Prateleira
- 26 de janeiro de 2016
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Teologia feita de histórias
Portal Ultimato - Apesar do pouco tempo desde o seu lançamento, como tem sido a repercussão do livro?
Cayo César - Difícil responder a esta pergunta, pois, como você afirmou, tudo é muito recente. A repercussão entre amigos próximos, familiares, membros da comunidade local tem sido muito gratificante. É interessante destacar que este projeto, apesar de ser pessoal e solitário, como de resto é toda obra literária, também é um projeto que nasce no contexto comunitário.
Lembro-me que quando pensei em fazer o livro, comentando sobre isto com o Rev. Ricardo Barbosa [colunista da revista Ultimato e pastor da igreja em que Cayo é presbítero, em Brasília], ele propôs: “Faça, mas faça a partir da sua experiência comunitária”. E, de certo modo, assim é que foi feito. Na convivência com os irmãos, nas discussões em nosso pequeno grupo semanal ou nas aulas de Escola Dominical, é que a minha mente foi sendo impregnada por ideias, conceitos e aprendizado. Por isto mesmo, quando compartilhei em meu pequeno grupo que o projeto do livro estava em andamento, a animação foi grande. Houve um envolvimento direto das pessoas, com incentivo, orações e, até mesmo com a viabilização financeira do projeto. Digo isto com o coração cheio de gratidão por cada manifestação de carinho, seja com palavras, seja mesmo com recursos financeiros com que tantos demonstraram sua generosidade.
Outro aspecto que muito tem me animado é o fato de ver que a Editora Ultimato também abraçou o projeto com bastante animação, uma animação crescente, eu diria, e perceptível na enorme qualidade de toda a sua atuação. Então, posso dizer que a minha expectativa quanto ao livro envolve uma enorme esperança. Sim, vejo-o como uma semente lançada e espero que seus frutos produzam ainda mais esperança para os corações, mais fé e confiança no Criador e em seu filho bendito Jesus Cristo. “Soli Deo Gloria!”
Portal Ultimato - Você disse que a vida é feita de histórias. A Bíblia conta histórias do início ao fim. Mas por que os teólogos preferem mais dissecar conceitos que contar histórias?
Cayo César - Devo iniciar esta resposta reafirmando que não sou teólogo, de modo que não tenho o que dizer acerca das preferências dos teólogos. De uma forma bem simples, eu poderia dizer que tais preferências têm alguma relação com os métodos de teologia adotados; um, a teologia sistemática, que busca investigação conceitual e, talvez, mais precisa, e o outro, linha com que mais me identifico, a denominada teologia bíblica.
De qualquer modo, refletindo, agora, sobre o assunto, eu diria que aspectos históricos e culturais podem explicar as diferentes abordagens. Como falei anteriormente, parece que nossa herança reformada implica nesta necessidade de afirmação racional de verdades, de onde viria, ao que parece, a ideia de “dissecar conceitos”. Mas tenho a impressão que parte disto remonta a processos históricos mais remotos que antecederam o Iluminismo, com seus reflexos recíprocos sobre a Reforma. Falo, aqui, sobre a influência do pensamento grego e de sua filosofia voltada à persecução de uma “verdade abstrata” e universal. Penso que este viés de pensamento se dá de maneira bastante diversa do modo e da cultura com que os hebreus viam a vida e, também, a revelação da divindade por meio da Torá, o seu texto sagrado. A percepção de Deus e, portanto, da Verdade, para os hebreus, diferentemente da filosofia grega, tem uma relação muito mais direta com a concretude da vida e com as relações pessoais experimentadas por eles, entre si ou entre os homens e Deus. Não é, assim, uma verdade abstrata o que interessa - ao menos, não apenas isto -, mas uma verdade concreta, revelada por meio da própria criação e das relações travadas entre as criaturas e o Criador. Veja que se trata de uma espiritualidade que se dá no contexto da promessa, seja da Terra, seja da eternidade, todas estas dimensões intrincadas e ajuntadas pelo fio condutor da Palavra revelada.
São as histórias que dão sentido à História. Desde de Adão e Eva, passando por Abraão, Moisés ou Davi, ou todos os homens, somos chamados diretamente pela voz do próprio Jesus, no tempo do Novo Testamento e que dizia: “vem e vê”. Ou seja, siga-me e experimente. Esta clara diferença entre a visão greco-romana e judaica é bastante perceptível no confronto entre Pilatos e o prisioneiro Jesus. A pergunta do Cônsul Romano para o Cristo espelha, exatamente, o que estou tentando destacar. Ele pergunta: “o que é a verdade?” A resposta de Jesus, que na narrativa bíblica não é dada naquele exato momento, mas poderia ser, é objetiva e direta: “Eu sou a verdade”. Vale dizer, a verdade não é um “o que”, mas é “um Quem”. Pessoal, encarnada, presente!
Além do componente histórico-cultural, eu diria que a tendência que você destaca em sua pergunta tem relação com a maneira como olhamos para a vida. Talvez seja mais fácil, ou menos complexo, lidar com conceitos e sistemas elaborados, de forma a nos dar mais segurança, ou mais certeza, o que, ao final, tem a ver com a nossa necessidade de controlar as coisas. Mais difícil, me parece, é lidar com uma pessoa, especialmente, com um Ser Pessoal sobre o qual não temos qualquer controle.
Se olharmos para o conteúdo bíblico, constataremos que as histórias, sob o ponto de vista humano, não se desenvolvem de maneira controlada e absolutamente perfeita. Ao contrário, há enormes complicações, erros, pecados, condutas contraditórias de seus personagens humanos, porém, ainda assim, nada foge à soberana condução de um Bom e Fiel Criador e consumador da vida. O perigo da necessidade de controle inerente ao homem, e de sua consequente necessidade de respostas fechadas e conceitos inquestionáveis, é a perda da possibilidade um relacionamento fundado na confiança, feita por Deus. Veja a linguagem utilizada pelo livro de Hebreus, noticiando que Deus se revelou ao homem, de modo progressivo, de muitas formas, muitas maneiras, mas que, na plenitude do tempo e na plenitude da revelação, efetivamente se mostrou por meio da encarnação, ou seja, da vida de Jesus. Esta encarnação e esta vida de Jesus é que configuram a chave hermenêutica para a compreensão do Ser Eterno, do divino. Agora, isto só é possível porque “ele andou entre nós” e, ao andar conosco, se fez vulnerável aos relacionamentos, aprendeu com o sofrimento que vivenciou, foi incompreendido, abandonado e traído, mas também experimentou o amor, o acolhimento e a devoção. Ou seja, experimentou a vida em toda a sua complexidade e, hoje, sabe o que é padecer. Isto, a meu ver, não é possível expressar por meio de conceitos abstratos, ainda que corretos, porque só se dá no contexto do amor, que, como dizia C. S. Lewis, nos faz mais vulneráveis, sem controle.
Portal Ultimato - De certa forma, com sua narrativa histórica, você resgatou alguns aspectos elementares da vida cristã dos primeiros anos. O que a Igreja Cristã precisa resgatar do Evangelho ainda hoje?
Cayo César - Não consigo achar, relativamente a esta questão, nenhuma resposta que não passe pela ideia, muitas vezes tão mal compreendida, do Amor, o caminho sobremodo excelente, na linguagem do apóstolo Paulo. Não há, conforme eu entendo, aspecto mais elementar – e mais essencial – para a Igreja Cristã do que a percepção contínua de que somos chamados ao Amor. É claro que corro, aqui, o risco de esvaziar toda a resposta, em razão da abstração cada vez maior do significado desta palavra. Porém, o risco, que é real, não é capaz de invalidar a realidade. Tudo o que a Igreja precisa, desesperadamente, é viver o amor com o qual Deus a tem amado. Mas este amor tem nome, tem cara, tem expressão concreta na História, Jesus de Nazaré. Ele é a encarnação do Amor.
Assim, a Igreja, e todo ser humano, precisa exatamente da mesma coisa que cada um dos personagens apresentados no livro precisavam e conseguiram achar: de um encontro real e transformador com Jesus Cristo. Dentre os muitos aspectos do que pode significar esta afirmação, gostaria de destacar aquele que, me parece, é o que melhor espelha a essência da postura de Deus em relação ao homem e sua tragédia existencial. Esta seria, por assim dizer, a escolha essencial de Deus. Tal escolha se dá em um embate entre o Poder e o Amor. Deus, em Jesus, revela que a sua opção eterna, desde a fundação do mundo, sempre foi o Amor. Neste aspecto, há uma fala da boca do próprio Deus, na história de Oséias, que bem exemplifica o que estou querendo dizer (capítulo 11, versículos 8 a 11). Ali, a afirmação de Deus é bastante interessante: Porque eu sou Deus e não homem, eu não vou agir com poder, mas com misericórdia. O texto aponta uma verdade contundente: aquilo que faz de Deus, Deus, e não homem, não é o seu poder de punir, mas a misericórdia com que Ele pode agir. Porque Deus é bom! Um Deus que deixa acender, dentro de seu coração, a compaixão. Por ser Deus é que Ele pode ser, e é, misericordioso. Porque Ele é Amor!
Pois bem, você me pergunta o que a Igreja precisa, e eu só posso responder que ela precisa voltar continuamente a este amor de Deus, a vivê-lo, a aplicá-lo. Um amor que se esvazia do poder e se volta para o outro, ainda que miserável e pecador. Um amor que serve, que lava os pés. Um amor que acolhe, que abraça. Um amor cheio de Graça e de Verdade (com a importância que se deve dar à sequência trazida no texto bíblico). Graça e Verdade, como na história da mulher flagrada em adultério, onde primeiro Jesus afirma “eu não te condeno”, para depois dizer “vá e não peques mais”.
Aprendi nas aulas dominicais do Rubem Amorese [colunista da revista Ultimato e também presbítero da Igreja Presbiteriana do Planalto] que a palavra misericórdia traz em seu bojo as ideias de “coração+miséria”; assim, quem tem misericórdia está vendo, e se condoendo, com a miséria de outro coração. Não é exatamente isto que o Salvador nos ensina, com sua vida, com sua morte, com sua ressurreição? Por isto, na minha modesta opinião, a Igreja precisa voltar ao seu Senhor e Mestre e viver aquilo que Ele mesmo viveu: Ele se esvaziou (do poder e da glória) e se entregou (em serviço e sacrifício), pelos seres humanos quando estes ainda eram seus inimigos.
Voltar à essência do Evangelho é voltar à vida de seu Senhor, é voltar-se para Jesus, conforme Ele é apresentado nos Evangelhos e, a partir do exemplo que Ele deixou, promover o bem. Minimizar o sofrimento do próximo é a verdade contida no mandamento primordial deixado por Jesus em sua “regra de ouro”. Diminuir o sofrimento do outro e apontar o caminho da esperança; esta, a missão da Igreja.
• Cayo César Santos, casado com Jane e pai de Lucas, Felipe e Rafael, é presbítero da Igreja Presbiteriana do Planalto e membro da diretoria do Centro Cristão de Estudos, em Brasília, DF. É analista e assessor jurídico no Ministério Público Federal
Foto ilustrativa: Trevor Eiler
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Cayo César - Difícil responder a esta pergunta, pois, como você afirmou, tudo é muito recente. A repercussão entre amigos próximos, familiares, membros da comunidade local tem sido muito gratificante. É interessante destacar que este projeto, apesar de ser pessoal e solitário, como de resto é toda obra literária, também é um projeto que nasce no contexto comunitário.
Lembro-me que quando pensei em fazer o livro, comentando sobre isto com o Rev. Ricardo Barbosa [colunista da revista Ultimato e pastor da igreja em que Cayo é presbítero, em Brasília], ele propôs: “Faça, mas faça a partir da sua experiência comunitária”. E, de certo modo, assim é que foi feito. Na convivência com os irmãos, nas discussões em nosso pequeno grupo semanal ou nas aulas de Escola Dominical, é que a minha mente foi sendo impregnada por ideias, conceitos e aprendizado. Por isto mesmo, quando compartilhei em meu pequeno grupo que o projeto do livro estava em andamento, a animação foi grande. Houve um envolvimento direto das pessoas, com incentivo, orações e, até mesmo com a viabilização financeira do projeto. Digo isto com o coração cheio de gratidão por cada manifestação de carinho, seja com palavras, seja mesmo com recursos financeiros com que tantos demonstraram sua generosidade.
Outro aspecto que muito tem me animado é o fato de ver que a Editora Ultimato também abraçou o projeto com bastante animação, uma animação crescente, eu diria, e perceptível na enorme qualidade de toda a sua atuação. Então, posso dizer que a minha expectativa quanto ao livro envolve uma enorme esperança. Sim, vejo-o como uma semente lançada e espero que seus frutos produzam ainda mais esperança para os corações, mais fé e confiança no Criador e em seu filho bendito Jesus Cristo. “Soli Deo Gloria!”
Portal Ultimato - Você disse que a vida é feita de histórias. A Bíblia conta histórias do início ao fim. Mas por que os teólogos preferem mais dissecar conceitos que contar histórias?
Cayo César - Devo iniciar esta resposta reafirmando que não sou teólogo, de modo que não tenho o que dizer acerca das preferências dos teólogos. De uma forma bem simples, eu poderia dizer que tais preferências têm alguma relação com os métodos de teologia adotados; um, a teologia sistemática, que busca investigação conceitual e, talvez, mais precisa, e o outro, linha com que mais me identifico, a denominada teologia bíblica.
De qualquer modo, refletindo, agora, sobre o assunto, eu diria que aspectos históricos e culturais podem explicar as diferentes abordagens. Como falei anteriormente, parece que nossa herança reformada implica nesta necessidade de afirmação racional de verdades, de onde viria, ao que parece, a ideia de “dissecar conceitos”. Mas tenho a impressão que parte disto remonta a processos históricos mais remotos que antecederam o Iluminismo, com seus reflexos recíprocos sobre a Reforma. Falo, aqui, sobre a influência do pensamento grego e de sua filosofia voltada à persecução de uma “verdade abstrata” e universal. Penso que este viés de pensamento se dá de maneira bastante diversa do modo e da cultura com que os hebreus viam a vida e, também, a revelação da divindade por meio da Torá, o seu texto sagrado. A percepção de Deus e, portanto, da Verdade, para os hebreus, diferentemente da filosofia grega, tem uma relação muito mais direta com a concretude da vida e com as relações pessoais experimentadas por eles, entre si ou entre os homens e Deus. Não é, assim, uma verdade abstrata o que interessa - ao menos, não apenas isto -, mas uma verdade concreta, revelada por meio da própria criação e das relações travadas entre as criaturas e o Criador. Veja que se trata de uma espiritualidade que se dá no contexto da promessa, seja da Terra, seja da eternidade, todas estas dimensões intrincadas e ajuntadas pelo fio condutor da Palavra revelada.
São as histórias que dão sentido à História. Desde de Adão e Eva, passando por Abraão, Moisés ou Davi, ou todos os homens, somos chamados diretamente pela voz do próprio Jesus, no tempo do Novo Testamento e que dizia: “vem e vê”. Ou seja, siga-me e experimente. Esta clara diferença entre a visão greco-romana e judaica é bastante perceptível no confronto entre Pilatos e o prisioneiro Jesus. A pergunta do Cônsul Romano para o Cristo espelha, exatamente, o que estou tentando destacar. Ele pergunta: “o que é a verdade?” A resposta de Jesus, que na narrativa bíblica não é dada naquele exato momento, mas poderia ser, é objetiva e direta: “Eu sou a verdade”. Vale dizer, a verdade não é um “o que”, mas é “um Quem”. Pessoal, encarnada, presente!
Além do componente histórico-cultural, eu diria que a tendência que você destaca em sua pergunta tem relação com a maneira como olhamos para a vida. Talvez seja mais fácil, ou menos complexo, lidar com conceitos e sistemas elaborados, de forma a nos dar mais segurança, ou mais certeza, o que, ao final, tem a ver com a nossa necessidade de controlar as coisas. Mais difícil, me parece, é lidar com uma pessoa, especialmente, com um Ser Pessoal sobre o qual não temos qualquer controle.
Se olharmos para o conteúdo bíblico, constataremos que as histórias, sob o ponto de vista humano, não se desenvolvem de maneira controlada e absolutamente perfeita. Ao contrário, há enormes complicações, erros, pecados, condutas contraditórias de seus personagens humanos, porém, ainda assim, nada foge à soberana condução de um Bom e Fiel Criador e consumador da vida. O perigo da necessidade de controle inerente ao homem, e de sua consequente necessidade de respostas fechadas e conceitos inquestionáveis, é a perda da possibilidade um relacionamento fundado na confiança, feita por Deus. Veja a linguagem utilizada pelo livro de Hebreus, noticiando que Deus se revelou ao homem, de modo progressivo, de muitas formas, muitas maneiras, mas que, na plenitude do tempo e na plenitude da revelação, efetivamente se mostrou por meio da encarnação, ou seja, da vida de Jesus. Esta encarnação e esta vida de Jesus é que configuram a chave hermenêutica para a compreensão do Ser Eterno, do divino. Agora, isto só é possível porque “ele andou entre nós” e, ao andar conosco, se fez vulnerável aos relacionamentos, aprendeu com o sofrimento que vivenciou, foi incompreendido, abandonado e traído, mas também experimentou o amor, o acolhimento e a devoção. Ou seja, experimentou a vida em toda a sua complexidade e, hoje, sabe o que é padecer. Isto, a meu ver, não é possível expressar por meio de conceitos abstratos, ainda que corretos, porque só se dá no contexto do amor, que, como dizia C. S. Lewis, nos faz mais vulneráveis, sem controle.
Portal Ultimato - De certa forma, com sua narrativa histórica, você resgatou alguns aspectos elementares da vida cristã dos primeiros anos. O que a Igreja Cristã precisa resgatar do Evangelho ainda hoje?
Cayo César - Não consigo achar, relativamente a esta questão, nenhuma resposta que não passe pela ideia, muitas vezes tão mal compreendida, do Amor, o caminho sobremodo excelente, na linguagem do apóstolo Paulo. Não há, conforme eu entendo, aspecto mais elementar – e mais essencial – para a Igreja Cristã do que a percepção contínua de que somos chamados ao Amor. É claro que corro, aqui, o risco de esvaziar toda a resposta, em razão da abstração cada vez maior do significado desta palavra. Porém, o risco, que é real, não é capaz de invalidar a realidade. Tudo o que a Igreja precisa, desesperadamente, é viver o amor com o qual Deus a tem amado. Mas este amor tem nome, tem cara, tem expressão concreta na História, Jesus de Nazaré. Ele é a encarnação do Amor.
Assim, a Igreja, e todo ser humano, precisa exatamente da mesma coisa que cada um dos personagens apresentados no livro precisavam e conseguiram achar: de um encontro real e transformador com Jesus Cristo. Dentre os muitos aspectos do que pode significar esta afirmação, gostaria de destacar aquele que, me parece, é o que melhor espelha a essência da postura de Deus em relação ao homem e sua tragédia existencial. Esta seria, por assim dizer, a escolha essencial de Deus. Tal escolha se dá em um embate entre o Poder e o Amor. Deus, em Jesus, revela que a sua opção eterna, desde a fundação do mundo, sempre foi o Amor. Neste aspecto, há uma fala da boca do próprio Deus, na história de Oséias, que bem exemplifica o que estou querendo dizer (capítulo 11, versículos 8 a 11). Ali, a afirmação de Deus é bastante interessante: Porque eu sou Deus e não homem, eu não vou agir com poder, mas com misericórdia. O texto aponta uma verdade contundente: aquilo que faz de Deus, Deus, e não homem, não é o seu poder de punir, mas a misericórdia com que Ele pode agir. Porque Deus é bom! Um Deus que deixa acender, dentro de seu coração, a compaixão. Por ser Deus é que Ele pode ser, e é, misericordioso. Porque Ele é Amor!
Pois bem, você me pergunta o que a Igreja precisa, e eu só posso responder que ela precisa voltar continuamente a este amor de Deus, a vivê-lo, a aplicá-lo. Um amor que se esvazia do poder e se volta para o outro, ainda que miserável e pecador. Um amor que serve, que lava os pés. Um amor que acolhe, que abraça. Um amor cheio de Graça e de Verdade (com a importância que se deve dar à sequência trazida no texto bíblico). Graça e Verdade, como na história da mulher flagrada em adultério, onde primeiro Jesus afirma “eu não te condeno”, para depois dizer “vá e não peques mais”.
Aprendi nas aulas dominicais do Rubem Amorese [colunista da revista Ultimato e também presbítero da Igreja Presbiteriana do Planalto] que a palavra misericórdia traz em seu bojo as ideias de “coração+miséria”; assim, quem tem misericórdia está vendo, e se condoendo, com a miséria de outro coração. Não é exatamente isto que o Salvador nos ensina, com sua vida, com sua morte, com sua ressurreição? Por isto, na minha modesta opinião, a Igreja precisa voltar ao seu Senhor e Mestre e viver aquilo que Ele mesmo viveu: Ele se esvaziou (do poder e da glória) e se entregou (em serviço e sacrifício), pelos seres humanos quando estes ainda eram seus inimigos.
Voltar à essência do Evangelho é voltar à vida de seu Senhor, é voltar-se para Jesus, conforme Ele é apresentado nos Evangelhos e, a partir do exemplo que Ele deixou, promover o bem. Minimizar o sofrimento do próximo é a verdade contida no mandamento primordial deixado por Jesus em sua “regra de ouro”. Diminuir o sofrimento do outro e apontar o caminho da esperança; esta, a missão da Igreja.
• Cayo César Santos, casado com Jane e pai de Lucas, Felipe e Rafael, é presbítero da Igreja Presbiteriana do Planalto e membro da diretoria do Centro Cristão de Estudos, em Brasília, DF. É analista e assessor jurídico no Ministério Público Federal
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