidade dos missionários e dos primeiros pastores era usar a política para melhorar o país. Sempre se identificava catolicismo com atraso e ditadura, e protestantismo com progresso e democracia. Isso era parte da ideologia protestante, tanto assim que eles se aproximavam de políticos, especialmente do Partido Liberal, visando mudar a constituição, separar a igreja do Estado, criar o casamento civil, criar a liberdade de cemitérios, para a qual havia a restrição, etc. Esta mentalidade também estava presente nos colégios evangélicos, que foram um fator de modernização no currículo escolar. A primeira escola mista da América Latina foi o Mackenzie e a primeira escola de educação pré-escolar foi o Bennet, no Rio de Janeiro. Enquanto o Brasil era tradicionalista, esses colégios era modernizantes. Depois da curva do século, anos 1920 principalmente, houve uma explosão de convertidos, passando-se a um protestantismo de massa, massas iletradas, que corriam principalmente para igrejas do tipo pentecostal. Um outro dado que concorre para essa mudança de mentalidade é um dado teológico. Os missionários e pastores, nos primeiros 50 anos, eram principalmente pós-milenistas e amilenistas. O pós-milenista acha que vai expandir o Reino de Deus e convidar Cristo para a inauguração. O amilenista, embora creia que a glória só será feita com a chegada de Jesus, acredita que nós temos o dever e a possibilidade de realizar uma obra de expansão. A partir dos anos 1910, anos 1920, começa-se a substituir o amilenismo e pós-milenismo pelo pré-milenismo, – pré-tribulacionista e dispensacionalista, – que é uma visão bastante pessimista da história. Tudo isso gera, a partir dos anos 1920 até os anos 1960, duas tendências no protestantismo brasileiro: uma, quantitativamente majoritária, com tendência de ausência do processo político, e, outra, minoritária, com uma visão de presença. A partir dos anos 1960, passou-se a ensinar que crente não se mete em política. Uma geração foi criada assim. Acontece que isso não faz parte da história política do protestantismo, nem do protestantismo brasileiro. É uma tradição recente, mas quem foi criado nela pensa que sempre foi assim. Estão confundindo o antigo com o eterno. Agora, nos anos 1980, o discurso de que crente não se mete em política foi substituído por outro: se mete, desde que seja pela direita, ou seja, para sustentar as forças conservadoras. Isso gera uma mudança de 180°. O protestantismo brasileiro, que se aliou ao Partido Liberal durante o império e que se tornou um fator de abertura de mentalidade, de preparo da classe média da sociedade industrial, vai tomando o lugar que a igreja católica tinha há 20 anos, ocupando o tradicionalismo. Em parte, as massas católicas, que se converteram às grandes religiões como a igreja pentecostal, trazem traços psicossociais e culturais que são semelhantes aos devotos do padre Cícero e outros, uma visão pré-moderna. O meu grande temor é que o protestantismo brasileiro se transforme numa massa de manobra para engrossar o contingente eleitoral dos partidos mais conservadores.
Ultimato – Qual a razão para o baixo interesse e a não participação dos evangélicos no processo político?
Robinson – Eu diria que há vários fatores. O baixo nível de informação, a teologia que ensina que o cristão não tem nenhum papel histórico e o reino de Deus é só transcendente. Além do mais há o seguinte: muitos crentes galgaram a classe média há pouco tempo e a classe média é insegura – eles têm medo de virar pobres novamente. A conjugação desses elementos concorre para essa alienação. Por outro lado, alguns defendem a participação evangélica, mas com uma visão bastante limitada. Por exemplo, defesa da liberdade religiosa (a liberdade religiosa não está ameaçada), favores para a igreja, empregos para os crentes, etc. A participação estaria reduzida a esta visão, quando eu creio que o parlamentar evangélico, especialmente no caso da constituinte, deveria ter outras dimensões, tais como: assegurar a liberdade religiosa não para o protestantismo, mas para uma sociedade pluralista e democrática; enfatizar a moralidade política; dar combate à corrupção; e defender bandeiras justas, bandeiras que reflitam os valores do reino de Deus.
Ultimato – O que deveria ser feito no nível de igreja local, a nível de grupos cristãos, para partirmos para uma participação mais ativa?
Robinson – Lamentavelmente, neste processo a Assembleia Constituinte vai influenciar mais as igrejas do que o contrário. Para influenciarmos, deveríamos ter uma bandeira e querer levá-la. Uns não têm bandeira e outros não querem levar bandeira alguma. A Visão Mundial está fazendo um trabalho bom de reflexão sobre a missão da Igreja no Brasil hoje, através de encontros regionais e nacionais. Eu acho que os seminários e entidades como a ABU, Visão Mundial e outros poderiam desempenhar um grande papel, que é a recuperação da história e da teologia protestantes. A grande tragédia é que nós, que enfatizamos a tradição, somos acusados de inovadores, e aqueles que inovaram há pouco tempo se consideram os conservadores. Uma completa inversão!
Ultimato – A longo prazo seria possível um consenso em torno da participação política dos evangélicos?
Robinson – Em 1983, na cidade de Jarabacoa, República Dominicana, houve uma consulta teológica de políticos evangélicos onde elaboramos a Declaração de Jarabacoa, sobre a ação política dos evangélicos que, lamentavelmente, teve pouca divulgação no Brasil. É um documento de reflexão teológica e de sugestões para a ação da igreja local, denominação e a nível de movimentos. Os documentos que Lausanne tem produzido, como Evangelho e Cultura, Evangelização e Responsabilidade Social, dos quais tive a honra de participar, são diretrizes teológicas que representam um consenso da comunidade evangélica internacional. Eu creio que a tarefa é educacional. Deve haver um desbloqueio interior, a nível de teologia, a nível de informação histórica e a nível de conhecimento da realidade, ou seja, todo um processo educativo que deverá se fazer sob pena de que nós fiquemos ultrapassados pelos acontecimentos e nos tornemos uma comunidade marginal. Se o arrebatamento se desse na Quarta-Feira de Cinzas no Brasil, o mundo levaria semanas para notar nossa ausência, porque pensaria que continuávamos acampados, isto é, a nossa influência é quase nenhuma. Como influenciar se você não tem convicção de que deve influenciar, não se organiza para esse fim? O pior é que as minorias (como no meu caso) que tentam convencer a igreja dessa necessidade para a sua relevância, para sua sobrevivência e influência são profundamente incompreendidas.
Ultimato – A igreja tem se tornado descartável nesse processo político?
Robinson – Não só do processo político, mas também do processo social, cultural, etc. Gilberto Freire, um dos mais famosos “desviados” do Brasil, dizia que os evangélicos tem produzido bons gramáticos, mas não tem produzido literatos. Há os que sabem bem o português, mas você não encontra romances evangélicos, trilhas cinematográficas, peças de teatro, ou seja, a nossa presença para alterar a cultura brasileira tem sido mínima, temos nos transformado numa subcultura. Não precisaríamos de dez milhões para influenciar. O mundo é de minorias organizadas, mas com minorias desorganizadas fica difícil.
Ultimato – Quais são atualmente os principais obstáculos à participação dos evangélicos na Assembleia Constituinte?
Robinson – Em parte seria a não compreensão da importância da assembleia constituinte, no sentido de que evangélicos e não evangélicos vão viver sob o mesmo regime que vai decidir soberanamente. Agora que se faz alguma coisa através das comissões evangélicas pró-constituinte dos estados, eu diria que o ritmo deveria ser conscientização, mobilização e a escolha de candidatos; mas estão escolhendo os candidatos antes que o povo esteja conscientizado e mobilizado. Outra questão é a ausência de uma articulação nacional evangélica. O Brasil é o único país da América Latina que não tem um organismo ou organismos interdenominacionais de peso. No Peru, por exemplo, o Conselho Nacional Evangélico Peruano reúne 85% das denominações do país. Na Espanha foi criada uma comissão evangélica para acompanhar o processo da constituinte e esta comissão teve tamanha participação que o governo espanhol criou um comitê nacional consultivo pela garantia dos direitos humanos e liberdades civis, onde esta comissão tinha assento. Tivemos a Confederação Evangélica no passado que de certa maneira se esvaziou por conflitos teológico-políticos. Os evangélicos não conseguem viver num ambiente em que seu grupo não esteja mandando, há uma impossibilidade de tolerar diferenças, e isso quanto a assuntos secundários e terciários. Em alguns países é preciso que haja revolução, que haja golpes, que haja perseguição para que a igreja tome consciência. (Em vez da igreja conduzir o processo histórico e fomentá-lo, ela é atropelada, mutilada e ferida pela sua própria incapacidade de refletir sobre seu papel histórico). Se Deus age na história do seu reino, age preferencialmente nas igrejas como agências, e se a agência não age, as pedras vão acabar clamando. Em relação aos evangélicos, nós temos uma esperança apenas teológica, mas não uma esperança por evidência.
Ultimato – Existe uma causa na teologia protestante que está por trás dessa dificuldade de diálogo?
Robinson – Acho que sim. Acredito que a causa está num maniqueísmo, num fundamentalismo estreito, no sectarismo. Desenvolveram-se distorções eclesiásticas, ao longo das décadas, e a dificuldade está em nós mesmos. Temos dificuldades de diferenciar a experiência da fé, a doutrina da teologia. Se o individuo não tem a teologia que eu tenho, eu já acho que ele não é ortodoxo e, às vezes, nem convertido. Outra coisa é a questão do essencial e do acidental. Quando você coloca numa confissão de fé a crença na volta pré-milenal de Cristo, está colocando como central uma doutrina que foi historicamente considerada periférica. O que é central é o retorno de Cristo, mas estamos considerando o tipo de batismo, o governo da igreja, a temperatura da água do batistério; quer dizer, vamos descendo a minúcias e quem não concorda com tudo isso seja anátema.
Ultimato – O senhor acredita que a participação evangélica pode ser tornar mais efetiva através de grupos evangélicos não institucionalizados?
Robinson – A história tem nos ensinado, não só no campo religioso, mas em todos os campos, que as instituições tendem a ser conservadoras, imobilistas, porque elas representam um momento histórico em que alguma coisa deu certo. As mudanças vêm por pressões de grupos informais para com a instituição e, se esta resiste, termina por romper, e no protestantismo, particularmente, ocorre isso. Na igreja católica, não; ficam todos sob um mesmo guarda-chuva e fundam novas ordens religiosas, sublegendas. A grande parte das denominações são resultados da impossibilidade das elites institucionais de absorverem e tratarem com as pressões de inovação. Embora tenhamos que pressionar a instituição, ela é que é permanente. Eu creio que a esperança está, principalmente, nesses grupos informais interdenominacionais ou denominacionais, grupos de reflexão, grupos de estudo que correm à margem da máquina institucional. Outra questão é a dos pastores de tempo integral e parcial. Embora eu ache que o ministro de tempo integral seja o padrão bíblico, minha impressão é que os pastores voluntários, ou seja, não remunerados, e leigos engajados estarão muito mais à frente de qualquer processo de mudança do que aqueles pastores de tempo integral que dependem do bolso dos conservadores leigos ou daqueles que fazer parte da máquina denominacional. A tendência histórica é conservadora até por uma questão de sobrevivência.
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A igreja, o país e o mundo
- 26 de fevereiro de 2013
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