Opinião
17 de outubro de 2014
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Sola gratia

Sempre vi essa cena como uma magnífica representação moderna de uma verdade bíblica tão cara à tradição reformada, porém, tão difícil de ser vivida e praticada de forma plena: a graça, somente a graça.
Em sua luta contra as práticas abusivas das indulgências e o conceito de que a salvação depende das boas obras, os reformadores do século 16 defenderam a doutrina bíblica de que a salvação é somente pela graça. Não que a igreja cristã medieval não cresse e aceitasse que a salvação era pela graça. Pelo contrário, no final do século 4º, Agostinho e Jerônimo já combatiam veementemente a doutrina de Pelágio, que afirmava que a salvação do ser humano dependia estritamente das decisões do próprio indivíduo que nascera moralmente neutro e capaz de decidir por sua salvação. Agostinho, por outro lado, argumentava que o ser humano foi gerado em pecado e somente pela graça de Deus podia ser salvo. Em 418 d.C., no Concílio de Cartago, o “pelagianismo”, como ficou conhecida a doutrina, foi formalmente condenado como heresia pela igreja.
Mais do que defender a doutrina da salvação pela graça, os reformadores enfatizavam o sola, somente, pela graça. A grande diferença entre o ensino dos reformadores e as doutrinas e práticas da época foi o fato de afirmarem que a graça não requer boas obras para atender a exigência do perdão dos pecados. Os reformadores se firmaram em textos bíblicos que ensinam explicitamente a suficiência da graça para a salvação. Efésios 2.8-9, em particular, afirma a suficiência da graça: “Pois pela graça de Deus vocês são salvos por meio da fé. Isso não vem de vocês, mas é um presente dado por Deus. A salvação não é o resultado dos esforços de vocês; portanto, ninguém pode se orgulhar de tê-la” (NTLH).
No entanto, muito mais do que ver isso como um debate histórico e um legado dos reformadores, penso que a igreja cristã precisa a cada geração reafirmar sua convicção na graça, não só como meio de salvação, mas como meio de contínua convivência e comunhão na fé.
Vejo que o ensino da graça de Deus é fácil de entender e aceitar, mas difícil de vivenciá-lo. Apesar de nossa convicção da graça de Deus, boa parte de nossa pregação, ensino e prática religiosa é pautada na culpa. O sentimento de culpa e de ter de se acertar com Deus é a força propulsora de muitos ministérios. Pastores e líderes têm dificuldade de engajar pessoas na missão da igreja com a pregação da graça, por isso, introduzem à mensagem a culpa ou a recompensa como forma de obter apoio dos fiéis.
A igreja evangélica hoje se distancia do ensino da graça sempre que exige contrapartida das pessoas para a obtenção de um favor divino. Às vezes parece que estamos voltando à Era Medieval. O perdão é alcançado mediante obras e ofertas. Cada vez mais, vemos como a igreja evangélica cede às formas de religiosidade popular. Poucas igrejas cristãs evangélicas e protestantes admitiriam que as boas obras são essenciais ao alcance da graça, contudo, muitas sucumbem à prática da lógica das obras. Para alguns, a influência vem da lógica de mercado de uma sociedade consumista e materialista. Porém, penso que as tendências religiosas ou materiais adquirem força por causa do enfraquecimento da compreensão da graça.
Creio que começamos a compreender a graça quando somos capazes de servir a Deus - até mesmo sacrificialmente - em gratidão ao sacrifício de Cristo, e quando somos igualmente capazes de estender o perdão e a graça aos “nossos devedores”.

Leia também
A vitória da Graça
Campanha Reformadores
Caminhos da graça
Pastor presbiteriano e doutor em Antigo Testamento, é professor e capelão no Seminário Presbiteriano do Sul, e tradutor de obras teológicas. É autor do livro O propósito bíblico da missão.
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