Opinião
- 04 de dezembro de 2006
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Sujeitos e objetos do acaso
Minha geração logo será recolhida aos nossos antepassados sem deixar um mundo melhor. Lamento, ainda não nos cansamos das guerras, ainda não soubemos acabar com holocaustos étnicos, ainda não tivemos coragem de criar outra estrutura econômica global, mais justa e menos destruidora do meio ambiente.
A próxima geração chega com a nobre missão de cumprir a trágica responsabilidade de conciliar este século, que se encapsulou em menos de uma década, com o milênio que ainda não nasceu.
Acordei inquieto com os obstáculos que meus descendentes enfrentarão num futuro que vem chegando, parecido com um barril, solto ladeira abaixo. Sinto compulsão de oferecer conselhos, mesmo sem ter sido solicitado.
Diferenciem entre o permanente e o movediço. De antemão, sei que isso não lhes será fácil; essas verdades nunca são óbvias. Elas só pertencem aos que amam os poetas com seus versos, os músicos com suas fantasias e os pecadores com suas imperfeições. Para perceber a vida, precisamos de ouvidos que ouvem o inaudível, coração que sente o imperceptível e espírito que intui o divino. Alimentem a alma com palavras e exercitem o espírito com atos de bondade.
Afeiçoem-se do que é precário; não se encantem com o sólido. Deus se mostra nos momentos incomuns e silênciosos da catedral; ou no sorriso do bebê; ou no brinde da refeição; ou no gesto de estender o lenço que enxuga a lágrima. Ele pode manifestar-se até quando o telefone se intromete, inconveniente. Sempre que converso no balcão do cafezinho, suspeito estar rodeado de anjos. Perceberemos um pouquinho do divino se conseguirmos congelar um súbito e desprezível segundo, numa memória eterna.
Desdenhem as certezas; elas produziram ódios, preconceitos e o alheamento das pessoas. Prefiram navegar nas águas menos tranqüilas das dúvidas. Troquem convicção por fé. Não temam acender lanternas com o óleo de suas angústias. Acolham as fagulhas oferecidas por seus semelhantes, homens e mulheres de boa vontade. Somem seus diminutos feixes de luz e clareiem as sendas menos viajadas. Entrem por portas enferrujadas, optem pelos labirintos mais complicados, não hesitem cruzar pontes inseguras. Escondam-se do fulgor do sol e saibam também amar as noites sem estrelas. Não evitem as casas onde há luto.
Todos somos, simultaneamente, cobaias e artesãos da história, sujeitos e objetos do acaso, autores e personagens do espetáculo da vida; assim, guardem na lembrança o que pode lhes dar esperança.
Soli Deo Gloria.
Foto: Sven Rohloff
A próxima geração chega com a nobre missão de cumprir a trágica responsabilidade de conciliar este século, que se encapsulou em menos de uma década, com o milênio que ainda não nasceu.
Acordei inquieto com os obstáculos que meus descendentes enfrentarão num futuro que vem chegando, parecido com um barril, solto ladeira abaixo. Sinto compulsão de oferecer conselhos, mesmo sem ter sido solicitado.
Diferenciem entre o permanente e o movediço. De antemão, sei que isso não lhes será fácil; essas verdades nunca são óbvias. Elas só pertencem aos que amam os poetas com seus versos, os músicos com suas fantasias e os pecadores com suas imperfeições. Para perceber a vida, precisamos de ouvidos que ouvem o inaudível, coração que sente o imperceptível e espírito que intui o divino. Alimentem a alma com palavras e exercitem o espírito com atos de bondade.
Afeiçoem-se do que é precário; não se encantem com o sólido. Deus se mostra nos momentos incomuns e silênciosos da catedral; ou no sorriso do bebê; ou no brinde da refeição; ou no gesto de estender o lenço que enxuga a lágrima. Ele pode manifestar-se até quando o telefone se intromete, inconveniente. Sempre que converso no balcão do cafezinho, suspeito estar rodeado de anjos. Perceberemos um pouquinho do divino se conseguirmos congelar um súbito e desprezível segundo, numa memória eterna.
Desdenhem as certezas; elas produziram ódios, preconceitos e o alheamento das pessoas. Prefiram navegar nas águas menos tranqüilas das dúvidas. Troquem convicção por fé. Não temam acender lanternas com o óleo de suas angústias. Acolham as fagulhas oferecidas por seus semelhantes, homens e mulheres de boa vontade. Somem seus diminutos feixes de luz e clareiem as sendas menos viajadas. Entrem por portas enferrujadas, optem pelos labirintos mais complicados, não hesitem cruzar pontes inseguras. Escondam-se do fulgor do sol e saibam também amar as noites sem estrelas. Não evitem as casas onde há luto.
Todos somos, simultaneamente, cobaias e artesãos da história, sujeitos e objetos do acaso, autores e personagens do espetáculo da vida; assim, guardem na lembrança o que pode lhes dar esperança.
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